Alan Blinder e as lições da história

Em “Uma história monetária e fiscal dos EUA, 1961-2021”, Alan Blinder, professor da Universidade de Princeton, mostra a tremenda evolução da política monetária norte americana em seis décadas

Alan Blinder, professor de Economia na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Foto: divulgação/Lindsay France/Princeton
Alan Blinder, professor de Economia na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Foto: divulgação/Lindsay France/Princeton

Alan Blinder, um importante professor da Universidade de Princeton, conseguiu brilhantemente cumprir o desafio a que se propôs. Seu livro, “Uma história monetária e fiscal dos EUA, 1961-2021”, é uma espécie de continuação do clássico escrito por Milton Friedman e Anna Schwartz para o período de 1867-1960, mas com um adendo importante: além da política monetária, Blinder analisa a história da política fiscal americana.  

O livro mostra que o conhecimento macroeconômico, teórico e empírico, não evoluiu de maneira linear. Na verdade, o que fica evidente é que, ao longo de seis décadas, novas ideias, eventos históricos e a classe política interagiram de maneira complexa para nos trazer até o atual estado das coisas.

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Política fiscal e monetária: uma dança sem fim

Déficits orçamentários já foram vistos como perigosos e até imorais. Esta era a abordagem do presidente Dwight Eisenhower, que encerrou seu mandato em janeiro de 1961.

Já o mandato de seu sucessor, John Kennedy, embora encurtado por seu assassinato em 1963, foi marcado pela defesa de cortes de impostos para estimular a economia. A aprovação no Congresso desses cortes acabou só ocorrendo em 1964, no governo de Lyndon Johnson, e marcou uma mudança importante de mentalidade quanto à política fiscal como instrumento de estímulo à economia.

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À medida que a política fiscal se tornava fortemente expansionista para apoiar o esforço da guerra do Vietnã, o banco central americano cada vez mais focava em seu dever de conter pressões inflacionárias. Isso resultou no primeiro grande embate entre governo e banco central (certamente não o último). Embate este que desapareceu com o novo presidente Richard Nixon, cujo banco central tornou-se passageiro de decisões do governo.

Como se não bastasse a política fiscal e monetária simultaneamente expansionista de Nixon, a economia americana (e mundial) enfrentou dois grandes choques de preços de energia, em 1972-1974 e em 1979-1980. As consequências são bem conhecidas: os EUA enfrentaram uma grande inflação, que só foi contida pela ação forte e independente de Paul Volcker, indicado à presidência do Fed em 1979.

Uma nova quebra importante de paradigma ocorreu no governo Reagan, cujos cortes de impostos produziram déficits orçamentários gigantescos. A ideia (nada original e tipicamente frustrada) de que cortes de impostos aumentam a arrecadação do governo por permitir maior crescimento voltaria mais adiante nos governos George W. Bush e Donald Trump. Mas, antes disso, tivemos Bill Clinton na Casa Branca.

Clinton estava preocupado com as contas públicas e subiu impostos ao mesmo tempo que cortou gastos. Ele argumentava que essa política fiscal contracionista geraria empregos, embora até mesmo Blinder, que foi seu assessor, confesse no livro que naquele momento não entendia bem como.”

Em uma racionalização posterior do sucesso do “Clintonomics”, Blinder argumentou que condições iniciais favoráveis (juros longos muito elevados depois de um período de irresponsabilidade fiscal) juntamente com um desenho muito crível de ajuste fiscal e ganhos de produtividade permitiram o “milagre” de uma política fiscal contracionista produzir uma economia em expansão. Economia não é mesmo para amadores…

Os anos seguintes foram marcados por novos episódios de expansão fiscal, motivados ora por guerras, ora por crises (financeiras ou de saúde pública), e ora pela ideia já mencionada de que menores impostos podem gerar aumentos de receita. O resultado é que as contas públicas e o nível de endividamento dos EUA atingiram níveis sem precedentes recentemente, um problema sem solução clara e iminente.

BC independente – quando a política monetária aprende a dançar

O livro de Blinder mostra a tremenda evolução ocorrida desde 1961 no que tange à condução da política monetária. A forma de responder a choques de oferta, por exemplo, deixou de ser um enigma como era nos anos 70 (embora continue sendo um choque difícil de lidar).

Ainda mais importante, surgiu neste período um consenso sobre a autoridade monetária: bancos centrais devem tomar decisões de política monetária de forma independente do mundo político, embora devam prestar contas e esclarecimentos aos governantes eleitos, e devam também seguir os objetivos definidos por estes.

Comunicações transparentes pelo banco central são uma matéria-prima importante dessa independência e um legado fundamental da chamada revolução das expectativas racionais (algo lamentavelmente não adequadamente reconhecida no livro de Blinder).

Em suma, a independência do banco central, com todas as suas nuances, foi uma ideia consagrada ao longo do tempo pelas diversas experiências de intervencionismo político na condução da política monetária, que invariavelmente aumentam o custo do combate à inflação. Fica a lição.

Política fiscal – dançando em qualquer ritmo

Diferente da política monetária, o livro de Blinder mostra que não houve convergência para um consenso sobre como conduzir a política fiscal. De fato, Blinder faz uma previsão sem medo ao final do livro: nos próximos 60 anos a política fiscal continuará sendo conduzida por políticos, enquanto a política monetária será conduzida por tecnocratas.   

Mas aqui cabe uma mensagem que, para mim, foi o maior aprendizado que tive com o livro: os políticos americanos ao longo dos 60 anos cobertos pelo livro adaptaram sua visão sobre a política fiscal de acordo com a realidade do momento – ou seja, não foram as afiliações políticas do presidente ou dos Congressistas que mais importaram na hora de decidir os caminhos para a política fiscal.”

Tanto republicanos quanto democratas foram “responsáveis” e “irresponsáveis” fiscalmente em momentos diferentes, mas sempre terminaram por responder às necessidades de ajustes de rota, independente de suas ideologias.

Esta também acaba sendo uma importante lição para o Brasil: o que a estabilidade fiscal requer são medidas de combate aos desequilíbrios sempre que estas se fizerem necessárias, independente do viés ideológico do governante quanto a gasto público e arrecadação.

O livro de Blinder certamente cumprirá o importante papel de ensinar o leitor atento de gerações presentes e futuras sobre erros cometidos por policymakers do passado. Com isso, fica a esperança que os novos erros sejam realmente novos, e não uma repetição do passado. E que isso valha para o Brasil!

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