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Por dentro de uma reunião dos devedores anônimos
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Muitos endividados têm até 10 cartões de crédito
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É importante ter uma psicoterapia para complementar o trabalho
Vamos fazer oração da serenidade?”, me pergunta Rita antes de começarmos a entrevista. “Qualquer coisa que a gente vai fazer, a gente faz a oração antes”, explica. A reza é simples: “Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras.”
Ela baliza todas as reuniões das irmandades dos 12 passos, que nasceram com os Alcoólicos Anônimos em 1935, em Ohio, nos Estados Unidos, e hoje abarcam os mais variados vícios: drogas, compras, comida, sexo, jogo, dependência emocional. Quem procura uma sala dessas está, muitas vezes, “no fundo do poço” da compulsão.
Neste caso, pessoas que acumulavam dívidas que custavam muitas vezes o salário, tinham 10 cartões de crédito e não conseguiam sequer dormir sem a perseguição de cobradores, agiotas, atendentes de banco ou o medo.
Sob anonimato e com nomes trocados, Rita, Dolores, Maria e Pedro contaram suas histórias de desespero, dor, medo, compulsão – mas também de recuperação, esforço, superação e até milagre.
Quem é o devedor compulsivo e como funciona o DA
As histórias de devedores compulsivos que frequentam a irmandade são bem parecidas. Muitos deles chegaram ao DA porque tinham outras compulsões, principalmente álcool ou comida. E perceberam que elas estavam interligadas.
As salas sempre foram físicas, geralmente nos fundos de igrejas, instituições ou em espaços alugados. Com a pandemia, elas se transferiram para salas virtuais em aplicativos, recebendo devedores compulsivos do Brasil inteiro.
A reunião começa com poucas pessoas e, aos poucos, vai se enchendo. Elas chegam felizes, se cumprimentam, falam da vida descontraídas. Quando a reunião começa, tudo muda. Abre-se o ritual com a oração da serenidade, faz-se a leitura de um texto pré-designado e, depois disso, chega-se ao coração das reuniões: o momento das partilhas, quando as pessoas ficam livres para contar suas angústias, escorregadas ou evoluções.
Não existem coordenadores ou alguém que “mande” no grupo. São os próprios membros que organizam tudo. Eles respondem a uma central no Estados Unidos, chamada de Escritório de Serviço Mundial. É de lá que pegam a literatura do grupo (os textos que devem ler nas reuniões) e organizam conferências mundiais.
O termos usados na reunião
Quem chega a uma reunião pela primeira vez logo percebe que há um vocabulário específico e muitas vezes repetido durante as falas e partilhas. Os principais conceitos e termos são os seguintes:
- Poder superior: Eles usam esse termo para se referir ao deus de cada pessoa. Se quem frequenta é agnóstico ou ateu, o poder superior pode ser o grupo ou a força interna da pessoa. Dentre as atividades do grupo, existem momentos de conversas e cartas para o poder superior, em busca de orientação e força;
- Solvência: Situação de quem está livre de dívidas sem garantias (aquelas que não conseguem pagar);
- Doença da baixa autoestima: Os membros acreditam que o vício em compras é fruto de baixa autoestima;
- Compulsão por ganhar pouco: Sobre a pessoa que, apesar de estudar e se preparar, permanece em empregos que não oferecem melhora e com baixos salários;
- Só mais 24 horas / só por hoje: Mantra usado para dizer que a luta contra a compulsão é diária.
A importância do padrinho ou da madrinha
Os devedores anônimos sugerem que uma pessoa frequente pelo menos seis reuniões antes de se tornar membro da irmandade. Quando ela ingressa, é aconselhada a procurar por um padrinho ou madrinha, alguém que está no grupo há mais tempo e tem a missão de auxiliar esta pessoa.
“É para quem você vai contar detalhes cabeludos que não tem coragem e falar na reunião aberta”, explica Rita. É também ao padrinho que um DA recorre em desespero antes da compra, com canal aberto 24 horas por redes sociais ou telefone.
Proibido dar palpites
Quem frequenta uma sala de devedores anônimos não pode falar quanto ganha, nem palpitar sobre a vida alheia. Ali, as pessoas apenas ouvem. As reuniões acontecem todos os dias em diversos horários. E são abertas para quem quiser participar.
O administrador e especialista em economia comportamental Marcel Scalco diz que os grupos ajudam pela abordagem inclusiva, desde que conduzidas por pessoas qualificadas. “Grupos de apoio são meios de ajuda para desenvolvimento pessoal muito efetivos. Especialmente se estes grupos são baseados nos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos, porque os passos permitem uma análise individual, mas apoiada em uma experiência coletiva, para que os participantes se sintam menos culpados e errados. Isso se conduzidos por pessoas devidamente preparadas e que tenham passado pela mesma experiência”, explica.
Ele aconselha uma psicoterapia para complementar o trabalho do grupo, uma vez que a compulsão pode ter outras raízes, e dá solidez ao tratamento. “As pessoas precisam encontrar o que causa o vazio preenchido pelo consumo”.
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