85% das empresas que abriram capital na pandemia estão no vermelho. Compensa investir?
Investidor deve ser seletivo e saber quanto risco se está disposto a tomar
É possível fazer bons negócios investindo nas empresas que abriram capital durante a pandemia? Está aí uma pergunta difícil, mas não tanto pela sua complexidade, e sim por envolver muitas variáveis. Ainda que cada vez mais raras, há valiosas oportunidades entre as small caps (empresas de baixa capitalização). Mas “quem investe em small cap tem que ser, obrigatoriamente, seletivo”, na avaliação de Luís Moran, líder da EQI Research. E haja seletividade.
Maioria está no vermelho
Das 75 empresas que abriram capital na bolsa brasileira nos últimos três anos, 64 (85%) operam no vermelho e essas ações valem menos que na sua estreia na B3.
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Por isso, em vez de um objetivo e sonoro “sim”, a resposta para a pergunta inicial da matéria é cheia de inflexões: depende da companhia, da estratégia de investimento, da posição e de como o ativo compõe com a carteira.
Mas, de modo geral, o risco está mais elevado para aqueles que investem nessas empresas, o que exige muita “seletividade”. É escolher a dedo e conhecer bem o ativo.
No grupo das 64 empresas que amargaram perdas nesse meio tempo, a queda média do valor das ações foi de 57%. No todo, a taxa média de desvalorização dos papéis ficou em 41%, ajudada em parte pelas companhias ligadas a commodities, que tiveram um ótimo 2022 com a alta dos preços desde o início da guerra na Ucrânia.
Mas o ano passado foi particularmente difícil para os negócios que não estavam maduros, não tinham financiamento garantido para executar o planejamento ou não conseguiram executar o seu plano de negócios.
“Em alguns casos, a mera percepção de fraqueza [do ativo] foi suficiente para afastar o investidor. Aliás, esse foi o grande problema: com juros altos, muita gente quis sair desse mercado e não houve um comprador marginal, alguém que fosse capaz de selecionar os bons casos daqueles mais fracos e prover a liquidez necessária para que os preços se comportassem mais ordenadamente”, diz o especialista da EQI Research.
A balança das small caps
Por isso, no fim, é difícil identificar um setor mais afetado entre as small caps que apanharam nesses últimos anos. O denominador comum é o fato de serem empresas de crescimento, que é o caso de quase todas que abrem capital na bolsa.
Pesa contra esses ativos o fato de terem uma perspectiva de retorno mais alongada e, consequentemente, impactada pelos juros quando a tendência é de alta das taxas futuras. “Principalmente as empresas de tecnologia (ou que se venderam com esse tema) foram mais afetadas”, avalia Moran.
“As small caps são mais voltadas ao crescimento do que ao pagamento de dividendos, quer dizer, precisam direcionar mais recursos ao Capex [despesas de capital, em ativos fixos] para investir no ganho de escala. São empresas que tendem a performar melhor em momentos de juros baixos e dinâmica expansionista, ao contrário do que vivemos”, afirma Lucas Mastromonico, operador de renda variável da B.Side Investimentos.
Por que as empresas estão indo mal na bolsa?
Com a escalada recente dos juros, com a taxa básica saindo dos 2% ao ano para os 13,75% ao ano em uma janela de 18 meses, muitas das empresas de baixa capitalização apanharam na bolsa.
Por outro lado, e embora não sejam muitas, as companhias que se deram bem com a abertura de capital em 2020 ou em 2021 – lembrando que 2022 foi um ano sem estreias na B3 – alavancaram mesmo só nos últimos dois anos. Entre os avanços mais modestos, aparecem dois nomes do varejo, Assaí (ASAI3) e Track&Field (TFCO4), cujas ações subiram 26% e 24%, respectivamente, nesse meio tempo.
Lideram as altas a empresa de locação de frotas e veículos pesados Vamos (VAMO3) e as petroleiras 3R Petroleum ( RRRP3) e PetroRecôncavo, que avançaram 126%, 89% e 80%, nesta ordem, desde que fizeram suas ofertas públicas de ações (IPO, na sigla em inglês). As duas petroleiras subiram tanto no último ano, particularmente, que já capitalizam 11 vezes e 7 vezes mais, respectivamente, que os valores levantados no IPO.
