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‘A indústria de venture capital não parou’, diz líder do SoftBank no Brasil
A crise de liquidez que assola o mercado de venture capital desde o início da alta do ciclo de juros global mudou o humor nas startups. O frenesi de grandes cheques do ano passado, quando os investimentos bateram US$ 9,4 bilhões, foi substituído por rodadas mais magras, anúncios de demissões e mudança de estratégia.
Mas, para o gigante japonês Softbank, maior fundo de venture capital do planeta, é uma questão de escolher para qual a metade do copo olhar.
“Parece que há uma crise absurda, que sai sangue. Mas a realidade é que o mercado não parou. Claro que em volume menor, mas o dinheiro continua abundante para boas empresas. Temos alguns negócios em fase de conclusão”, diz Alex Szapiro, sócio-gestor e líder para o Brasil do SoftBank Latin America Fund.
O fundo tem 88 startups latinas no portfólio, das quais 60 são brasileiras: entre elas Loft, Loggi, Gympass e Quinto Andar. Este ano foram 19 rodadas na região, sendo 9 no Brasil, entre follow-ons — novas rodadas em startups do portfólio — e novos negócios. E já há pelo menos mais duas operações para anunciar entre fevereiro e março, que foram decididas nas últimas duas semanas.
Szapiro lembra que, mesmo com a crise, 2022 será o segundo melhor ano da história do venture capital no Brasil. “O mercado é muito novo. Até 2019, o mercado não batia US$ 600 milhões”, diz.
Naquele ano, o Softbank passou a mirar a América Latina, com o lançamento de seu primeiro fundo, de US$ 5 bilhões, e depois um segundo, de US$ 3 bilhões, dos quais restam US$ 400 milhões por alocar. A chegada do fundo japonês atraiu outros investidores estrangeiros para a região e puxou as rodadas para estágios mais avançados, com cheques de dois a três dígitos, acelerando a “criação” de unicórnios — empresas avaliadas em mais de um US$ 1 bilhão.
“A indústria de venture capital se desenvolveu de forma impressionante. Você tem family offices e grandes empresas investindo em startups. O mercado se consolidou e acho que essa é a grande vitória, independente do cenário mundial. Você pode ter corte aqui, ajuste ali, algumas vão ficar pelo caminho, mas o ecossistema está sólido”, diz.
A crise também traz aprendizados, diz Szapiro. “Um erro que a gente cometeu foi dizer para o empreendedor que ele precisa crescer 150%, 200% todo ano. Talvez com um ritmo de 40% ou 60% a liderança da empresa possa tomar decisões um pouco mais racionais e ver o que realmente faz sentido para o negócio.”
O excesso de liquidez também levou os próprios fundos a tomar decisões pouco racionais, pagando caro por alguns investimentos. “Aqui acho que vale uma mea culpa. No auge da liquidez, muitos investidores que a gente chama de turistas, vieram para a região. Isso provocou uma competição muito grande. E aí entra o tal FOMO, o Fear of Missing Out, o medo de perder uma grande oportunidade. Porque nessa indústria, o grande fracasso, a grande dor, é em relação às empresas que você deixou de investir.”
Os investimentos do Softbank não estão limitados aos US$ 400 milhões do Vision Fund 2. “A gente hoje não tem nenhuma restrição de alocação de capital. Se tiver uma grande oportunidade a gente pode acessar o fundo global de mais de US$ 50 bilhões”, diz Szapiro.
Como está o relacionamento com as investidas nesse momento de crise de liquidez no venture capital?
O ano passado foi muito positivo no sentido de que as nossas investidas captaram mais do que precisavam. Como funciona a indústria? Quando a empresa está num estágio de crescimento, a partir de uma série B, elas vão fazendo captações baseadas no plano dos próximos dois ou três anos. Não necessariamente para tocar o negócio propriamente, mas para fazer uma aquisição, uma expansão internacional, contratar mais pessoas.
É como um baú de guerra, uma reserva. Mais de 75% das empresas do nosso portfólio tem capital suficiente para tocar o negócio até 2024. Portanto, estão preparadas para momentos adversos como de um capital mais escasso. Muitas delas não estão nem mais olhando uma eventual próxima rodada. Podem até eventualmente fazer uma rodada antes de um IPO. Mas já estão vislumbrando um cenário de geração de caixa.
Mas o que a gente vê hoje é uma segunda onda de cortes. Esta semana, Buser e Loft, que integram o portfólio do Softbank, reduziram bastante o time.
Os últimos três anos foram marcados por uma expansão muito rápida. Estávamos em um situação em que havia até uma restrição de talento. Estava difícil conseguir atrair gente boa. Então houve logicamente uma contratação muito grande: pelo próprio crescimento das empresas e porque naquele momento o talento era um grande ativo. Então quando você olha esses ajustes que aconteceram em maio, junho, e outros que aconteceram agora, faz parte do curso de qualquer empresa, de qualquer start-up. Esses ajustes não são só uma questão de economia de caixa. Quem está de fora acha que é só isso. Mas acontece que quando você abaixa a barra de contratação, em um momento de mercado muito aquecido, você atrai um talento que não performa como você imaginava ou que não está alinhado à sua cultura.
Mas quando você corta 30% de 550, como fez a Buser, investida do Softbank, esta semana, não pode ser só falta de alinhamento de cultura.
