Análise: Acordo entre Eletrobras e União redefine governança e dissipa incertezas, mas mantém influência estatal
O recente acordo entre a Eletrobras e a União, que encerra a disputa judicial sobre a limitação do direito de voto dos acionistas, tem implicações relevantes para a governança da companhia, sua estratégia financeira e o setor elétrico como um todo. Ele também coloca nas mãos do governo um pouco mais de poder sobre a companhia e garante maior influência na definição de suas diretrizes estratégicas, mesmo sem o controle acionário.
A conciliação prevê que a União, apesar de deter 43% das ações da companhia, continuará sujeita ao limite de 10% do direito de voto, garantindo que a privatização da empresa permaneça conforme o modelo estabelecido pela Lei 14.182/2021.
Para a Eletrobras, a principal vantagem do acordo é a segurança jurídica e estabilidade, evitando a sombra de uma possível reestatização via controle acionário. Agentes do mercado reconheceram que isso tira uma incerteza grande.
Nos termos do acordo, a Eletrobras também se livra da âncora amarrada nos pés para investir na construção de Angra 3 estabelecida na privatização, um empreendimento de altíssimo custo, com décadas de atrasos, que foge do “core business” da companhia e gerava grande incerteza entre os acionistas.
Como contrapartida, a companhia vai subscrever debêntures conversíveis emitidas pela Eletronuclear, no valor de R$ 2,4 bilhões, exclusivamente para financiar a extensão da vida útil de Angra 1, sem a necessidade de o governo recorrer a recursos do Tesouro Nacional. Com isso, a usina poderá operar e gerar um fluxo de receita por mais 20 anos.
O acordo estabelece o papel da União na governança da Eletrobras, garantindo o direito de indicar três dos dez membros do conselho de administração e um dos cinco integrantes do conselho fiscal. Embora a lei de privatização não obrigasse a empresa a conceder assentos ao governo, o entendimento de que a União, apesar de deter 43% das ações, tivesse seu poder de voto restrito a apenas 10% gerava debates sobre a equidade dessa limitação.
Esse fato, inclusive, gerou indignação no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e motivou a Advocacia-Geral da União (AGU) a ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para questionar trechos da privatização da Eletrobras.
Mesmo sem maioria acionária, a União manterá uma influência relevante na empresa por meio do conselho de administração. Por outro lado, o acordo não resultou na saída da Eletrobras da Eletronuclear. Tanto o governo, por meio da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), quanto a Eletrobras seguem como parceiros na estatal responsável pela operação das usinas de Angra 1 e 2.
A situação da Eletronuclear permanece complexa: a companhia enfrenta despesas operacionais com pessoal, materiais, serviços de terceiros e outros (PMSO) acima dos limites regulatórios, gerando um déficit superior a R$ 1 bilhão sem cobertura tarifária.
A empresa já anunciou que vai adotar um plano de rígido plano de austeridade para economizar até R$ 500 milhões até o fim de 2026. As medidas incluem a implementação de um Plano de Demissão Voluntária (PDV/PDI), a redução de despesas operacionais com pessoal, material, serviços de terceiros e outros (PMSO), a cobrança de custos de manutenção das vilas residenciais, a transferência de empregados do Rio de Janeiro para Angra dos Reis (RJ) e a diminuição de cargos de chefia.
O BNDES e a Caixa Econômica são os financiadores de Angra 3, sendo Eletrobras e Tesouro Nacional os garantidores das operações de crédito. Por causa dos atrasos nas obras, a Eletronuclear tenta pagar o financiamento num cronograma maior. Se a Eletronuclear tiver uma previsibilidade financeira melhor, a possibilidade de Tesouro e Eletrobras serem chamados para honrar as dívidas reduz muito.
E mesmo que o Conselho Nacional de Política Energética decida avançar com a construção de Angra 3, cujo custo estimado é de R$ 25 bilhões, a Eletrobras não será mais impactada financeiramente. Os custos ficam exclusivamente com a União. O projeto poderia comprometer a criação de valor para a empresa, cenário que o recente acordo ajudou a evitar.
01/03/2025 09:32:29
*Com informações do Valor Econômico
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