Oscar 2022: a premiação ainda é relevante para o grande público?

Academia de Hollywood tenta conquistar público jovem e aumentar audiência da entrega de prêmios, que tem sua 94ª edição no domingo

Foto; Divulgação
Foto; Divulgação

Desde 1953, quando a cerimônia do Oscar (a 25ª) foi transmitida pela primeira vez, a maior festa da indústria cinematográfica hollywoodiana deixou de ser apenas uma distribuição de prêmios para se tornar também – e principalmente – um espetáculo televisivo (“a TV show”, como dizem por lá). Há alguns anos, no entanto, os organizadores vêm se debatendo com números de audiência doméstica cada vez menores. Em 2021, o tombo foi descomunal: os estimados 9,85 milhões de espectadores que acompanharam o Oscar nos EUA representaram uma queda de 58% em relação aos 23,6 milhões de 2020 (que, por sua vez, já havia registrado o pior resultado dos últimos cinco anos).

De acordo com dados da Nielsen, empresa especializada em medir a audiência televisiva, 2014 foi o último ano em que mais de 40 milhões de americanos ligaram a TV para conferir o prêmio. Desde então, o número só vem caindo. Um sinal que parece especialmente alarmante ao se considerar que, mesmo com oscilações, a audiência doméstica da festa girava em torno de 50 milhões ao longo dos anos 1980
e, até 2010, estava na casa dos 40 milhões.

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Os números excepcionalmente baixos de 2021 têm como justificativa – em parte – as circunstâncias específicas da pandemia, que foi deflagrada em março de 2020 e afetou drasticamente a indústria do cinema, reduzindo o número de estreias em salas (pré-condição para concorrer ao prêmio). A cerimônia do ano passado também foi afetada, sendo transferida para a histórica estação de trem de Los Angeles, com número de convidados reduzidíssimo – com baixa presença de estrelas e sem o tapete vermelho. Neste ano, a festa volta para sua casa tradicional (o teatro Dolby) e volta, também, o desfile de modas e as entrevistas que antecedem a premiação.

A entidade responsável pela organização do prêmio, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, se fez valer do recorde negativo de audiência para tomar algumas medidas que já vinha tentando emplacar há algum tempo, sem sucesso. No dia 22 de fevereiro, a instituição anunciou que a premiação de oito categorias, a maior parte técnicas, será realizada antes do início da transmissão ao vivo, e apenas uma versão editada e reduzida será exibida na transmissão da TV. As categorias excluídas foram as três de curta-metragem (ficção, documentário e animação), além de montagem, direção de arte, trilha sonora original, som e maquiagem. Os protestos vieram com intensidade sobretudo dos sindicatos das categorias afetadas. Alegaram que a mensagem é a de que certos setores da indústria valem menos. Mas a resposta da Academia foi definitiva: “Não vamos ceder a pressões. O conselho discutiu e concordou com a necessidade de fazer mudanças na transmissão para que o ‘show’ não dure mais de três horas. Essa questão está em andamento faz tempo, mas ganhou urgência neste ano”, disse a
CEO da Academia, Dawn Hudson, em entrevista ao site Deadline.

Diretor de “O Beco do Pesadelo”, indicado em quatro categorias, Guillermo Del Toro disse que a decisão foi especialmente infeliz em um período difícil para os participantes da indústria: “Não fazemos filmes sozinhos, fazemos juntos, e as pessoas estavam arriscando tudo durante uma pandemia”, disse, ao receber um prêmio da Associação de Críticos de Hollywood. “Se houve algum ano para se pensar que certas categorias não seriam ouvidas no Oscar, certamente não deveria ter sido este.”

Mas a mudança de maior significado e impacto está na criação de duas novas categorias: Oscar Fan Favorite e Oscar Cheer Moment. No dia 14 de fevereiro, a Academia e o Twitter anunciaram uma parceria na qual os usuários da rede social podem votar em seu filme favorito lançado nos cinemas americanos em 2021 de forma bem simples: basta tuitar o nome do filme acompanhado da hashtag OscarFanFavorite. A categoria Oscar Cheer Moment, por sua vez, elege o “momento cinematográfico” favorito do público, com um método de votação semelhante. Esse movimento também não é propriamente uma novidade. Em 2019, a Academia chegou a anunciar a criação da categoria melhor filme popular, mas também voltou atrás depois de uma saraivada de críticas vinda, sobretudo, de integrantes da Academia e da imprensa. Raramente os maiores blockbusters do ano recebem indicações ao Oscar, mas, quando recebem, os índices de audiência aumentam.

A Academia e o Twitter informaram que os vencedores serão conhecidos durante a cerimônia, mas não deixaram claro se receberão uma estatueta – ou seja, se são categorias “oficiais”. Há prêmios garantidos, no entanto, para os votantes, por meio de sorteios. Quem votar na categoria Oscar Fan Favorite concorrerá a convites para a festa com todas as despesas pagas e quem participar da categoria Oscar Cheer Moment pode ganhar entrada grátis por um ano no cinema de sua escolha, assinaturas de streaming e presentes da loja do Museu da Academia, inaugurado em setembro de 2021, em Los Angeles.