O que o investidor deve fazer?
Com o cenário macroeconômico fazendo uma pressão baixista sobre os ativos em bolsa, é preciso cuidado ao ler os números.
A margem para a volatilidade das ações é maior, considerando que fatores externos afetam mais os papéis, que já amargam a falta de apetite ao risco no mercado, sem que esse mau desempenho reflita necessariamente uma questão estrutural sobre o investimento.
Nesse mais de um mês que a reportagem do Valor Investe acompanhou as ações listadas, empresas com ganhos de até 20% e perdas de até 40% trocaram muito de posições. Saíram do campo positivo para o negativo e vice-versa, sem que, de lá para cá, houvesse uma grande novidade que justificasse o movimento.
A atenção, portanto, deve estar nas pontas da lista. Aquelas companhias que se sobressaem em ganhos e navegam em um setor mais confortável, dado o cenário econômico global e doméstico, podem representar bons investimentos – se estiverem baratas, como é provável em um cenário menos pujante para as bolsas.
Por outro lado, as empresas que estão muito baratas comparadas com pares em seus setores e que apresentam perdas consistentes e muito significativas devem sofrer mais em mais um ano de apertos monetários.
Cabe lembrar que o caixa das companhias não está contemplado nesses números, assim como também não estão suas dívidas. E é necessário atenção a esses fatores.
Afinal, com mais um ano de demanda em baixa e juros altos pela frente, esse próximo trecho da crise pode trazer uma barreira mais alta que a capacidade de algumas dessas empresas de transpô-la.
Onde estão as oportunidades?
Nove companhias que abriram capital nos últimos três anos atualmente integram a carteira do Ibovespa, principal índice acionário da bolsa brasileira. Empresas como Assaí, com capitalização acima de R$ 26 bilhões, e Raízen (RAIZ4; R$ 31 bilhões) já até deixaram de se enquadrar como small cap em algum momento nesse caminho. Mas, perto dos R$ 360 bilhões de capitalização da Petrobras ou dos R$ 455 bilhões da Vale, esses valores se tornam irrisórios.
A Raízen conseguiu quadruplicar seu valor de mercado desde agosto de 2021, a despeito a desvalorização de 57% na cotação das ações nesse período. Cabe lembrar que a empresa já fez dois aumentos de capital social nesse meio tempo, da ordem de R$ 5 bilhões no primeiro após o IPO, e de R$ 7,76 bilhões no fim de 2022, o que explica a queda do valor dos papéis.
Mas ainda existe chance de ganhar dinheiro investindo nessas small caps, mesmo em um ambiente de juros altos e aversão ao risco? “Temos recomendações de compra quando vemos que a empresa, além de ‘barata’, satisfaz algumas condições, tal como ter financiamento assegurado e a capacidade de executar o plano de negócios (assumindo que esse plano continua atraente) e que a companhia sabe contar a sua tese de investimentos”, afirma Moran.
Entre as small caps que estrearam na pandemia, a Guide Investimentos tem preferência por Intelbras e Grupo Mateus. A B.Side Investimentos, por sua vez, tem recomendação de compra para Méliuz (CASH3) e Petz (PETZ3). No caso da empresa de varejo, Mastromonico chama a atenção para o fato que, mesmo sendo uma empresa voltada para crescimento e muito recente na bolsa, a Petz já é lucrativa e tem uma boa margem bruta.
“A Petz, apesar de negociar a um índice P/L (preço sobre o lucro) mais esticado, traz uma relação de preço/receita inferior a 1,5 vez, o que é muito baixo. O balanço apresenta uma situação saudável, além de ser a única empresa de consumo diverso voltado ao segmento veterinário na bolsa”, diz o operador de renda variável.
Já o líder da EQI Research pondera que a recomendação de compra da casa de análise é condicionada, “pois os investidores devem saber que o valor que vemos, em alguns desses casos, podem demorar para aparecer nos preços”, reitera.
