Do amianto à telha solar, Eternit (ETER3) aposta na energia renovável para sair da recuperação judicial

Em entrevista à Inteligência Financeira, o CEO da Eternit, Paulo Roberto Andrade, fala da transformação da empresa rumo às energias renováveis e aos novos métodos construtivos

Paulo Andrade, CEO da Eternit: sair da recuperação judicial é 'questão de meses'
Paulo Andrade, CEO da Eternit: sair da recuperação judicial é 'questão de meses'

A Eternit (ETER3), fabricante de telhas e materiais de construção, está próxima de sair de sua recuperação judicial iniciada em 2018 afirma o CEO da Eternit, Paulo Roberto Andrade, em entrevista exclusiva concedida a Inteligência Financeira

A empresa pretende deixar o processo de reestruturação fiscal pelo qual passou em “questão de meses”, afirma o CEO da Eternit, Paulo Roberto Andrade, em entrevista exclusiva concedida a Inteligência Financeira. A conversa se deu após um evento que reuniu Andrade e investidores da empresa, na sede do escritório L4 Capital.

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À Andrade, recém-empossado como CEO, o conselho deu a missão de guiar a Eternit para fora da recuperação judicial. Na época, o pedido de recuperação foi enviado em meio a prejuízos da companhia com sua operação de mineração de amianto, ou crisotila, em Goiás.

A venda do minério foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ser cancerígeno. De lá para cá, a companhia não abandonou totalmente o minério, mas agora foca na porta “renovável” para sair da reestruturação.

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Deu na telha da Eternit (ETER3) fabricar… mais telhas

A Eternit (ETER3) foi pega de surpresa em 2017 com a decisão do STF de proibir a venda de amianto. Um ano depois, os números da companhia refletiam o “baque” inicial: queda de 22% na receita líquida, sendo que o tombo de lucro a partir de venda de amianto no mercado doméstico foi de 31%.

Apesar de aumentar a receita com vendas em exportação do amianto, a Eternit se viu encurralada e pediu as contas para reestruturar seu capital. Andrade conta que a mina de amianto foi fechada e os funcionários foram todos demitidos.

Ao mesmo tempo, a companhia via-se pressionada para não usar mais a crisotila como material impermeável nas telhas. As ações da Eternit foram penalizadas, caindo cerca de 60% até o início de 2020.

“Tivemos que mudar para uma nova matriz de construção”, comenta Andrade.

A nova matriz

“E foi um problema, porque a empresa não estava habituada a fazer isso”, conta o CEO da Eternit à Inteligência Financeira. “Houve um desgaste muito grande dentro da Eternit, que sofreu com perda de produtividade e geração de retrabalho. A empresa passou ao mesmo tempo por três eventos: a não geração de caixa da mina, deixar a crisotila e migrar para uma alternativa de matéria-prima”.

Com todos os problemas acontecendo ao mesmo tempo, não houve saída a não ser a recuperação judicial.

A mudança chave para sair da reestruturação, conta Andrade, passou pela produção de telhas. A companhia focou em um novo carro chefe: o telhado de fibrocimento. Este material é feito de uma fibra sintética chamada de polipropileno, que vem da mistura processada de cimento e calcário. A Eternit construiu uma fábrica em Manaus, com empréstimo do Banco da Amazônia (BASA), dedicada a produzir o material.

“E ela colocou todo o foco dentro do negócio de telhas”, afirma o CEO da Eternit (ETER3).

“No passado, como o amianto era um grande gerador de caixa, não se tinha tanta preocupação assim com a telha. Era importante no negócio, mas quem garantia realmente a saúde da companhia era a crisotila. A mina praticamente pagava as contas. Agora só estamos com foco na telha.”

A virada de chave para a Eternit

No primeiro ano após a entrada em recuperação judicial, as telhas de fribrocimento da Eternit começaram a ganhar espaço no quadro de faturamento. A Eternit produziu 20% a mais desse tipo de telha em 2019, vendendo 128 mil toneladas.

Quatro anos depois, a capacidade operacional é de produção de 100 mil toneladas ao mês. No último trimestre, A Eternit vendeu 140 mil toneladas de telhas de fibrocimento. O produto representa mais da metade do volume anual comercializado.

