O longo caminho para quem quer trabalhar com futebol
O universo do esporte, essencialmente o do futebol, atrai a atenção e o desejo de muito profissionais. É bastante comum me pediram recomendações sobre como fazer para trabalhar no futebol. De recém-formados construindo carreira a experientes em transição querendo algo novo. O interesse é muito grande.
Claro, estamos falando de um esporte eu movimenta dinheiro, paixão, que traz visibilidade e, claramente, precisa de maior profissionalização nas gestões.
Como trabalhar no futebol
Tenho uma informação boa e outra ruim. Mas, antes de falar sobre isso, gostaria de lembrar-lhes que futebol – e esporte em geral – não é formado apenas de clubes. Claro que é a parte mais visível e sonho de consumo de todos, que vislumbram a possibilidade de “arrumar” seu clube do coração. Contudo, trabalhar no futebol é o segmento mais difícil de acessar, por diversos motivos.
Primeiro, o futebol não se faz apenas com clubes grandes. Há uma gama imensa de clubes de pequeno porte que demandam gestão e profissionalização.
Dica #1: procure clubes menores
Já fica aqui uma dica: começar em clubes menores. Neles é possível se envolver com todas as áreas, entender todas as demandas, do financeiro ao marketing, passando pela gestão do matchday, do contato comercial. Assim, você consegue entender como o campo opera – e vive de perto um pouco do famoso “vestiário”. É um caminho para se aproximar da indústria.
Pense em duas empresas do mesmo segmento e portes diferentes. Se você é contratado para ser do marketing na empresa grande, será sempre do marketing. Agora, se entra para fazer o marketing de uma empresa pequena, e está próximo a todas as áreas, talvez tenha que fazer mais que o trabalho original. Assim, você estará muito mais perto de outras atividades internas, ganhando maior capacidade de entender o negócio como um todo.
Obviamente que há que se lidar com uma questão importante: clubes de futebol não nadam em dinheiro, e clubes pequenos menos ainda.
E o nível de liberdade e governança não é uma maravilha nos grandes. Então, nos pequenos pode ser pior. Ou não, pois há clubes de menor porte buscando justamente melhorar sua estrutura interna. Mas a grana nunca será grande, e nem deve ser esse o objetivo.
Clubes grandes associativos são entidades políticas, que demandam todo tipo de acordo aqui e alí, muitas vezes operam de forma inchada em termos de pessoal, e vários ainda tem que lidar com o clube social.
Então, você entra pensando que vai gerir o elenco que jogará a Libertadores, mas estará mais próximo da piscina infantil e da churrasqueira.
Não há vagas
Parte da notícia ruim é justamente essa: não há espaço para todo mundo nos clubes. Ainda há poucos com postura e visão altamente corporativa, o risco de demissão é maior que numa empresa cujo resultado e o relacionamento de acordo com a cultura local são referências de performance.
Falamos de entidades políticas com pressão da imprensa e da torcida, cuja avaliação de desempenho pode ser apenas uma série de posts de rede social ou um comentário jocoso num programa de TV.
Onde trabalhar fora dos clubes
Agora, tem uma notícia boa: não há apenas clubes para se trabalhar no futebol.
Hoje temos inúmeras consultorias pensando os clubes, e trabalhando em conjunto com eles. Temos um ecossistema que vai das empresas de venda de ingressos – as famosas “tiqueteiras” – passando por agências de marketing especializadas, agentes financeiros prontos a operar o sistema de forma mais profissional e menos exploratória. Isso passa por entender o mundo do futebol, seus riscos e fragilidades, suas estruturas, mas também pela profissionalização e maior seriedade dos clubes. Por exemplo: há escritórios de advocacia que trabalham muito bem o futebol, empresas de direitos de mídia, e tantas outras áreas. Ou seja, é possível estar dentro do esporte sem necessariamente estar dentro de um clube.
Mais uma boa notícia? Hoje há inúmeros bons cursos de formação de profissionais para o futebol. Não vou citá-los aqui sob risco de esquecer alguém, mas é possível sim entender a dinâmica do futebol a partir desses curtos, e com isso buscar colocação no mercado. Claro, sempre há a possibilidade de algum curso de formação no exterior, e na Europa há mais foco em futebol, e nos EUA são cursos mais voltados ao ambiente esportivo de maneira geral.
É só fora de campo que temos oportunidades no futebol? Não, claro que não. Os clubes possuem inúmeras funções que demandam formação. Ainda que no Brasil tenhamos poucos profissionais, a função de analista de desempenho e scouting está em franco crescimento. A função de Diretor Esportivo é pouco clara no Brasil, pois nas associações ainda existem muitos abnegados exercendo de forma completamente amadora funções que deveriam ter especialização.
Quanto custam cursos para treinadores de futebol?
Falando em especialização, temos recorrentemente discutido uma certa invasão de treinadores estrangeiros no futebol brasileiro. Por conta disso, farei uma comparação no processo de formação de um treinador no Brasil e um na Itália, apenas para termos o registro. São cursos ministrados pelas federações nacionais. Na Itália é a FIGC e no Brasil é a CBF Academy. Vamos aos cálculos:
Custo total na Itália: € 11.880
Fases | Atuação | Tempo de Curso | Custo |
Treinador de Formação Nível C | Treinadores para equipes de base até Sub17. | 124 horas, em 10 semanas, mais 20 horas de treinos práticos. Inclui aulas de arbitragem e necessidade de arbitrar partidas da categoria. | € 720 |
Treinador de Formação Nível D (Nível C + Nível D representam a formação UEFA B) | Treinar equipes até Sub21 masculinas e femininas profissionais até Série C. | 120 horas de curso e idade mínima de 23 anos. | € 660 |
UEFA A | Treinar todas as categorias de base, todas as categorias profissionais femininas e até a Série C profissional masculina | Realizado na sede da FIGC (Coverciano), tem 192 horas de aulas e é preciso ter mais de 30 anos e feito os cursos anteriores. Demanda experiência prévia como atleta ou ter executado função de treinador nos últimos anos. | € 2.500 |
EUFA PRO | Treinar clubes profissionais masculinos das Séries A e B. | 292 horas de formação, entre Julho e Outro na sede da FIGC em Coverciano, ter a licença UEFA A e mais de 32 anos. | € 8.000 |
Custo total no Brasil: R$ 40.446
Fases | Atuação | Tempo de Curso | Custo |
Licença C | Treinadores de escolinhas de formação. | 150 horas em 6 meses. Necessita estágio em Educação Física ou experiência prévia como atleta/treinador. | R$ 5.270 |
Licença B | Treinadores de categorias de base de clubes profissionais | 210 horas em 6 meses. | R$ 7.250 |
Licença A | Série C ou inferior | 270 horas em 6 meses. | R$ 9.926 |
Licença PRO | Séries A e B | 370 horas em 12 meses. | R$ 18.000 |
Tenha paciência e seja insistente
Entrar na indústria do futebol não é fácil. Este artigo não quer desencorajar ninguém, e sim mostrar que o espaço está em desenvolvimento, e tem grande potencial de crescimento. Mas não estamos falando de processos recorrentes de seleção, programas de trainee que garantem uma boa renda e formação para quem consegue ser aprovado.
Recomendo paciência, insistência e espero que em alguns anos tenhamos no ambiente do futebol um grupo realmente grande de profissionais qualificados, que possam juntar-se às ilhas de excelência que encontramos aqui e ali no futebol nosso de cada dia.
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