O que eu aprendi com Daniel Kahneman, pai das finanças comportamentais
No dia 27 de março de 2024 o mundo da economia foi surpreendido pela terrível notícia da morte de Daniel Kahneman. Devo dizer que acompanho o trabalho dele há mais de 25 anos e provavelmente os ensinamentos de Kahneman, na minha forma de pensar em investimentos, só pode ser comparada a Harry Markowitz, que faleceu há menos de um ano.
Mas ao contrário de Markovitz, tive a oportunidade de estar pessoalmente com Kahneman e de interagir algumas vezes com ele. E essas são experiências inesquecíveis, que vou narrar um pouquinho mais adiante.
Revolucionário
A contribuição de Daniel Kahneman para economia é completamente revolucionária.
Ele não foi o primeiro a tratar de assuntos comportamentais – geralmente cita-se o trabalho de Adam Smith no seu magnífico A teoria dos sentimentos morais como o primeiro livro que aborda de uma forma mais concreta fatos ligados ao comportamento.
Kahneman também não foi o primeiro economista a ganhar um prêmio Nobel nessa área – foi Herbert Simon.
Porém, coube a Kahneman a abordagem mais revolucionária e criativa que liga o comportamento às decisões financeiras.
Para mim é impossível separar os resultados do seu trabalho dos ensinamentos de Kahneman.
Kahneman formou-se em psicologia e matemática. Poucas pessoas combinam interesses por estas duas áreas aparentemente tão separadas.
Os estudos de Kahneman
Creio que em boa parte a abordagem que ele faz do comportamento só poderia ter sido feita por alguém que entendia a mente humana e era capaz de trabalhar matematicamente.
Seus primeiros trabalhos foram de fato em estatística. Mas ele dedicou a vida principalmente analisar as decisões em estados de incerteza ir ou risco.
O artigo de Kahneman, de 1979 e publicado em parceria com Amos Tversky e denominado “Prospect Theory: an analysis of decision under risk”, tornou-se um sucesso acadêmico e em poucos anos virou um dos papers científicos de economia mais citados de todos os tempos.
Por que um investidor assume riscos?
Kahneman substitui a visão tradicional do investidor avesso a riscos por um investidor sujeito à aversão às perdas. E que pode, inclusive, até apresentar uma propensão a assumir riscos em momentos nos quais ha potenciais perdas.
A combinação da função de valor que descreve esse comportamento com a função de ponderação de probabilidade que nos permite entender como a nossa mente distorce involuntariamente as probabilidades consegue gerar uma descrição muito precisa e útil do comportamento.
Isso acontece não só com investidores, mas com qualquer pessoa em circunstâncias que envolvem riscos e possibilidades de perdas.
A inserção desses conceitos no dia a dia, permitiu eu e a minha equipe pudéssemos de alguma forma prever movimentos dos nossos clientes investidores, de forma a ajudá-los nas suas decisões financeiras.
Minha tese de mestrado baseada em Kahneman
Tive a oportunidade de ver Kahneman no início dos anos 2000 (quando o assunto ainda não era tão popular como atualmente) durante uma apresentação dele em São Paulo, a convite do meu então empregador, o BankBoston. Nesta época, eu já tinha lido vários dos artigos científicos que ele escreveu.
Pouco depois eu comecei a minha tese de mestrado no momento em que poucas pessoas conheciam os trabalhos dele e tinham a possibilidade de me orientar no assunto.
De alguma forma montar uma tese baseada nas teorias de Kahneman para o mercado brasileiro foi um pouco tatear no escuro.
Eu queria ver se os parâmetros da teoria da perspectiva no Brasil eram semelhantes aos que Kahneman tinha encontrado para os EUA.
Os ensinamentos de Kahneman
Consegui trocar uma série de e-mails com ele algum tempo depois da palestra, e ele sempre me respondeu. Às vezes com respostas bem simples. Outras vezes com orientações de leitura ou mesmo com orientações de procurar outros pesquisadores que poderiam me conduzir melhor. Era 2004.
Então, vários anos depois, ainda em São Paulo, o reencontrei e tive a oportunidade de trocar umas breves palavras. Tentei puxar, sem sucesso, pela sua memória alguma lembrança dos e-mails que tínhamos trocado. A esta altura ele já tinha compilado vários elementos dos seus estudos no seu best seller “Rápido e Devegar: duas formas de pensar”.
Entretanto ele se mostrou extremamente interessado em saber os resultados que eu tinha Obtido nos estudos. Fiquei feliz a vê-lo esboçar um sorriso (um tanto acadêmico) quando afirmei que os números que eu tinha obtido para o Brasil, (como o coeficiente de aversão a perdas) eram muito semelhantes aos que ele tinha detectado nos trabalhos dos EUA.
Ganhos e perdas
Enquanto escrevo estas linhas, me veio à mente o conceito de aversão a perdas. Assim, ela descreve que a dor gerada por uma perda só pode ser compensada pela alegria que de um ganho de magnitude 2,25 vezes maior.
Que ironia do destino, pois a dor da perda do próprio Kahneman para os mundos acadêmico e financeiro jamais poderá ser medido.
Kahneman partiu, mas deixou uma herança na mente de milhares de pessoas. E grandes ensinamentos.
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