Os dez finalistas da votação Fan Favorite foram anunciados no dia 28 de fevereiro, e o resultado confirmou o que muitos previram: a força da cultura dos fãs nas redes sociais seria previsível. A presença de “Cinderela”, “Minamata”, “Army of the Dead: Invasão em Las Vegas” e “Maligno” na lista foi atribuída, respectivamente, aos fãs de Camila Cabello, Johnny Depp, Zack Snyder e James Wan. A lista traz ainda a
animação “Sing 2”, a ficção científica “Duna”, as franquias de super-heróis/vilões “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” e “O Esquadrão Suicida”, além de dois filmes da Netflix: “Tick, Tick…Boom!” (que também conta com a força dos fãs do ator Andrew Garfield, ex-Homem-Aranha) e “Ataque dos Cães” (recordista das indicações “tradicionais”, concorrendo em 12 categorias). Esse último e “Duna” são os únicos
que também concorrem ao prêmio oficial de melhor filme.

A ironia está na possibilidade de que o principal argumento da Academia para tomar tais medidas – a queda acentuada da audiência do Oscar na TV comercial aberta – pode não ser totalmente culpa da chatice da premiação, mas da própria reconfiguração das mídias na era digital. Algumas publicações levantaram a hipótese de que parte do público pode ter migrado para o streaming, ainda não incorporado à métrica da Nielsen. Um dos elementos que corroboram essa hipótese está na constatação de que a cerimônia do Oscar está entre os eventos que mais geram engajamento nas redes sociais. O que, por sua vez, explica a parceria com o Twitter. Hoje já ficou claro que existe uma sinergia possível e efetiva entre as audiências maciças da televisão comercial aberta e usuários das redes sociais. E o Oscar faz essa ponte com a indústria do cinema.

Outro fator evocado como um possível motivo de desgaste do Oscar está no excesso de premiações que o antecedem, tentando ditar tendências e prever os vencedores da festa da Academia. Até pouco tempo atrás, a mais forte e tradicional premiação nesse sentido era o Globo de Ouro, organizado pela Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood desde 1943. Com uma estrutura bastante semelhante, o Globo de Ouro tinha como diferencial a divisão da categoria de melhor filme entre drama e comédia ou musical, além dos prêmios para obras televisivas, incorporados já em 1956. Já há alguns anos, no entanto, a organização vinha sendo alvo de uma série de críticas, que incluíram acusações de corrupção (prêmios “comprados” com a distribuição de presentes caros) e uma resistência a ampliar a diversidade de seus membros.

Em novembro de 2020, o jornal “Los Angeles Times” revelou que a jornalista norueguesa Kjersti Flaa havia aberto um processo contra a associação, denunciando uma “cultura de corrupção” e alegando que a Hollywood Foreign Press Association operava como cartel, barrando a entrada de candidatos qualificados em seus quadros. A reportagem confirmou a suspeita de que a organização não tinha integrantes negros, o que gerou uma série de protestos e anúncios de boicote. O principal foi o rompimento de contrato com a rede NBC, que transmitia o evento da TV (o Oscar é transmitido pela concorrente ABC, que pertence ao grupo Disney).

Alguns jornalistas da associação alegaram que as reações foram desproporcionais e movidas por um tanto de xenofobia, mas o argumento não demoveu os parceiros comerciais da entidade e os indicados, que não confirmaram presença na festa. Como resultado, o Globo de Ouro de 2022 foi realizado em cerimônia fechada, em que o anúncio de ações de benfeitoria da associação (doações, distribuição de
bolsas de estudo etc.) teve mais peso do que os prêmios, divulgados por redes sociais apenas por mensagens de texto. A derrocada do Globo de Ouro, ainda que anunciada há tempos, acabou sendo bastante conveniente neste momento de reposicionamento do Oscar.

Além dessas decisões que trazem tentativas de mudanças de prumo mais estruturais, a Academia ainda tem a missão de recuperar e modernizar o formato da premiação, que no ano passado testou algumas mudanças muito mal recebidas. O Oscar de melhor filme, por exemplo, foi anunciado antes dos prêmios de melhor atriz e ator, que encerraram a cerimônia. “É nossa crença – e acho que não é infundada – que os discursos dos atores tendem a ser mais dramáticos do que os discursos dos produtores. E então pensamos que seria divertido misturar tudo, especialmente se as pessoas não soubessem que isso aconteceria. Então isso sempre foi parte do plano”, justificou o diretor da cerimônia, o cineasta Steven
Soderbergh. Um detalhe foi crucial para desmenti-lo: o prêmio de melhor ator, que fechou a festa, foi para Anthony Hopkins pelo filme “Meu Pai”, quando se esperava que a Academia escolhesse Chadwick Boseman. O querido astro de “Pantera Negra”, que morreu precocemente em agosto de 2020, concorria postumamente por seu trabalho em “A Voz Suprema do Blues”. A família de Boswick estava lá para receber o prêmio. Hopkins sequer apareceu e gravou um vídeo de agradecimento que foi divulgado no dia seguinte

Nessas exaustivas tentativas de modernização, as quatro últimas festas do Oscar não contaram com uma de suas figuras mais tradicionais: o mestre de cerimônias – em geral representada por humoristas ou apresentadores de TV, encarregados do discurso de abertura e de costurar os blocos da cerimônia. Pois a cerimônia deste ano contará com três: Amy Schumer, Regina Hall e Wanda Sykes.

