Atenção devedores: STF declara constitucional apreensão de passaporte e CNH de quem tem dívidas

Se a pessoa se sentir lesada, ela pode entrar com recurso

Sessão plenária do STF / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF
Sessão plenária do STF / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam ser constitucionais dispositivos do Código de Processo Civil que permitem aos magistrados determinar medidas atípicas para o cumprimento de ordem judicial.

Entre os exemplos estão a apreensão de passaporte e carteira de motorista de devedores, além da proibição de participação em concursos públicos e licitações. A discussão ocorreu na ADI 5.941– o julgamento foi finalizado ontem (9).

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Endividado pode entrar com recurso

A decisão do Supremo mantém o poder do juiz porque deixa a cargo dele a aplicação de medidas que julgarem necessárias para que haja o cumprimento da decisão judicial.

No entanto, os ministros ponderaram que os magistrados precisam agir dentro da “razoabilidade e proporcionalidade” e que se o afetado se sentir lesado, deve ajuizar um recurso contra a determinação judicial no processo.

A decisão afeta a própria atuação dos ministros do Supremo.

Durante a votação, o relator, ministro Luiz Fux, relator da matéria, chegou a citar como exemplo, a possibilidade de suspensão do cartão de crédito de financiadores de atos antidemocráticos.

Em outro momento do julgamento, Fux afirmou que juízes têm que dar efetividade à decisão e tem que ter instrumentos para isso.

“Tem que ter poderes e criatividade. Cada caso é um caso. Por exemplo, no caso do Faraó dos bitcoins, que deu o calote e quis embora do país, seria lícito apreender o passaporte dele.”

Na sequência, Alexandre de Moraes afirmou: “Totalmente lícito”. Na esfera penal, Moraes já determinou o cancelamento de passaporte de bolsonaristas.

Como foi tomada a decisão

O julgamento se deu por 10 a 1 e a maioria acompanhou o raciocínio do relator, ministro Luiz Fux, a favor da constitucionalidade dos artigos do Código de Processo Civil questionados. O ministro abriu o seu voto explicando que a sua decisão se nortearia pelo texto do normativo e não pelos casos concretos.

Ou seja, segundo Fux, a análise se deu sobre o texto da lei em abstrato que assim diz: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (IV) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Dessa forma, o ministro não discutiu as medidas que os magistrados vêm adotando em casos concretos.

Para Fux, é preciso garantir a efetividade da decisão judicial e esse é o objetivo do Código de Processo Civil.

Assim, se o dispositivo fosse considerado inconstitucional haveria um engessamento da atividade jurisdicional.

Em sua visão, caberá à doutrina e à jurisprudência desenhar os limites que os juízes podem adotar à luz dos princípios constitucionais e em cada caso concreto.

“Nada disso autoriza o julgador a ignorar as garantias fundamentais dos cidadãos”, afirmou o relator.

O que foi levado em consideração

Fux adotou três premissas para o seu voto:

  1. Toda norma jurídica, da mais específica à mais abstrata, deve estar conforme a Constituição;
  2. A mera indeterminação de uma norma não enseja a sua inconstitucionalidade;
  3. A aplicação concreta das medidas atípicas encontra limites no sistema jurídico em que se insere.

Os ministros Ricardo Lewandowski, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso acompanharam Fux.

Durante o voto, Moraes afirmou que a ação parte do pressuposto que o juiz vai exagerar. Além disso, ele afirmou que medidas atípicas questionadas têm previsão legal em outros dispositivos, a suspensão de CNH, por exemplo, é possível administrativamente pelo Código de Trânsito.

A lei de improbidade prevê casos de proibição de participação em licitação. Portanto, para o ministro, as medidas adotadas pelos magistrados são constitucionais.

Quem foi contra?

A divergência parcial partiu do ministro Edson Fachin que se mostrou preocupado com a possibilidade de medidas atípicas para garantir a prestação pecuniária.

Fachin não votou pela inconstitucionalidade integral dos artigos do CPC, apenas para que fosse declarada a inconstitucionalidade de norma ou interpretação que aplique medidas atípicas fora da obrigação alimentar, como pensão alimentícia, por exemplo.

Os argumentos da ação

A ação foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) contra os artigos 139-IV, 297, 380, parágrafo único, 400, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536-caput e §1º, 773 do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).

Todos os dispositivos citam, de alguma forma, a possibilidade de medidas atípicas. A legenda alegou que a busca pelo cumprimento das decisões judiciais, por mais legítima que seja, não pode se dar sob o sacrifício de direitos fundamentais nem atropelar o devido processo constitucional.

Em sustentação oral, o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, defendeu a constitucionalidade das alterações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

Para ele, a legislação processual deve propiciar aos juízes os instrumentos necessários para o efetivo cumprimento das decisões. “Precisamos prestigiar a criatividade de juízes e advogados na busca das medidas mais adequadas ao caso concreto para a efetivação do processo, até para acompanhar a criatividade dos devedores, que é ilimitada”, afirmou na tribuna.

Contra o direito de ir e vir

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que a norma deveria ser considerada inconstitucional.

Para Aras, as liberdades, direitos e garantias fundamentais não podem ser sacrificadas para coagir o devedor.

O PGR afirmou que a apreensão do passaporte vai contra o direito de ir e vir; já a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação pode impedir o livre exercício profissional e a proibição de participar de concursos e licitações não é razoável.

Assim, para Aras, o juiz não pode determinar todo e qualquer tipo de medida para assegurar o cumprimento de ordem judicial.

Seria preciso uma filtragem sob a ótica dos direitos fundamentais e do julgamento de proporcionalidade e razoabilidade de acordo com o previsto na Constituição.

“É preciso avaliar quais medidas seriam harmônicas com o sistema constitucional”, afirmou o PGR.

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