A Trígono Capital, focada em small caps, evita alocar em empresas no IPO. A grande questão para a equipe é ter tempo para aprender mais sobre o negócio e avaliar a governança para fugir das “surpresas”.
A gestora tem carteiras geralmente mais expostas a small caps da indústria de base e empresas exportadoras, tendo como alicerce o conhecimento sobre a tese de negócio, proximidade e acesso aos números da empresa.
Quais são os cenários favoráveis para as empresas que fizeram IPO na pandemia?
Cenários favoráveis para essas empresas são os de grande liquidez e otimismo no mercado com crescimento econômico, o que atrairia novos investidores e novos emissores para a bolsa brasileira.
Moran acredita que 2023 pode ter janelas de oportunidades para investimentos, mas rechaça essa lógica para o investidor de ações.
“O foco é sempre na empresa e na sua tese de investimentos. Se a tese é atraente e a companhia tem condições (financeiras e de execução) de torná-la realidade, a distorção que a atual falta de liquidez está causando nos preços pode ser uma excelente oportunidade para comprar excelentes ações por preços de liquidação”, diz.
Por fim, a recomendação do líder da EQI Research é que o investidor se policie para não virar “torcedor” da empresa: “se a tese não está se tornando realidade, vender (mesmo com prejuízo) é a melhor decisão”.
Conheça os riscos de investir em empresa que abriu capital
“Para empresas com alavancagem muito alta e margens pressionadas fica mais difícil sobreviver até esse momento”, afirma Mastromonico. Tanto que três empresas que estrearam na bolsa em 2021 foram compradas por outras maiores ou fecharam capital.
No caso a Mosaico, dona das marcas Zoom, Buscapé e Bondfaro, mal durou um ano: abriu capital em fevereiro e foi comprada oito meses depois, em outubro, pelo Banco Pan. Nesse período, o papel desvalorizou 75% e se recuperou um pouco até deixar a bolsa.
Já a Focus Energia, de energia renovável, sustentou dez meses na B3 até aceitar a oferta de compra de R$ 936 milhões da Eneva. As ações apanharam durante o ano com resultados abaixo do esperado por analistas e, quando deixaram de ser negociadas em bolsa, em março de 2022, haviam desvalorizado 30%.
Aos investidores que se seguraram aos dois ativos – mesmo moribundos -, restou o consolo de ao menos embolsar o prêmio de compra, mesmo que o valor não tenha chegado nem perto da perda do investimento em todo o período.
“E isso vai acontecer mais vezes, seja porque a escala é parte fundamental dos casos de investimentos ou porque o serviço prestado pela empresa não é um produto completo, mas um recurso ou função que tem valor para uma empresa maior. É o que acontece com as small caps de ‘tecnologia’ da bolsa”, diz Moran.
Já a Getnet, a empresa das maquininhas do Santander, decidiu cancelar o registro de companhia aberta e concluiu a oferta pública na B3 no começo de dezembro de 2022. A decisão veio da matriz, que controla a companhia através da sua subsidiária PagoNxt.
Os acionistas majoritários acreditavam que a maquininha vermelha seria negociada nos mesmos múltiplos que as concorrentes Stone e PagSeguro na bolsa, o que alavancaria o banco. Não foi o que viram nos meses de negociação na B3.
A avaliação Getnet não chegou perto do que mirava e ficou abaixo do valor de negociação da Cielo, que também é controlada por bancos. Com a tese caindo por terra, por questões técnicas da estrutura de capital e ligados ao cenário macroeconômico, a empresa decidiu que o melhor caminho era sair de cena na bolsa brasileira.
Por que as small caps enfrentam dificuldades na bolsa?
É mais difícil para as small caps venderem casos complexos ou teses técnicas quando não se apoiam em uma marca forte ou em um setor “popular” no mercado. Isso acontece porque investidores locais são o público principal nas negociações de small caps, já que estrangeiros (geralmente profissionais e qualificados) se concentram nas empresas com maior valor de capitalização.
“Logo, em momentos de resgates na indústria de fundos (como o que vivemos agora), as small caps performam mal”, afirma Fernando Siqueira, chefe da área de análise da Guide Investimentos.