Não falo de um caso específico, mas em geral. Grande parte das discussões que aconteceram nos conselhos no primeiro trimestre foi no sentido de procurar ter certeza de que o negócio pára de pé. E o que aconteceu? As empresas olharam para os seus negócios e falaram assim: em vez de ser viável em 2027, 2028, a gente precisa ser viável mais cedo. Viável no sentido de não precisar de mais captação. Então, quando vem a crise de liquidez, esse ajuste passa não apenas pelo corte de pessoas, mas também por olhar o negócio de maneira mais criteriosa. Quais negócios eu decidi fazer nos últimos dois ou três anos que eventualmente não estão ganhando tração? Pode ser uma expansão internacional cuja velocidade do crescimento talvez tenha sido menor do que se imaginava.
É um momento de consolidação para a indústria?
Essa é uma tendência muito forte nas empresas do nosso portfólio, de aquisições. Até o ano passado, a gente via muitas empresas menores, com um produto complementar, batendo na porta das nossas investidas querendo ser adquiridas. Mas essas empresas estavam muito caras e não fazia sentido. Valia mais a pena crescer organicamente. Hoje a gente já começa a ver essas mesmas empresas batendo de novo na porta e falando: talvez eu seja mais um produto do que uma empresa, tenho uma dificuldade de expandir meu negócio e acho que faz mais sentido juntar nossas forças. E logicamente a preços às vezes um décimo ou dois décimos do que era no ano passado. Então estão surgindo grandes oportunidades pras empresas do nosso portfólio fazerem aquisições e continuar crescendo.
E qual o balanço que o sr faz da atuação dos fundos no auge da liquidez?
A gente faz muitos acertos, mas comete muitos erros também, não é? Um erro que cometemos foi cobrar crescimento muito acelerado: você não precisa crescer todo ano 100%, 150%, 200%.Talvez 40%, 50% ou 60% seja suficiente. Isso permite ao fundador da empresa, ao grupo de liderança, tomar decisões um pouco mais calmas e racionais.
Essa lição de que a gestão precisa ser mais racional será aprendida, ou quando a liquidez voltar, toda aquela irracionalidade que se viu, com muito empreendedor que capta porque talvez tenha um bom marketing pessoal, mas um negócio que não entrega. Vale lembrar os erros clássicos da indústria, como WeWork.
Primeiro eu vou só discordar de uma coisinha. Eu só posso falar pelo Softbank. E eu não acho que houve irracionalidade. A gente nunca investe em ninguém pelo carisma ou marketing pessoal como você fala. Temos um processo extremamente rigoroso que é o nosso Comitê de Investimento. Uma empresa para entrar no nosso portfólio passa por um escrutínio muito grande. Isso não mudou. Temos times especializados que não só olham os números, fazem due diligence, mas olham a viabilidade do negócio. A gente conversa com clientes e efetivamente entende o valor da empresa, seu diferencial, tamanho de mercado. A gente vai a fundo na empresa. Agora, por outro lado, é verdade que tinha uma liquidez muito grande. E aí acho que tem uma meia culpa nossa aqui. No auge da liquidez, muitos investidores que a gente chama de turistas, vieram para a América Latina. Havia uma competição muito grande pelas empresas. E aí entra o FOMO (Fear of Missing Out), ou medo de perder uma oportunidade. Eu acho que naquele momento, a gente acabou pagando caro por alguns investimentos.
Pra não ficar de fora?
Nessa indústria de venture capital, a grande dor é em relação às empresas que você deixou de investir. Você sente muito mais quando você perde um bom investimento. Porque as que estão no seu portfólio, você já sabe que infelizmente algumas podem não chegar aonde você imaginava. Ok. Mas imagina que você é um investidor e vem esse jovenzinho chamado Mark Zuckerberg (fundador do Facebook) e você perde a oportunidade. Eu olho para o nosso portfólio e brinco que a gente só vai saber do nosso sucesso lá na frente. Essa é uma indústria de longuíssimo prazo.
Vocês ainda têm US$ 400 milhões para alocar. Como está o ritmo de alocação?
A gente ainda tem muita coisa para anunciar. Fechamos um negócio semana retrasada e outro esta semana. Mas o anúncio provavelmente só vai ser em fevereiro ou março. Grandes empreendedores, com teses que fazem sentido, tamanho de mercado que justifique, com times talentosos que estão executando, continuam captando. Ou seja, o dinheiro continua abundante para boas empresas. Este ano nós fizemos 19 operações, entre follow-ons e novos investimentos, das quais 9 no Brasil. Chegamos a avaliar mais de noventa oportunidades. Ano passado esse número era muito maior e a gente também tinha uma carga de trabalho extremamente insana. Então eu acho que esse foi um grande aprendizado também. A gente puxou muito a corda. Agora a gente está voltando um pouco à normalidade. Mas eu não acho que é cíclico.
O mercado então não parou.
Não parou: 2022 será o segundo melhor da história do venture capital no Brasil. É que, realmente, na comparação com o ano passado, teve uma uma diminuição. O mercado é muito novo. E foi só quando o Softbank chegou que as rodadas avançaram para valores maiores. Até 2019, o mercado no Brasil não batia US$ 600 milhões. Parece que é uma crise absurda, que sai sangue, mas não é isso que está acontecendo. O que a gente vê, na verdade, é que a indústria de Venture Capital se desenvolveu de forma impressionante. Hoje você vê que tem um ecossistema, com family offices investindo, grandes empresas montando braços de investimento em startups. E ajudando a desenvolver empresas que mais na frente podem entrar para o nosso portfólio. A grande vitória, independente do cenário mundial, é realmente essa solidificação. Temos uma coisa conjuntural, você pode ter corte aqui, ajuste ali, algumas vão ficar pelo caminho, mas o ecossistema está sólido.
Por Mariana Barbosa, do blog Capital
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