- Home
- Mercado financeiro
- Ações
- Brasil pode terminar ano sem novas empresas na Bolsa; entenda os motivos
Brasil pode terminar ano sem novas empresas na Bolsa; entenda os motivos
Depois de 44 empresas brasileiras abrirem capital em 2021, o maior número em 14 anos, o país pode terminar 2022 sem nenhuma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de ações, preveem especialistas que acompanham o mercado de capitais.
Há oito meses nenhuma nova companhia estreia na Bolsa de São Paulo, a B3, refletindo a “janela fechada” para essa forma de os negócios captarem recursos para crescer.
Um estudo da consultoria EY aponta que incertezas geopolíticas, aguçadas pela guerra na Ucrânia, a Covid na China e a inflação global, que estimula a alta de juros, devem reduzir lançamentos de novas ações em todo o mundo.
Somente no primeiro trimestre, houve queda de 37% no volume de negócios e de 51% no montante arrecadado com IPOs, em comparação ao mesmo período do ano passado.
A Nasdaq, Bolsa de tecnologia americana que tem papéis mais sensíveis à alta de juros, viu o número de IPOs cair de 73 para 23 na mesa comparação, enquanto o volume de recursos levantados desabou 90%.
Eleição piora cenário
A previsão para o Brasil é ainda mais dramática por causa do ano de eleições conturbadas. Analistas de mercado concordam que 2022 pode ser o primeiro ano em quase duas décadas sem um único lançamento de novas ações no país.
“Quando se tem um ano eleitoral, os investidores ficam mais retraídos em relação a novas operações e preferem esperar”, explica Carlos Carvalho, sócio fundador da Kinitro Capital. “Mas o que complica não é só cenário local. A retirada de liquidez monetária e fiscal nas economias desenvolvidas (para combater a inflação) torna o ambiente menos atrativo, para o investidor e para empresas.”
Segundo dados do portal da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), desde janeiro 22 empresas já desistiram de fazer IPOs para os quais já haviam protocolado documentos, como CSN Cimentos, Selfit Academias e a rede de restaurantes Madero.
Muitas outras companhias que vinham se preparando para dar esse passo pisaram no freio. Abrir capital nos EUA, como fez o Nubank em dezembro, também está mais difícil no cenário atual, dizem analistas.
“É difícil prever quando o mercado vai retomar. Particularmente, achamos difícil que seja antes das eleições, porém estamos preparados para fazer a oferta assim que surgir um contexto que permita lançarmos nossas ações num patamar que a empresa e os acionistas considerem adequados”, adianta Junior Durski, fundador da rede Madero.
Flávio Machado, sócio-líder de IPO e Assessoria em Contabilidade e Finanças da EY Brasil, diz que muitas empresas mantiveram o registro, mas não foram adiante com a oferta pública.
Essa situação não é usual, já que manter uma companhia preparada para abrir capital é caro. Implica uma série de despesas, de taxas da CVM ao custo de auditorias trimestrais nas contas. Enquanto esperam o momento certo, aproveitam o hiato para “arrumar a casa”.
“Não vou ficar surpreso se a gente completar um ano sem nenhum IPO. Espero que isso não aconteça”, diz Machado.
Vitor Saraiva, responsável pela área de mercados de capitais da XP, guarda algum otimismo para os meses de novembro e dezembro, após as eleições.
Ele afirma que empresas hoje em compasso de espera poderão se lançar no fim do ano, caso o cenário esteja mais estável na Europa, a inflação perca fôlego e haja perspectiva de a taxa básica de juros (Selic) voltar a um dígito. Atualmente está em 11,75% ao ano.
Mesmo assim, será um dos maiores períodos sem IPOs já vividos no país, como o que aconteceu entre junho de 2015 e outubro de 2016, na crise econômica e política que culminou no impeachment de Dilma Rousseff. Entre junho de 2008 e de 2009, no auge da crise financeira global, também não houve IPOs.
Juros são decisivos
Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada no Brasil é de 11,3%, o que leva o Banco Central a esticar a curva de alta dos juros. O mercado projeta que a Selic chegue a 13,25% no fim do ano.
Movimento similar acontece em outros bancos centrais pelo mundo, enquanto cresce a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) também eleve os juros. Isso torna os títulos de renda fixa mais atraentes para investidores e reduz o apetite por ações na Bolsa, ainda mais de empresas novatas.
“Os investidores institucionais e assets (gestoras de recursos) são os que carregam os IPOs e, neste momento, a palavra de ordem é cautela e abrigo na renda fixa”, diz o estrategista de renda variável da Senso Corretora, João Augusto Frota, acrescentando que o ganho em dólar do Ibovespa, principal índice da B3, chegou a quase 40% até meados de abril, o que levou muitos investidores a venderem papéis para embolsar lucros.
Denis Morante, sócio-fundador da Fortezza Partners, empresa especializada em fusões e aquisições (M&A), explica que, no quadro atual de aversão ao risco, lançar ações pode significar poucos interessados e menos recursos do que o esperado com a operação, reduzindo o valor de mercado da companhia. Isso pode limitar os planos de crescimento, prejudicar a geração de empregos e a recuperação da economia do país.
Mesmo negócios em setores promissores como a Bionexo, uma healthtech que desenvolve soluções em nuvem para hospitais, vêm postergando a abertura de capital.
Rafael Barbosa, CEO da empresa, diz que o plano é esperar condições de mercado que “favoreçam a companhia ser avaliada pelo seu valor próprio”. Em paralelo, a empresa recebeu um investimento de R$ 440 milhões da americana Bain Capital Tech Opportunities.
“Com esse aporte, estamos seguindo nosso plano de crescimento”, diz Barbosa.
Muitas outras empresas que encontram a “janela” da Bolsa fechada buscam outras alternativas para financiar seus projetos, como aportes de fundos de private equity e emissão de títulos de dívida. Na sexta-feira, o boletim econômico da CVM apontou alta de 85% no valor de emissões de debêntures no primeiro trimestre, em comparação ao mesmo período de 2021.
Projetos adiados
Sem planos de ir à Bolsa, o Grupo Zelo, dono de cemitérios em 21 cidades e que pretende crescer com a venda de seguros funerários, emitiu, em 2021, R$ 100 milhões em debêntures. Ainda assim, foi necessário adiar boa parte dos projetos.
Lucas Provenza, presidente da empresa, admite que a instabilidade econômica impõe uma ação “mais conservadora”. O executivo conversa atualmente com 15 empresas sobre possíveis negociações societárias.
“Praticamente suspendemos a abertura de novas filiais neste ano. Talvez depois das eleições, com cenário de juros menores, possamos abrir alguma”, afirma o executivo. “Temos potencial para triplicar de tamanho. Já recebemos uma proposta de um player estratégico do exterior. Acho que isso ajudaria no processo de crescimento, mas queremos manter a governança e independência da empresa.”
Leia a seguir