“Não é só uma questão setorial, mas também do tipo de investidor e do momento de mercado que, quando vai mal, papéis com mais liquidez e dos quais é possível sair rápido ganham a preferência.”
Sem perspectivas de alívio no mercado no curto prazo e com a fonte de financiamento dos ativos de risco voltada a ativos de outra natureza (fundos e setor de commodities), este é um ano para as empresas que não têm liquidez em bolsa tomarem uma decisão estratégica: se querem se manter como entidades independentes ou se devem buscar uma alternativa de venda ou fusão com uma empresa maior.
“Quem optar pela primeira alternativa, ou seja, continuar sendo uma empresa independente, vai ter que investir em relações com investidores, em contar seu caso de investimento para mais gente e buscar novos grupos de investidores. Infelizmente, as empresas que chegaram ao mercado nos últimos anos fazem um trabalho muito fraco nesse sentido, com poucas exceções”, avalia Moran.
De quais small caps os investidores fogem?
Neste sentido, alguns nomes na lanterna da lista caminham sobre o fogo.
Enjoei (ENJU3), Westwing, e Espaçolaser (ESPA3) figuram entre os destaques negativos nas small caps pela dificuldade de crescer e se rentabilizar diante de um cenário de crise (com inflação e juros altos), que ameaça o consumo discricionário (de bens não essenciais).
Méliuz e Dotz (DOTZ3) se juntam ao trio por depender das compras no varejo eletrônico, setor que vem passando por reajustes desde o fim de 2021 com a queda das vendas em e-commerce.
Esse grupo de empresas também enfrenta o aumento da competitividade em seus respectivos segmentos, o que eleva os custos de aquisição de novos clientes.
A Dotz, de programas de fidelidade, lidera as baixas da lista com uma desvalorização de 93%. Junto com Méliuz e Enjoei, entra na categoria das “penny stocks” (ações cotadas abaixo de R$ 1).
Prejuízo na Dotz
Além do cenário macroeconômico, a Dotz frustrou investidores reportando prejuízos trimestre após trimestre. Parece ter sido relegada ao segundo plano por estar perdendo relevância em um mercado cada vez mais avesso ao risco, especialmente em empresas de crescimento.
A companhia vem se reestruturando desde o ano passado, mas ainda não convence.
Méliuz: venda do negócio?
A Méliuz, por sua vez, não é das ações que mais perderam valor, mas começa a dar indícios de uma possível saída do mercado aberto.
A empresa fez um primeiro movimento ao vender uma participação de 3,85% do capital para o banco BV no fim de 2022. O negócio cedeu o controle da fintech Bankly para o banco.
Para alguns analistas, esse pode ser o começo de um “namoro” para a venda total do negócio.
Ainda assim, o valor de mercado da empresa de cashback hoje está em R$ 899 milhões, 54% acima do valor movimentado na sua estreia na B3.
As avaliações se sustentam pela capacidade da Méliuz de agregar serviços financeiros à plataforma, o que foi expandido quando comprou o Bankly, mas agora passam para as mãos de outro agente.
Enjoei com modelo perto da exaustão
No Enjoei o problema é mais grave.
A empresa faz parte de um setor de economia circular e vem apresentando sinais de que o modelo de negócios pode estar perto da exaustão.
Ou então o mercado simplesmente não foi capaz de captar a capacidade da empresa, que alega gerar valor também na circularidade.
Questionamento das projeções
Mas em tempos de crise, as cifras na bolsa falam mais alto.
O principal é que, depois de mais de dois anos em bolsa frustrando investidores trimestre após trimestre, o mercado parou de acreditar nas projeções da empresa.
O tombo da Enjoei no mercado chegou a 92%, dos R$ 2 bilhões no IPO para os R$ 158 milhões em que a empresa é avaliada atualmente.
Já o plano de negócio da Espaçolaser parece flertar com a inviabilidade. Apresenta metas de crescimento agressivas para a rede, mesmo com alta alavancagem (relação entre dívida e receita) e dificuldade para financiar a dívida bruta, que chegou a R$ 886 milhões no terceiro trimestre de 2022.