Além do novo produto, descrito como “queridinho” por Andrade, o CEO da Eternit conta que a chave da empresa virou totalmente após a reforma na diretoria. Ele, que sucede o ex-CEO Luiz Augusto Barbosa no comando da empresa, atribui a seu antecessor a volta por cima bem-sucedida.

“Foi feito realmente um saneamento de custos na companhia. A empresa começou a operar de uma maneira muito mais espartana do que ela fazia no passado”, diz.

A fabricante mudou o modelo comercial de go-to-market para aumentar margens com a venda de telhas. Ao invés de vender por terceiros, ou seja, lojas de construção, ela adotou um modelo de venda própria.

“Com isso a empresa colocou mais margem para dentro, porque tirou o dinheiro realmente desse intermediário e o trouxe para dentro da marca. Lógico que a gente teve que colocar mais frete, mas eu acho que foi a grande jogada”, explica Paulo Roberto Andrade.

E a estratégia foi bem-recebida no mercado. Desde setembro de 2020, as ações da Eternit (ETER3) sobem 50%.

Dívida concursal da Eternit (ETER3) cai 73%

A Eternit “voltou a ser realmente rentável” graças às telhas.

Ao fim de 2019, a dívida concursal, ou seja, débito a credores inscritos na recuperação judicial, somava R$ 140 milhões. No retorno à lucratividade, essa dívida caiu para R$ 37 milhões, diminuição de 73%.

Do montante atual, a fabricante deve R$ 31,5 milhões ao BASA pelo empréstimo usado para levantar a fábrica de Manaus. “A dívida tem uma taxa super tranquila de prefixado de 7%”, assegura Andrade.

Questionado sobre o prazo, o CEO transmite segurança: “Temos de 5 a 8 anos para o pagamento. E nós não gostaríamos de adiantá-lo, porque não nos interessa. No modelo inicial do acordo de credores, pagamos praticamente todo mundo. Inclusive as dívidas trabalhistas.”

Em 5 anos, as ações ordinárias da Eternit (ETER3) sobem 226,83%, impulsionadas pela recuperação da companhia. Ainda bem, porque a reestruturação da empresa custou a Andrade horas de insônia, como ele mesmo brinca.

Em 2020, após um decreto do governo estatual de Goiás permitir a extração de crisotila para a exportação, a mina da SAMA, controlada pela Eternit, voltou a operar. “Tivemos a volta da geração de caixa da mina”, conta Andrade. Em janeiro desta ano, o STF aprovou uma decisão de primeira instância, atestando a retomada das atividades de exploração de amianto.

Eco do passado da Eternit e sua produção de amianto, a mina corresponde hoje por 47% do faturamento bruto anual. Nove em cada dez fibras de crisotila são exportadas para a Índia, informa uma apresentação institucional da companhia.

Mesmo assim, a Eternit tem planos de provisionamento para fechar a mina no futuro. Para este fim, Andrade afirma que a companhia provisionou R$ 8 milhões em caixa.

CEO atual não foi primeira opção

Paulo Roberto Andrade não foi a escolha imediata do conselho da Eternit para suceder Luiz Barbosa ao cargo. O antigo CEO, que conduziu a empresa por praticamente toda a recuperação judicial, renunciou em junho. Ele trocou de cadeira com Andrade.

“Minha vinda agora para o management era uma coisa que eu não pensava”, conta à Inteligência Financeira. “Mas houve uma decisão dentro do conselho que a gente deveria mudar o CEO. Por quê? Porque marcou uma mudança de ciclo. Não era necessariamente eu que iria sucedê-lo (Luiz Barbosa). A gente talvez buscasse alguém no mercado”, revela.

Andrade também contou quais as metas de seu mandato:

  1. Saída da recuperação judicial: “O processo de reestruturação da recuperação judicial, por mais que te dê uma proteção, te causa outros ônus. Não temos facilidade com linhas de crédito de bancos, não conseguimos alongar prazo de fornecedores. Não somos vistos no mercado realmente como um player confiável.”
  2. A mina de crisotila: “É sempre uma indefinição. E se não tiver a mina? Ou seja, ter um plano de próximos passos de longo prazo para daqui há dez, 15 ou 20 para a mina.
  3. Retomar volumes de vendas: “Nós nos preparamos para vender muito mais. A gente aumentou a nossa capacidade produtiva em dezenas de milhares de toneladas. Temos uma capacidade instalada próxima de 100 mil toneladas ao mês. Mas hoje estamos vendendo bem menos, na faixa de 50 a 70 mil toneladas.”

