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Americanas, Petrópolis, Light e Oi renovam dúvidas sobre a recuperação
Um número nada irrelevante de processos de recuperação judicial tem sido amplamente questionado por credores devido a supostos vícios e incoerências que extrapolam os benefícios da lei para além das companhias.
As empresas Americanas (AMER3), Oi, Light e Petrópolis ganharam os holofotes sob argumentos de excessos na interpretação da lei pelo Judiciário do Rio de Janeiro, enquanto OAS e PDG aparecem como potenciais casos de desvio patrimonial por meio da recuperação judicial.
“Temos notado um pacote de recorrência de fatos concentrados no Rio de Janeiro. Um modus operandi está se instalando”, afirmou um credor presente em todos esses processos de recuperação judicial. Segundo ele, o Estado começa a correr o risco de perder investidores.
Ajuste de regras
O professor e secretário-geral do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref), Daniel Carnio, diz que essa sequência de grandes casos de recuperação judicial é uma oportunidade para ajustar as regras e, por consequência, oferecer ao mercado parâmetros de risco econômico.
“É importante que essas questões de fato apareçam, para que o Poder Judiciário e a doutrina comecem a lapidar essas situações”, diz. Carnio afirma ainda que o direito é um “fenômeno social, sociológico, jurídico, econômico e, por fim, complexo” e sua leitura pode variar, especialmente durante crises, quando as empresas precisam de auxilio maior e a tendência é que se aplique a lei de forma mais flexível.
“Mas o que gera a insegurança jurídica é a ausência de regras e espero que o Poder Judiciário se manifeste de maneira ágil em relação a esses temas, seja dizendo que pode, não pode ou meio termo”, acrescenta.
Vale lembrar que a Lei da Recuperação Judicial, criada em 2005, embora bastante comemorada, foi revisada em 2021 para trazer mais ferramentas e adequar à realidade do mercado e das empresas.
“Os casos recentes têm causado o efeito contrário. Trazem insegurança, afetando o mercado e a economia”, diz a sócia do escritório TozziniFreire Flavia Cristina Andrade.
Ela afirma que a jurisprudência está aplicando excessivamente o princípio de tudo ser feito em prol da continuidade da empresa, apesar de já constar na lei a solução.
No caso da Americanas, onde uma suposta fraude de R$ 20 bilhões é investigada, credores reclamam que o plano proposto pela varejista cria gatilhos para blindar acionistas e administradores de ações futuras na Justiça por atos que eventualmente tenham cometido contra o patrimônio da empresa.
Os detentores de títulos emitidos no exterior por Americanas chegam a classificar o plano de “salvo-conduto para responsáveis por fraudes confessadas”. Esse compromisso é, de acordo com advogados consultados, ilegal.
Cautelar antecedente
Outro questionamento recorrente vem do uso da cautelar antecedente – um instrumento jurídico que funciona como uma trégua contra execuções de dívidas para dar tempo à empresa de preparar os documentos para uma ação. As reclamações são de que as empresas têm conseguido proteção superior à prevista na lei com o uso da cautelar antecedente de forma indevida ao sistema de recuperação judicial.
A varejista Americanas, o Grupo Petrópolis e a distribuidora de energia Light obtiveram proteção não só na execução de créditos, mas na suspensão de vencimentos antecipados, em compensações contratuais e na liberação de recebíveis, os quais não estão no arcabouço da lei. Essas são questões que tenderiam a ser tratadas no âmbito do processo de recuperação judicial.
No caso da Light, foram suspensos vencimentos de empresas controladas. “A discussão é se a cautelar antecedente é compatível ou não com o sistema da recuperação judicial”, diz Carnio. Isso porque, segundo os argumentos dos que a questionam, desequilibraria o princípio de equilíbrio dos ônus da recuperação judicial, protegendo os devedores sem contrapartida aos credores.
