Serviços se recuperam, varejo ainda patina. Mas e na bolsa? Onde vale a pena investir?

Enquanto o segmento de serviços apresenta um progresso segundo apontamentos do IBGE, os dados de consumo seguem fracos. Mas, na bolsa de valores, a grande maioria das ações desses setores segue sofrendo

Agente financeiro acompanha desempenho de ativos na B3, a bolsa brasileira. Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Agente financeiro acompanha desempenho de ativos na B3, a bolsa brasileira. Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Assim como muitos outros países, o Brasil custou a se recuperar das consequências deixadas pela pandemia de covid-19. Mesmo depois da crise sanitária, acontecimentos como a guerra entre Rússia e Ucrânia e a alta global da inflação (e dos juros) mantiveram o cenário macroeconômico em uma situação delicada. A recuperação da atividade econômica, portanto, ficou comprometida. Neste ano, o Brasil até começou a mostrar uma certa melhora em alguns setores, mas segue patinando em outros. Enquanto o segmento de serviços apresenta um progresso, os dados de consumo seguem fracos.

Há quem diga que isso é um reflexo das próprias consequências pandêmicas, em que as pessoas passaram a priorizar mais as experiências do que os bens. Mas, por enquanto, isso não se reflete nas ações da bolsa.

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Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o volume de serviços no país cresceu 0,7% em agosto, após subir 1,1% em julho. Nos primeiros oito meses de 2022, o indicador acumula variação de 8,4% frente a igual período de 2021. Com o desempenho de agosto, os serviços alcançaram patamar 10,1% superior ao do pré-pandemia, de fevereiro de 2020. Inclusive, esse foi o setor que puxou a alta do PIB no primeiro semestre do ano.

Por outro lado, os dados do varejo recuaram 0,8% na comparação de julho ante junho e voltaram a ter queda em agosto, ainda que o resultado tenha sido melhor do que o esperado pelo mercado, com uma queda de 0,1%.

Segundo Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, o cenário pode ser explicado por diversos fatores. A primeira explicação é a famosa “demanda reprimida” dos consumidores que, após praticamente dois anos de privação de lazer devido às restrições impostas pela covid-19, passaram a priorizar mais as experiências, como viagens, idas a restaurantes etc. “Essa é uma parte da explicação mais conjuntural, e toca em hábitos mais estruturais e persistentes”, afirma. Mas esse não é o único fator.

Segundo o economista, também é importante avaliar o quadro econômico atual do Brasil. Ele explica que o país passa por um momento de política monetária contracionista com a alta dos juros (que freia o consumo), mas simultaneamente existem medidas de incentivo econômico, como o Auxílio Brasil, os vouchers destinados aos caminhoneiros após a alta dos combustíveis etc. Esse contexto pune alguns segmentos mais específicos do varejo, como aqueles que dependem de crédito (como a compra de bens duráveis), mas pode incentivar outros de consumo mais instantâneo.

Na bolsa de valores, no entanto, uma recuperação, seja do setor de serviços ou mesmo de determinados segmentos de varejistas, ainda não é vista de forma tão evidente.

O Valor Investe mapeou 11 ações do setor de serviços. No ano, até o fechamento do dia 11 de outubro, apenas duas mostram alta: a da locadora de carros Localiza e a da rede alimentícia BK Brasil. Em 12 meses, apenas a Localiza ficou no campo positivo.

Fonte: B3/Valor PRO

Já no segmento das varejistas, de 20 ativos mapeados, seis mostram alta no ano: as ações das empresas de vestuário Arezzo, Grupo Soma (dono da Hering e Animale) e Lojas Renner; as do atacarejo Assaí, as do Carrefour e as do Grupo Mateus. Em 12 meses, apenas Arezzo, Assaí e Carrefour têm alta.

Fonte: B3/Valor PRO

Segundo Victor Bueno, analista da Nord Research, a explicação se deve mais ao contexto de aversão aos riscos do que às empresas em si, apesar de muitas terem mostrado dificuldades diante da crise trazida pela pandemia, além da inflação e juros altos.

“Os juros impactam muito na bolsa. A Selic saiu de 2% ao ano para 13,75% ao ano em um período muito curto. E isso mexe com a preferência dos investidores, que migram para a renda fixa. Isso se refletiu em uma queda generalizada na bolsa. No setor de serviços há companhias que tiveram uma degradação nos fundamentos por causa do cenário, mas outras que mostraram bons resultados e as ações continuaram em queda mesmo assim. Então, há uma certa irracionalidade do mercado no curto prazo que faz com que isso aconteça. Depois da metade de julho vimos uma recuperação das ações, mas ainda é pouco, porque empresas caíram muito no cenário recente. Podemos até ver um rali de alta até o fim do ano, mas muitas empresas fecham 2022 com queda porque o tombo foi grande”, explica.

