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Atenção aos detalhes, segredo do maior investidor individual da Bolsa brasileira
Rei dos dividendos, maior investidor individual na bolsa brasileira, grande acionista de alguns dos mais importantes grupos econômicos do país, como o Banco do Brasil e a Klabin. Todos esses “títulos” contrastam com a simplicidade com que Luiz Barsi Filho conta, aos 83 anos, sua história e como leva a vida. Até sua explicação para a decisão, tomada décadas atrás, de investir na bolsa de valores parece simples: ele queria garantir uma renda mensal para bancar seus sonhos, especialmente na época da aposentadoria, e chegou à conclusão de que o melhor caminho seriam os dividendos de empresas das quais se tornaria sócio. Ele passou a comprar ações e não mais investiu em qualquer outra opção do mercado financeiro.
“Não sou um gênio. Sou uma pessoa simples, um ser humano como qualquer outro. Digo que não compro ações, compro projetos de empresas, ajudando a gerar riqueza para o país, para a população”, disse em uma entrevista de pouco menos de meia hora, por videoconferência. Seu patrimônio é de aproximadamente R$ 4 bilhões, com uma carteira que reúne aplicações em cerca de 12 empresas. Ele afirma que o que lhe interessa são os dividendos pagos por essas companhias, não o valor do patrimônio.
Como não poderia deixar de ser, fica evidente que, por detrás da simplicidade, há também preparo, estudo e planejamento. Vindo de uma família pobre, mas com uma mãe determinada a ajudá-lo a estudar, Barsi fez um curso técnico de contabilidade e aos 15 anos passou a trabalhar num escritório contábil (antes disso, fizera bicos como engraxate e baleiro). Depois, formou-se em dois cursos universitários, economia e contabilidade. Esses estudos e o trabalho como contador, auditor e professor serviram de base para que ele percebesse a importância de se informar sobre as empresas antes de qualquer investimento, seja pela leitura atenta de balanços e de outros documentos corporativos, seja em visitas a fábricas. Nos detalhes descobertos nos informes, começou a descobrir oportunidades para aplicar suas economias.
Um dos casos emblemáticos dessa postura envolve o Banco Econômico na década de 1980, bem antes de sua intervenção pelo Banco Central. Numa determinada época, o Econômico abriu uma subscrição de ações pelo dobro do que se pagava no mercado. Por que alguém compraria papéis pelo dobro da cotação na bolsa? Barsi foi atrás de mais informações, por ter ficado intrigado com a oferta, e descobriu, ao ler a ata da assembleia que tinha aprovado a operação, que o pagamento das ações seria feito em dez parcelas, sem juros nem correção monetária — apesar da inflação de dois dígitos então prevalecente. Além disso, o banco tinha se comprometido a distribuir dividendos a cada três meses. Ou seja, a compra era, sim, muito vantajosa.
Barsi comprou três grandes lotes de ações via a oferta de subscrição. Pelas suas contas, em dinheiro de hoje, o Econômico lhe pagou dividendos de R$ 1,70 para papéis pelos quais pagou R$ 1,20.
A sua é uma história do que os americanos chamam de “self-made man”. Ele nasceu numa família pobre, passou boa parte da infância e adolescência num cortiço no Brás, então um dos bairros onde moravam imigrantes, operários e pessoas com baixa renda. Foi criado pela mãe que ficou viúva muito cedo, que trabalhou como operária numa fábrica de charutos e, por um longo período, como vendedora numa bombonière de cinema de bairro para sustentar ela mesma e o único filho. “Éramos pobres, mas nunca passamos fome”, conta Barsi no livro, o que confirmaria, na sua opinião, a constatação do seu avô, espanhol de Granada, que, ao chegar a Santos, teria comentado com a mulher que no Brasil não havia fome porque havia comida na lata de lixo. “Onde há comida no lixo não existe fome.”
A história da sua vida — e da sua família — e seus preceitos para ganhar dinheiro com ações são detalhados em “O rei dos dividendos” (Sextante, 240 págs., R$ 49,90), cujo longo subtítulo explica o propósito da obra: “A saga do filho de imigrantes pobres que se tornou o maior investidor pessoa física da bolsa de valores brasileira”. O livro foi escrito em parceria com a filha caçula, Louise, e já entrou na lista de bestsellers, segundo o levantamento feito pelo site especializado PublishNews.
Felizmente, em “O rei dos dividendos”, Barsi foge do estereótipo de que bilionário não fala sobre si mesmo e nem de como ficou bilionário. Ele detalha suas estratégias e preferências, dá exemplos e inclui fotos suas e da família — a única celebridade com quem Barsi aparece é Pelé. Conta sobre seus casamentos, o divórcio da primeira esposa, o relacionamento com os filhos, o fim da vida da mãe, as viagens de carro pelo interior do Brasil.