“O sistema da recuperação judicial é uma divisão equilibrada do ônus da recuperação em prol de um resultado social e econômico para todos”, acrescenta. Nesse ponto, a cautelar antecedente se misturou ao sistema pré-insolvência empresarial, que veio na reforma da lei de recuperação judicial de 2020. Carnio, que participou dessa reforma, diz que a ideia o sistema pré-insolvência é que a empresa inicie uma mediação em câmara privada ou pública com os credores e depois peça ao juiz a suspensão das execuções por 60 dias.
“O pressuposto do deferimento é já estar em andamento uma conciliação”, afirma. De acordo com ele, esse instrumento tem, na verdade, por objetivo evitar à recuperação judicial.
Light
No caso da Light, o que ainda mais chama atenção não só de credores, mas de advogados, é o fato de a empresa ter recorrido à recuperação judicial sendo uma concessionária, o que é vetado por lei. Para fazer uso do instrumento, os advogados da Light pediram a recuperação da holding – que não é vetada pela lei -, com extensão à Light Distribuidora e a Light Geradora.
“O endividamento estará em recuperação judicial e as concessionárias não estarão ferindo a lei, porque não estarão em recuperação, mas na recuperação judicial”, afirmou em conversa com o Broadcast, na ocasião da entrega do pedido à Justiça do Rio, o sócio do Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub Advogados, Luiz Roberto Ayoub, um dos escritórios que assessoram juridicamente à companhia.
Oi
A Oi e a sua segunda recuperação judicial, neste ano, também foram alvos de contestações. Os bancos credores argumentaram que a primeira recuperação não poderia ter sido encerrada porque ainda não havia transitado em julgado, contando com recursos pendentes.
A Oi refutou essa tese alegando que a sentença de encerramento do primeiro processo já havia sido expedido e porque os recursos em andamento não tinham efeito suspensivo. Outro argumento dos credores contra a Oi é que ainda não havia passado o prazo necessário para um novo pedido de recuperação.
Pela lei, são cinco anos, a se contar da homologação do plano junto aos credores. No caso da Oi, um primeiro plano foi homologado em 2018, mas houve um aditivo que alterou o original, em 2020. Na visão dos bancos, esse seria o ponto de largada para contagem do prazo – tese que a companhia de telecomunicações também rechaçou. Justiça, entretanto, admitiu a nova recuperação da Oi.
O juiz Fernanda Viana, da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, admitiu que um novo pedido de recuperação é algo raro, mas legalmente possível, e deu como exemplo o caso da Coesa Engenharia (a antiga empreiteira OAS). “A lei 11.101/2005 (Lei de Recuperações e Falências) não limita o número de pedidos de recuperação judicial, e, com isso, andou bem o legislador, pois crises econômica e financeira podem existir em várias ocasiões e por motivos diversos”, afirmou. Ministério Público do Rio de Janeiro também emitiu um parecer favorável ao deferimento a novo pedido de recuperação da Oi.
PDG e Coesa
As controvérsias jurídicas envolvem até mesmo casos de recuperação judicial já encerrados, como o da PDG Realty. Acionistas minoritários acusam executivos e assessores que lideram o processo de recuperação de terem tirado vantagem das suas posições para comprar dívidas da empresa “a preço de banana” e depois convertê-las em ações, obtendo um lucro milionário e assumindo o controle do grupo – o que a direção da empresa nega. A Coesa teve falência decretada após o Tribunal de Justiça de São Paulo entender que houve desvio de patrimônio.
A Coesa é fruto de uma reestruturação societária feita na OAS, a qual deu origem também a Metha. A OAS esteve em recuperação judicial entre 2015 e 2020 e a Coesa recorreu novamente ao instrumento em 2021. Vários créditos da primeira recuperação judicial foram inseridos no segundo processo. O juiz acatou o pedido de falência considerando que houve fraude societária, uma vez que os ativos de valor ficaram na Metha.
Com informações do Estadão Conteúdo
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