Apostas esportivas: precisamos avaliar os riscos e tomar as medidas antes que seja tarde

Estamos fazendo algo pela metade, empurrando parte das decisões para terceiros, e esperando que surja um problema real para tomarmos alguma medida

Nos últimos dias, explodiu na Itália mais um caso de envolvimento de jogadores de futebol com apostas. O país, que tem apostas há décadas, é quase um campeão mundial de problemas envolvendo o tema. Os eventos Totocalcio e Monopoli, que culminaram com suspensão de atletas, prisões, rebaixamentos e outras punições são exemplos disso.

Dessa vez, três atletas são acusados de realizarem apostas em partidas de futebol a partir de sites piratas. São eles: Nicolo Fagiole (Juventus), Nicolo Zaniolo (Aston Villa) e Sandro Tonali (Newcastle). A denúncia veio de um fotógrafo com fama de paparazzi. Eles tiverem seus celulares e tablets apreendidos na investigação. Zaniolo e Tonali, inclusive, foram dispensados da seleção italiana que disputa jogos da fase eliminatória para a Euro 24.

Por que é crime?

Se o jogo na Itália é legal, que crimes cometeram os atletas?

Primeiro: atletas não podem participar de apostas em competições nas quais atuam. Mesmo que não sejam das partidas de seus clubes. Independentemente de afetar ou não o resultado. Nem estou falando de manipulação de resultado, mas de aposta pura e simples – é, no mínimo, antiético. Sem contar o risco de manipulação.

Este é um tema que consta de todas as regras de competições na Europa. E não só a aposta, como também a participação societária em empresas de apostas.

Em 2021, Zlatan Ibrahimovic recebeu uma multa de € 50 mil pela UEFA por ter uma participação de 5% numa casa de apostas.

O Milan, seu clube à época, também recebeu uma multa. Está nos regulamentos da entidade a proibição a participar de apostas e do controle acionário de empresas que exploram a atividade.

Outra violação que os atletas italianos cometeram foi o de utilizarem plataformas piratas de apostas.

Como todo negócio regulado, há sempre quem decida explorá-lo de forma pirata para evitar pagamento de impostos, rastreamento de pessoas ou roubar conteúdo. Esse é o caso das transmissões de jogos feitas por sites ou equipamentos piratas. É o famoso “gatonet”.

Voltando aos italianos, a agência que controla o tema das apostas no país fechou 9.828 plataformas ilegais de apostas apenas até setembro de 2023. Foram mais de 400 plataformas acima do número de mesmo período de 2022.

Estima-se que esses sites movimentem mais de € 18 bilhões anualmente, 25% do volume total transacionado pelos sites legais no mesmo ano (foram € 73 bilhões em 2022).

Muito dinheiro, muitas preocupações

Seja pela questão da evasão fiscal, mas também da ludopatia, que é o vício em jogo. O Ministério do Consumo na Espanha reportou em a quantidade de apostadores com menos de 25 saiu de 28% em 2016 para 48% em 2021, e que os jovens começam a jogar com 15 anos, em média.

No Reino Unido, A Gambling Commission estima que 53% da população acima de 16 anos fez ao menos uma aposta em 2022. Então, há 430 mil pessoas oficialmente diagnosticadas com ludopatia, e 1,85 milhão em risco.

Segundo o site Euronews, na Alemanha há 1,3 milhão de ludopatas. Na Europa, a EGBA (agência europeia de controle de jogos) estima que até 6,4% dos adultos da região sofram de ludopatia.

Pois bem, este é o cenário das apostas esportivas na Europa. Vamos então analisar o cenário brasileiro.

Como estão as apostas esportivas no Brasil

Em setembro, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que regulamento o setor de apostas a cotas fixas no Brasil. De lá, o PL seguiu para apreciação do Senado federal.