João Daronco, analista da Suno Research, explica que no caso do segmento de serviços o setor pode estar bem, mas nem sempre as empresas listadas estão. Segundo o especialista, parte disso se deve à própria estrutura das empresas que é diferente do que era no período pré-pandemia.

“Para se manter durante a covid-19, muitas empresas de serviços se endividaram. Com os juros maiores, isso impacta o financeiro delas”, afirma. Para ele, o setor deve continuar indo bem mas, para o investidor, talvez seja melhor esperar um pouco mais de consistência, inclusive no cenário macro.

No segmento de varejo, Daronco vê alguns empecilhos a mais. Além do aumento dos juros também impactar empresas do setor, as companhias precisam lidar com a chegada de novos “players” (tal como o marketplace singapurense Shopee).

“As ações do varejo caíram muito a partir de julho de 2021, porque tivemos um aumento muito forte da inflação e isso antevia um aumento dos juros, que afetava o consumo e as empresas vendiam menos. E o cenário atual é ainda pior porque é mais competitivo do que era há um tempo e a competição é por preço, que é o pior tipo possível porque não tem muito o que a empresa fazer e isso afeta as receitas. Se você compra uma televisão, você coloca o modelo dela na internet, vê, dentre as empresas que conhece, quem entrega mais rápido e a um preço menor”, explica.

Apesar do cenário desafiador, os especialistas afirmam que existem, sim, oportunidades interessantes. Danniela Eiger, principal executiva do setor de análises de varejo da XP Investimento, afirma que varejistas do setor alimentício, especialmente as que atuam no segmento de atacarejo, podem ser uma boa opção, já que se beneficiam da retomada dos restaurantes e bares. Além delas, marcas mais consumidas pela alta renda também podem mostrar resistência mesmo em cenários de crise e de diminuição do consumo.


“O que performa bem agora são as ações mais defensivas e as de alta renda, como Arezzo e Grupo Soma, que têm uma resiliência maior em um cenário macro mais desafiador. E é nesse contexto que estamos, em que o poder de compra é corroído pela inflação, e os juros altos trazem um custo de financiamento maior para algumas categorias e classes sociais. Na parte de varejo alimentar o setor é mais defensivo e vai melhor nesse cenário e tem uma exposição de atacarejo que se beneficia com retomada de bares e restaurantes”, afirma. “Hoje nossas preferências são Soma, Assaí e Grupo Mateus, que têm potencial interessante de valorização e momento de resultados positivos além de história estrutural interessante”, afirma.

Bueno, da Nord, aponta as ações da locadora de veículos Movida como uma das favoritas para o setor de serviços. Para ele, as ações da empresa têm mais espaço para ganhos do que as da rival Localiza.

“A Localiza passou por uma fusão com a Unidas e tem um alto valor de mercado, mas está negociando com múltiplos muito altos. A Movida está no mesmo setor, está sofrendo muito, mas os resultados estão crescendo. E ambas se beneficiam dessa mudança de comportamento do consumidor, que vem trocando a aquisição do bem pelo uso dele. A Movida teve, recentemente, uma avaliação positiva pela agência de rating Fitch. Achamos uma boa opção”, diz.

No lado do varejo, Bueno aponta as Lojas Renner como uma boa empresa, que tem “um ecossistema mais completo do que o dos concorrentes” e que segue acelerando. Assim como Eiger, da XP, ele afirma que marcas de luxo também tendem a ser uma boa aposta. “A marca de jóias Vivara, por exemplo, continuou apresentando ótimos resultados”. Por fim, Bueno ainda citou o ramo pet como um bom segmento. “Esse mercado continua crescendo e a Petz tem muito espaço, ganhando de pequenos e médios petshops que não têm escala e diversificando seus serviços. Além disso, ela tem exposição internacional com a aquisição de marcas como a Zee.Dog e a Petiko”, afirma.

Seja como for, os analistas sugerem que os investidores analisem bem suas escolhas, especialmente pelo cenário turbulento que não deve se acalmar em breve. Com as eleições presidenciais no Brasil ainda sem um desfecho, o mercado especula sobre o futuro dos juros, que impacta diretamente nesses setores. Com isso, a melhor sugestão é sempre a cautela.

Por Nathália Larghi, do Valor Investe 

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