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FTX, SBF, FTT: Uma sopa de letrinhas que acabou dando (muito) errado
O escândalo da corretora de cripto FTX dominou o noticiário recente e, como não podia ser diferente, é também o assunto central desta nossa conversa. Mas calma, antes de você achar que se trata de uma história sobre os malefícios que podem ocorrer por características inerentes às criptomoedas ou ao blockchain, isso aqui é bem diferente.
Ao que tudo indica, as suspeitas apontam que se trata de um caso de fraude séria e falta de diligência do ecossistema de tecnologia como um todo. Ou seja, o fato de ter ocorrido em uma corretora de cripto é um mero detalhe. Vamos entender.
Qual é o contexto?
Em 2017, Sam Bankman-Fried (“SBF”) fundou aos 25 anos de idade a empresa Alameda Research, após uma experiência breve no mercado financeiro. A Alameda era basicamente um fundo de investimento. Ou seja, dentre suas atividades, estavam comprar cripto em algum país do mundo com os recursos de seus clientes investidores e, depois, vender imediatamente em outro, onde a cotação estivesse maior.
Essa prática é conhecida no mercado financeiro como arbitragem. A gestora também tomava empréstimos em dólar para comprar criptomoeda na baixa e vender quando o preço subisse – normalmente dando lucro para seus cotistas.
Ambas as práticas são usuais no mercado financeiro.
Passados dois anos, em 2019, o jovem SBF chegou à conclusão que fazia sentido fundar também uma exchange de cripto, a FTX. Com isso, para executar as operações da Alameda, ele poderia usar a própria corretora sem ter que pagar taxas para terceiros. Ele também resolveu criar sua própria moeda digital, a FTT. Note que isso também é comum entre os players desse mercado. Ambas as empresas iam super bem.
E aí?
Bom, 2021 foi um ano de bonança. Valuations esticados, bastante capital disponível e empresas crescendo em velocidades jamais vistas. Não foi diferente para o mercado de cripto: no ano de 2021 o Bitcoin (BTC) subiu cerca de 70%. Já o FTT 1200%.
As coisas escalaram rápido: SBF virou o menino de ouro, a FTX chegou a ser a 5ª maior exchange de cripto do mundo, deixando a famosa Coinbase para trás. O mais novo bilionário saiu na capa da Forbes e atraiu todo tipo de investidor – desde os melhores fundos de tecnologia do Vale do Silício até a própria Gisele Bündchen. Foi, sim, coisa de cinema.
Mas o que todo mundo não sabia é que o SBF se aproveitava do fato de que a FTX e a Alameda tinham modelos de negócios complementares em benefício próprio.
Mas como assim?
Apesar de seu preço estratosférico, na verdade a maior parte da demanda pelo FTT vinha da Alameda Research, primeira empresa de SBF. Lei da oferta e demanda: sempre tinha um comprador disposto a pagar mais pelo FTT, que era a Alameda. O preço do ativo subia e outros investidores compravam também, apostando na alta da moeda – uma bola de neve que não parava de crescer.
Quem ganhava com isso tudo?
O próprio SBF. Todas as reservas da Alameda, sua gestora, estavam em FTT (e não em dólares). Ele também usava a FTT que estava artificialmente inflada como garantia para empréstimos em dólar. De forma simples: ele produzia na FTX as garantias para sustentar as alavancagens da Alameda.
Em janeiro de 2022, a FTX levantou 400 milhões de dólares em um valuation de 32 bilhões de dólares. Dentre seus investidores, gigantes como Blackrock, Sequoia, Tiger Global, Ribbit e muitos outros. Como ninguém viu nada? Um ponto de atenção é que a FTX, empresa então gigante, não tinha governanças claras ou um conselho de administração.
Além disso, a organização era complexa – havia cerca de 130 entidades estabelecidas em Bahamas, famoso paraíso fiscal, em nome de SBF. Era difícil dizer o que cada uma delas fazia. Mesmo assim, há relatos de que alguns fundos prometeram cheques milionários após apenas uma ligação via zoom com o jovem fundador. Ninguém pegou nada de irregular.
Mas, eventualmente, as coisas começaram a aparecer…
No dia 2 de novembro, a CoinDesk, plataforma de dados e notícias especializada em cripto, mostrou que a maioria da reserva da Alameda estava em forma de FTT, e não em dólares.
Eram 5,8 bilhões de dólares em cripto. No entanto, o que era mais estranho é que, se somássemos o valor de todos os FTTs já emitidos (lembrando aqui que o FTT era emitido pela FTX), o montante dava em torno de 3,3 bilhões de dólares.
Isso significava que, além da Alameda estar mentindo sobre suas reservas, praticamente toda demanda pela FTT vinha dela mesma. Ou seja, não tinha mercado – logo, a moeda valia muito menos do que aparentava.
Quando o mercado descobriu essa informação, quem detinha FTT correu para vender, e o preço colapsou. A FTX/Alameda teve que decretar falência – pois não tinham como honrar seus credores e seus clientes. Mas o buraco aparenta ser muito mais fundo.
Com o passar dos dias, novos fatos apareceram, fortalecendo a hipótese de que SBF potencialmente cometeu fraude.
Dentre os fatos estão o uso indevido de recursos de clientes da corretora para financiar sua própria gestora, conclusão de uma oferta secundária com dinheiro de investidores em uma rodada que era para ser 100% primária, entre outros usos indevidos de recursos.
Não foi culpa do blockchain
Erra quem afirma que tudo isso aconteceu porque “cripto é obscuro” e porque “tem esquema na tecnologia blockchain”. Na verdade, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Blockchain é uma tecnologia promissora e seus benefícios já estão mais do que comprovados. O caso SBF parece ser algo similar ao caso Madoff, ou de Elizabeth Holmes. A história se repete. Vale ressaltar que o caso ainda não foi julgado na corte norte-americana, mas há fortes indícios de que estamos diante de uma das maiores fraudes da história.
O que nos resta é aprender com o que sabemos até agora. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos…
Por Julia De Luca, especialista em tecnologia e investimentos no IB do Itaú BBA e colunista íon. Artigo originalmente publicado na coluna mensal ‘Tête-à-Tech’, no Feed de Notícias do íon Itaú. Para ler este e outros conteúdos, acesse ou baixe o app agora mesmo.
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