O texto parece bastante preocupado com a distribuição do dinheiro das apostas esportivas, especialmente dos impostos. Falam na estimativa de arrecadação de até R$ 12 bilhões, o que enche os olhos das áreas que terão acesso a esse dinheiro.

O mais interessante é que o projeto de lei resolve parte do limbo que foi gerado desde a aprovação em 2019 do decreto-lei que autorizou as apostas de cota fixa. Mas, sem, contudo, regulamentá-las. Porém, define de forma mais direta alguns temas. Por exemplo: a necessidade de autorização para operar no país, com sede local, pagamento de R$ 30 milhões de taxa, mecanismos de conversa com clientes, prevenção à lavagem de dinheiro, e se a empresa possui mecanismos de prevenção ao vício.

Há uma série de temas em decisão pelo Ministério da Fazendo. Como: estruturar o processo de controle das casas de aposta, e efetivamente controlá-las. E isso, mesmo depois de aprovada a lei, ainda levará tempo para ser colocado em prática. Ou seja, mesmo aprovado, o projeto de lei ainda manterá a estrutura no limbo por algum tempo.

Como fica a publicidade das apostas esportivas

Outro tema que o projeto aborda é o da publicidade, permitindo-a sem maiores restrições, exceto uma limitação de horário no qual podem ser veiculadas, cuja definição também caberá ao Ministério da Fazendo, junto com outras, como estruturar os avisos de desestímulo ao jogo, apontar seus malefícios, temas que talvez pudessem estar mais bem monitorados e tratados pelo Ministério da Saúde.

A proposta também proíbe que empresas de apostas esportivas comprem ou licenciem direitos de transmissão esportiva.

Agora, diferentemente do que se faz na Europa, onde a Itália proibiu a publicidade de casas de apostas e a Premier League proibirá a patrocinadores a partir de 2026/27, no Brasil seguimos a maioria dos mercados. Por aqui, autorizamos praticamente tudo.

Entretanto, resta uma questão. Com limite para o horário de publicidade, qual será o impacto nos clubes de futebol e nos campeonatos locais?

Vamos usar como referência as propagandas de cigarro ou mesmo as de bebidas, que têm horário restrito.

Entretanto, no caso das bebidas, apenas as superiores a 13 graus de teor alcoólico, convenientemente. Mas qual será a avaliação que os deputados deixaram para o Ministério da Fazendo definir? Porque isso muda toda a dinâmica de uma indústria, que está se ancorando em sites de apostas sem regulamentação.

As placas de publicidades nos campos de futebol são um show de casas de apostas, que tem feito a alegria dos clubes e de quem as vende.

Dessa forma, as camisas dos clubes brasileiros estão repletas desses sites, que operam para ganhar reconhecimento e mercado. E, assim, para serem negociados quando alguns dos operadores internacionais chegarem ao país.

Esses, acostumados a processos estruturados de controle, ainda observam o mercado à distância. Mas há quem já tenha colocado a marca na rua.

Teremos um controle sério, proibindo publicidade antes das 22h, o que seria um balde d’água fria no mercado, mas nos colocaria num patamar responsável de controle do tema?

Atletas que alteram resultados

Porém, ainda falta a questão esportiva, que foi o início deste artigo. A justiça desportiva tem códigos de sanção aos atletas que atuarem para alterar o resultado de uma partida, mas não atuam em situações como concessão de escanteio, faltas, cartões.

Além disso, não há regulamento ou controle sobre atletas que apostam, direta ou indiretamente. Cabe à CBF, às federações e a quem organiza as competições estarem mais atentas em relação ao tema.

Não é uma questão de gostar ou não do assunto, mas de trabalhar de uma forma a identificar, avaliar e mitigar todos os riscos envolvidos.

Para variar, estamos sempre fazendo algo pela metade, empurrando parte das decisões para terceiros, e esperando que surja um problema real para tomarmos alguma medida.

Há tempo para sermos melhores que isso em relação às apostas esportivas.

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