Eternit (ETER3) mira fábrica para telhas solares e Nordeste

As telhas solares da Eternit definem, para o CEO, a guinada de negócio da companhia. Até o momento, a fabricante já atende ao mercado a telha Tégula Solar (em que a energia é produzida a partir da radiação solar/luz solar), mas quer expandir o foco de seu segmento de renováveis apresentando a Eternit Solar: uma versão maior e capaz de alimentar fábricas, galpões e currais.

Para as telhas solares, a companhia já selecionou um mercado: o Nordeste. Ao final do quarto trimestre, a companhia deve completar a instalação de sua fábrica em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza. A planta conta com um gerador próprio abastecido por 2.160 telhas solares, gerando 41 MW (Megawatts)/mês. É uma solução que a Eternit pretende vender para outras empresas.

A Eternit investiu R$ 113 milhões somente na fábrica, dentro de um orçamento estimado em R$ 165 milhões.

“Temos no Nordeste ainda um potencial de substituição das telhas convencionais, em geral, muito maior do que na região Sul, onde é um mercado muito mais maduro. É um grande foco nosso”, aponta Paulo Andrade. “Ainda não há uma cultura dentro do Nordeste, especialmente em estados mais acima da região, como Ceará, Piauí e Maranhão, de usar o fibrocimento”, completa

Uma segunda fábrica está nos planos da empresa, diz o CEO da Eternit à Inteligência Financeira.

Precisamos construir uma fábrica de telhas fotovoltáicas.

Paulo Roberto Andrade, CEO da Eternit

“Hoje temos uma fábrica menor, um ‘piloto’. Ela produz uma quantidade muito pequena frente à demanda de mercado. Por enquanto, estamos fazendo vendas bem controladas da telha solar, porque ela ainda está em fase de testes. Então assim que tivermos todos os testes feitos e a certeza de que não teria um problema, pensamos em expandir. E aí sim, para uma linha de produção de gente grande.”

Eternit (ETER3) ‘não teria dificuldade’ em captar green bonds

Para o projeto sair do papel, a Eternit (ETER3) pretende recorrer, desta vez, ao mercado de capitais. Na última vez em que isso aconteceu, no turbilhão da recuperação judicial, a companhia foi “recompensada com a confiança do acionista”. Em 2020, a fabricante aumentou o capital em R$ 5,6 mi após um follow-on.

Três anos depois, Andrade vê espaço para a empresa buscar “capital verde” no mercado. “Olhamos os green bonds com muito bons olhos”, frisa.

“Somos uma empresa super responsável em termos ambientais. Não teríamos dificuldade nenhuma de conseguir realmente fontes de financiamento que sejam especializadas na parte verde, porque as nossas fábricas praticamente não têm afluentes, fazemos o reuso de água. E temos um produto que se encaixa perfeitamente nisso”, diz, se referindo às telhas solares.

Parte dos recursos juntados pela adesão aos títulos de dívida verde também seriam destinados à entrada da companhia na região Norte. Lá, Andrade também enxerga um “mercado em potencial”, contando que apenas uma concorrente da Eternit opera no Pará.

“Achamos que (a região) não é autossuficiente em telhas de fibrocimento. Nós mesmos vendemos entre três a quatro mil toneladas de telhas para o Norte, mas vindas da nossa fábrica de Goiânia.

Ter uma fábrica na região Norte é algo muito interessante, algo a ser olhado de maneira especial.”

Energia solar, fibrocimento e construção a seco

Para Paulo Roberto Andrade, o que define a ida da Eternit (ETER3) do amianto à energia renovável é a capacidade da companhia de “inovar”. Em 5 anos, apesar de metade da receita bruta ainda se originar da mina de criotila, a fabricante aposta na energia solar, fibrocimento e na construção a seco.

Um dos produtos preferidos do CEO da Eternit são as placas de sistema construtivo. Ou seja, são paredes e pisos prontos e pré-fabricados para o consumidor usar no imóvel.

Mais comum em países onde as casas pré-fabricadas já são viáveis, Andrade aposta neste modelo para colocar a Eternit pioneira no mercado.

“Esse produto (placas de sistema construtivo) responde por uma venda muito pequena, mas tem um potencial muito grande”, afirma.

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