No campo das indicações e da premiação, os grandes esforços de internacionalização empreendidos pela Academia têm tido resultados tímidos. Entre os dez indicados a melhor filme, apenas um não é falado em inglês e foi produzido sem alguma fonte de financiamento ligada a Hollywood: o elogiadíssimo drama
japonês “Drive My Car”, de Ryusuke Hamaguchi, indicado também nas categorias direção, roteiro adaptado e filme internacional. Será uma surpresa, porém, se conseguir repetir o feito de “Parasita”, o filme sul-coreano que, há dois anos, se tornou a primeira produção não falada em inglês a vencer na categoria melhor filme, levando também os prêmios de melhor direção, roteiro original e filme internacional.

Talvez a maior surpresa entre filmes de língua não inglesa tenha sido a produção norueguesa “A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier, indicado a “melhor roteiro original” – uma categoria em que a barreira da língua inglesa costuma ser mais difícil de ser transposta. Como “Drive My Car”, o filme também disputa na categoria filme internacional ao lado de “A Mão de Deus” (Itália), “Fuga” (Dinamarca) e “A Felicidade das Pequenas Coisas” (Butão). Este, por sinal, é o que mais se aproxima do estilo mais fortemente apreciado pela academia até poucos anos atrás – um drama de abordagem quase folclórica, trama sensível e paisagens turísticas.

O grande favorito ao Oscar de melhor filme é “Ataque dos Cães”, uma revisão do “western” tradicional assinada por Jane Campion e indicada em outras 11 categorias. Se de fato vencer, será a primeira – e tão desejada – vitória da Netflix na categoria principal. Há, porém, uma “tradição” da festa em que o filme mais indicado não costuma ser aquele que leva a categoria principal. Com a avalanche de premiações que antecedem o Oscar, os resultados tendem a ser previsíveis, mas há sempre pelo menos uma surpresa. Há quem aposte, para o Oscar de melhor filme, em “azarões” como “Belfast”, inspirado nas memórias do diretor Kenneth Branagh, que recebeu o prêmio do público no Festival de Toronto, ou “No Ritmo do Coração”, refilmagem da comédia francesa “A Família Belier”, que recebeu o prêmio principal do Sindicato dos Atores. Caso vá para “No Ritmo do Coração”, o primeiro Oscar de melhor filme para
uma produção de um canal de streaming irá para a Apple TV, que exibe o longa nos EUA (por aqui, é da Amazon Prime).

No quesito diversidade, outro campo em que a Academia tem demonstrado esforços para melhorar, a situação é um pouco mais promissora. Campion se tornou a primeira mulher a ser indicada duas vezes na categoria de melhor direção (a primeira foi por “O Piano”, em 1994, quando perdeu para Steven Spielberg, por “A Lista de Schindler”). Desta vez, Campion é considerada favorita, podendo se tornar a
terceira mulher a vencer na categoria depois de Kathryn Bigelow (em 2009, por “Guerra ao Terror”) e Chloé Zhao (2021, por “Nomadland”).

Nas categorias de atuação, que historicamente sempre privilegiaram o reconhecimento de artistas brancos (e motivaram os protestos “Oscars so White”), a disputa está mais equilibrada com as presenças de Denzel Washington (por “A Tragédia de Macbeth”) e Will Smith (favorito das bolsas de apostas, por “King Richard: Criando Campeãs”), na categoria melhor ator, e Aunjanue Ellis (de “King Richard”), na categoria atriz coadjuvante. A presença de atores de origem latina também é forte, graças às indicações de Javier Barden (“Apresentando os Ricardos”, melhor ator), Penélope Cruz (“Mães Paralelas”, melhor atriz) e Ariana DeBose (“Amor, Sublime Amor”, melhor atriz coadjuvante).

A festa do próximo domingo será a 94ª entrega do Oscar. Ou seja, a mais tradicional premiação de Hollywood se aproxima de sua centésima edição. A Academia implementa mudanças, estabelece novos laços e acena para o segmento que, hoje, mais do que nunca, movimenta as bilheterias: os fãs, sobretudo dos chamados “universos compartilhados”. O sucesso da festa não deverá ser medido pela audiência da TV, mas pelo engajamento no Twitter. O Oscar também se conecta.

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