Além de se informar sobre empresas, Barsi levou durante muitos anos uma vida espartana. Morou, por exemplo, em uma quitinete com a mãe, nunca teve mansões ou aviões e até recentemente ia trabalhar de metrô — durante a pandemia, a família o convenceu a usar um carro com motorista. Ele discorda, porém, da visão de que leve uma vida simples. “Minha vida é ótima. O que não faço é ostentar. Às vezes, brinco com meus amigos que em vez de Luiz deveria me chamar Gastão”, disse ao Valor. E se declarou feliz, muito feliz. Um dos seus objetivos é tentar mostrar para as outras pessoas o que não devem fazer no que se trata de aplicações financeiras.
Ninguém deveria entregar suas economias a um administrador sem saber exatamente como esse dinheiro será investido e é obrigatório, na sua opinião, acompanhar passo a passo a evolução da carteira.
Comparado com frequência ao megainvestidor americano Warren Buffett, Barsi afirmou que o respeita muito — os dois têm em comum o início de vida humilde e a idade mais avançada (Buffett completou 92 em agosto), mas comentou que eles seguem “filosofias muito diferentes” para aplicar seus recursos. O principal fundamento das aplicações de Barsi é a possibilidade de pagamento de dividendos pelas empresas, o que não é valorizado pelo americano. Para o brasileiro, Buffett é privilegiado por ter nascido e viver em um país onde se estimula o investimento em geração de riqueza, o que não acontece no Brasil, segundo ele.
Crítico das autoridades que supervisionam o mercado de capitais, Barsi disse que grandes interesses impedem que haja mais oportunidades de ganhos e um maior número de pessoas que apliquem em ações. Desde que começou a investir, há 55 anos, o mercado poderia ter se expandido muito mais. Já houve época em que existiam no Brasil cerca de mil empresas de capital aberto; hoje são em torno de 400 apenas.
O livro não revela apenas os sucessos de Barsi como investidor em ações. Trata também dos episódios em que perdeu dinheiro por causa de decisões erradas. Talvez o caso mais exemplar tenha sido com o Banco Econômico. Ao começar a ter sucesso administrando sua carteira de ações, Barsi foi convidado pelo então presidente do Econômico, Ângelo Calmon de Sá, a visitá-lo em Salvador. Teve a proposta de gerir os fundos de investimento do banco, o que Barsi recusou. Anos mais tarde, quando começaram os boatos de dificuldades do Econômico, Barsi não acreditou neles: “Eu me lembrava do palácio do dr. Ângelo em Salvador e dizia: ‘O Econômico tem um patrimônio exuberante. O Econômico não vai quebrar’.” Quebrou. E Barsi, acionista, perdeu uma grande soma.
Na entrevista ao Valor, Luiz Barsi não respondeu sobre o recente processo aberto pela Comissão de Valores Moiliários (CVM) em um caso que apura responsabilidades pelo suposto uso de informações privilegiadas envolvendo a Unipar.
No livro, ele dedica um trecho relativamente longo às suas compras de ações da empresa, fabricante de cloro e soda, mas não trata das negociações com outra companhia, a Compass Minerals, alvo de um fato relevante divulgado pela Unipar em junho de 2021, já que as duas empresas tinham fechado um “acordo de confidencialidade e outras avenças” com intuito de analisar informações para uma possível operação.
Segundo seu relato, ele começou a investir na companhia em 2006. “Muitos colegas do mercado me chamaram de maluco quando comecei a comprar papéis da Unipar a R$ 2,10”, escreve, por não acreditarem que os projetos governamentais para o setor petroquímico avançariam. Durante anos, ele foi cobrado por outros investidores e pessoas do mercado a se desfazer dessas ações, mas Barsi acreditava — e continua acreditando — que cloro e soda são matérias-primas extremamente preciosas para o setor industrial e previa que a empresa se recuperaria de uma série de dificuldades que enfrentou nas primeiras duas décadas deste século. Além disso, seguindo seu estilo de ler e checar tudo o que for possível referente a uma empresa na qual fez investimentos, Barsi visitava a fábrica da Carbocloro, controlada pela Unipar. E concluía: “Isso aqui não pode valer 25 centavos”.
Ele continuou aumentando sua carteira de Unipar — e foi procurado até pelo presidente e principal acionista da empresa, Frank Geyer Abubakir, que o tentou convencer a se desfazer das ações diante da possibilidade de fechamento do seu capital. Mas Barsi não concordou. Tempos depois, ele e Geyer se aproximaram. Em 2020, quando o valor da ação chegou a R$ 100, aqueles que compraram por centavos, seguindo a indicação de Barsi, passaram a considerá-lo um “ídolo”, na sua própria expressão. No ano passado, “colhi mais de R$ 160 milhões em dividendos apenas da Unipar”
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