Dos 130 mil aos 103 mil pontos: Como a tensão política afeta a Bolsa
A tendência positiva com o controle da pandemia desmoronou com os ruídos de Brasília
O avanço da vacinação contra a covid-19 e a perspectiva de uma retomada consistente das atividades fizeram com que a Bolsa de Valores rompesse os 130 mil pontos e atingisse o maior patamar de 2021 em 7 de junho. Mas as turbulências provocadas pela política azedaram o cenário e contribuíram para uma queda livre do Ibovespa. Primeiro foram as manifestações lideradas pelo presidente Jair Bolsonaro que pregavam uma ruptura institucional e pediam intervenção no STF (Supremo Tribunal Federal). Depois veio a decisão do governo federal de driblar a responsabilidade fiscal e adotar uma pauta populista.
No auge das discussões sobre desconsiderar o teto de gastos para financiar um Auxílio Brasil de R$ 400, a bolsa brasileira acelerou as perdas e amargou em 29 de outubro o nível mais baixo do ano, ao bater em 103.500 pontos. O período coincidiu com o início da temporada de balanços do terceiro trimestre das empresas de capital aberto. Especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira avaliam se a influência da política faz sentido para derrubar as ações ou se os ruídos acabam penalizado sem razão os papéis.
Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS
Qual o peso da política?
Rodrigo Crespi, especialista de mercado da Guide Investimentos, diz que as tensões afetam a performance principalmente das companhias em que o governo tem participação majoritária, como Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras. No caso da petrolífera, Crespi comenta que a empresa reportou um resultado consistente no terceiro trimestre, com pagamento de dividendos e ainda sinalizou a existência de estudo para uma possível privatização. “Mas aí teve o comentário do presidente Jair Bolsonaro de que a Petrobras não é uma empresa que pode dar tanto lucro e isso ofusca o desempenho das ações.”
Felipe Vella, analista técnico da Ativa Investimentos, acrescenta que o clima de instabilidade eleva a percepção de risco do país. “Tudo que acontece na política e estressa juridicamente, como teto de gastos e a possibilidade de interferência nas estatais, acaba descontado no mercado financeiro”, observa. “O Risco Brasil sobe e naturalmente a curva de juros sobe, como vimos acontecer, derrubando a bolsa.”
Efeito indireto
O especialista de mercado da Guide Investimentos diz que há papéis penalizados pelos efeitos na economia das decisões políticas. Entre elas está a valorização do dólar, que chegou a ser cotado a R$ 5,75 no final de outubro, e a subida maior da taxa Selic que o previsto anteriormente. Os juros básicos da economia foram elevados para 7,75% ao ano na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) e devem superar os 10% no primeiro encontro de 2022 do colegiado. “Esse cenário acaba afetando principalmente as varejistas, por elevar o custo de capital dessas empresas, e ainda pela queda no consumo e a perda de poder de compra do brasileiro”, comenta. “O quadro também prejudica as companhias mais alavancadas, que tem uma participação de dívida maior. Podemos citar então aquelas ligadas ao e-commerce, construção civil e concessionárias de rodovias.”
A Bolsa está barata?
Rodrigo Crespi vê cenários distintos para investidores brasileiros e estrangeiros. “O prêmio de risco não está compensando mais tanto para o investidor doméstico. O cenário está mais favorável para a renda fixa”, comenta. “Do ponto de vista do estrangeiro, com o dólar valorizado, os papéis estão com um preço muito mais atrativo.”
O analista técnico da Ativa Investimentos considera que a bolsa atualmente está em um “preço justo”. “Ela caiu bastante pelo fato de os juros ter subido mais do que o mercado precificava”, diz. “Mas não vejo perspectivas de mais quedas. Imagino que estamos chegando ao fim do ciclo porque o mercado como um todo já precificou a curva de juros futuros. Isso se não houver uma nova piora do quadro fiscal.”
Setores para avaliar
O profissional da Guide observa que o investidor pode ter no radar para compor a carteira ações com exposição a dólar. “Vejo um desconto maior para as companhias exportadoras. Entre os destaques é possível colocar as petrolíferas, as que atuam no setor de celulose e frigoríficos”, aponta. “Em relação às mineradoras, vejo as siderúrgicas com um pouco menos de desconto, já que a projeção de caixa e lucro foi reduzida bastante em função da queda do minério de ferro”, acrescenta. “Já no mercado doméstico, vemos como promissoras as empresas de transporte e locação, com potencial elevado de crescimento e consolidação.”
Em outra linha, Felipe Vella indica que os papéis “que podem estar com oportunidade de compra” sejam das varejistas por um movimento de correção. “Como as ações caíram rapidamente, estão mais descontadas. E, no médio prazo, tem uma expectativa de aumento no faturamento, em razão das festas do final de ano, que pode valer a pena.”