De volta aos anos 80? Brasileiros usam antigas táticas na hora de fazer compras
Consumidores, varejistas e fabricantes mudam o jeito de comprar alimentos
Com o litro do leite e o pacote pequeno de café na casa dos R$ 10, a cartela de ovo a R$ 17 e o quilo do queijo a preço do que era o filé mignon, o brasileiro está se virando como pode para esticar o salário ao longo do mês, o que afeta toda a cadeia de suprimentos. Para lidar com a inflação que está há dez meses acima de 10%, consumidores, varejistas e fabricantes mudaram o jeito de comprar alimentos.
O consumidor voltou a adotar uma estratégia comum nos anos 1980, período da hiperinflação: ir ao mercado logo que recebe o salário. Mas, em vez de fazer a compra inteira do mês logo de largada, essa ida inicial ao mercado se concentra nos itens básicos.
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Os produtos não essenciais ficam para depois, numa caça a promoções que usa estratégias típicas da nova geração: tecnologia para consultar ofertas e redes sociais em busca de dicas. Do lado das empresas, a receita é armazenar mais os itens sujeitos à variação do dólar.
Pesquisa de preços na vizinhança
As compras urgentes têm mais força no começo do mês, quando as pessoas estão mais propensas a pagar um tíquete médio maior. É o caso da aposentada Terezinha Santana da Silva, de 70 anos. Ela, que viveu a superinflação dos anos 1980/1990, prefere fazer a compra do mês com produtos mais básicos e importantes logo que recebe a aposentadoria.
Conforme o marido vai recebendo por trabalhos esporádicos, eles vão comprando o que consideram supérfluos. “Prefiro comprar o básico logo. Feijão, arroz, óleo e algum material de limpeza. Está tudo muito caro. A carne substituí por ovo, empanados e frango. Mas a sobrecoxa, porque o peito não dá, conta.
No restante do mês, o jeito é fazer compras mais fragmentadas para esticar a renda. A pesquisa Consumer Insights da consultoria de varejo Kantar mostra que o e-commerce se tornou ferramenta importante para achar promoções. “Hoje, o consumidor é mais empoderado. É muito comum a pessoa consultar o celular em frente à gôndola”, diz Rafael Couto, diretor de Soluções Avançadas da Kantar.
A estudante e administradora Hannah Santiago Barros, de 24 anos, acompanha os sites de supermercados, onde consegue descontos de até 20% e sempre sai de casa com uma ecobag para aproveitar o trajeto que faz na vizinhança, no Ingá, em Niterói, e passar por vários mercados e hortifrútis comprando pingado. “Dá diferença. Às vezes acho o queijo por R$ 35 o quilo e outras por R$ 22. Tem que pesquisar”, ensina.
Fique de olho nos sites dos supermercados
Elisângela Alencar fazia compras na sexta-feira em um mercado da Zona Norte do Rio. Ela visita os sites dos supermercados com frequência e passou a comprar produtos essenciais, como arroz, feijão e itens de limpeza de 15 em 15 dias. Além disso, toda semana frequenta quitandas e hortifrútis em busca dos melhores preços.
Ela trabalha como fiscal da Petrobras e divide a casa com o companheiro, os filhos e uma netinha em um total de cinco pessoas. A família costumava gastar R$ 600 por mês com alimentação. Agora a conta chega a R$ 1 mil somente para cobrir o necessário. “Está tudo muito caro, principalmente carne, café e leite. Quando um produto está muito acima do preço, eu o substituo por outro, nem sempre é o que eu queria, mas não tem jeito. Se não dá para levar outra coisa, o segredo é comprar em menor quantidade”, afirma.
Mudanças também na indústria
A alta dos preços nos alimentos mexe com toda a cadeia. Segundo Fábio Melo, diretor de Marketing da M. Dias Branco, dona de marcas como Piraquê, Adria e Isabela, as redes maiores e os atacarejos conseguem aproveitar mais as oportunidades de compra, com estoques mais altos para antecipar futuros aumentos de preço da indústria.
Já o pequeno ou médio varejista dificilmente eleva estoques, mas fica mais seletivo com o sortimento nas lojas. “No lado da indústria, buscamos estabelecer targets de estoque e acompanhamos esses níveis no varejo para não superabastecer ou gerar rupturas que representam perdas para nós e para os varejistas, evitando a frustração dos consumidores”, explica Melo.
No caso de supermercados, as oscilações do dólar que incidem sobre commodities, como óleo de soja, levam as redes a manter estoques cheios. “Compra-se hoje olhando para o futuro. Se tiver algum problema de safra ou subir muito, está com preço garantido”, diz o presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio (Asserj), Fábio Queiróz. “Os supermercados estão negociando cada centavo com fornecedores. Já estamos com as margens sacrificadas. O alerta para o consumidor é: pesquise”, acrescenta.
Dica: experimente novas marcas
Segundo a Kantar, a mudança de hábitos indica que 63% só compram aquilo que já tinham se programado para adquirir, 46% estão aproveitando mais as promoções e 24% trocaram as marcas favoritas por opções mais baratas.
De acordo com Viviane Areal, diretora do SuperPrix, clientes têm experimentado novas marcas e ido mais vezes em busca de descontos. “Os consumidores têm feito compras semanais e até diárias em busca de melhores oportunidades. Também percebemos que quando encontram boas promoções, compram quantidade maior”, afirma.
No Grupo Mateus, rede com grande atuação no Nordeste, as compras migraram para o início do mês. “A renda acaba se concentrando nos produtos básicos e nos períodos de recebimento de salários, seja pela compra em volume que traz esse benefício ou pelo risco da variação de preços dentro de períodos curtos”, diz Sandro Oliveira, diretor executivo do Grupo.