Análise: No Carf, decisões antes favoráveis à Fazenda agora beneficiam empresas
Ágio interno é a mais surpreendente das alterações jurisprudenciais do Carf, diz Bárbara Mengardo, do JOTA
Há algum tempo vínhamos alertando sobre as importantes alterações jurisprudenciais em curso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A instituição do desempate pró-contribuinte somado à mudança na presidência e às alterações de composição no tribunal têm feito com que temas relevantes que antes eram decididos de forma favorável à Fazenda tenham desfecho benéfico às empresas no conselho.
A amortização do ágio na base de cálculo do IRPJ e da CSLL vem nesta esteira. A 1ª Turma da Câmara Superior – instância máxima do Carf – proferiu recentemente decisões anulando autuações que têm como base a utilização de empresas-veículo, além de ter derrubado multas qualificadas aplicadas contra contribuintes que se aproveitaram de ágio.
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No dia 14 de setembro a Câmara Superior deu um passo a mais, permitindo, de forma inédita, a amortização de ágio interno. O tema é visto como um dos mais polêmicos do Carf, e até mesmo conselheiros que representam os contribuintes são contrários ao aproveitamento nestes casos.
A amortização do ágio diz respeito à possibilidade de dedução, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, da diferença positiva, fundamentada na expectativa de rentabilidade futura, entre o valor efetivamente pago na aquisição de participação societária e seu valor nominal correspondente de patrimônio líquido.
Um exemplo seria a empresa que adquire outra, na certeza de que a companhia adquirida experimentará uma valorização em um futuro próximo. Assim, a empresa adquirente, durante a negociação, acaba por pagar um valor superior ao patrimônio líquido da companhia adquirida.
No ágio interno a operação que gerou o valor passível de amortização envolve empresas do mesmo grupo econômico. Isso faz com que o tema seja tão polêmico. Vozes contrárias à amortização nestes casos alegam que o ágio interno seria uma forma encontrada pelas companhias de artificialmente reduzir suas cargas tributárias.
O processo 11516.721632/2012-69, analisado pela Câmara Superior no dia 14, envolve a empresa A. Angeloni & CIA, que entre 2004 e 2006 realizou uma série de operações envolvendo holdings criadas por sócios da companhia. A advogada Ana Paula Lui, do escritório Mattos Filho Advogados, que defende a empresa, explica que a operação que gerou o ágio foi feita dentro de um contexto de sucessão familiar.
Na Câmara Superior do Carf, foi ganhadora a posição de que antes da Lei 12.973/2014 não havia vedação legal ao aproveitamento de ágio interno. A decisão foi tomada após a aplicação do desempate pró-contribuinte.
A Lei 12.973/2014 proibiu expressamente a amortização de ágio interno, e segundo Ana Paula Lui, acabou com todas as dúvidas sobre a regularidade deste tipo de operação. “Agora não tem mais discussão, o artigo 22 é bem claro. Mas há uma segurança jurídica ao contribuinte. Se até a [Lei] 12.973 não havia proibição e com a 12.973 veio a proibição significa que antes havia uma permissão [para a amortização de ágio interno]”, afirma.
No Carf, não é raro o julgamento de casos bilionários envolvendo ágio. Vale lembrar que o maior caso em tramitação no conselho, envolvendo a fusão do Itaú e do Unibanco, com valor superior a R$ 30 bilhões, tem como pano de fundo a amortização de ágio.
Ana Paula Lui, porém, salienta que, com as alterações jurisprudenciais, não é certo que os contribuintes sairão vitoriosos em todos os processos sobre ágio. Principalmente nos casos envolvendo empresas-veículo, a Câmara Superior tem analisado o tema caso a caso, para identificar se houve artificialidade nas operações.
“A princípio outros casos de ágio interno tendem a seguir o mesmo desfecho [na Câmara Superior], mas não todos os casos de ágio”, afirma a advogada.
Antes: artificialidade
O posicionamento favorável às empresas representa uma alteração na jurisprudência da Câmara Superior, que até então era desfavorável à amortização de ágio interno. O colegiado, porém, sofreu alterações recentes de composição, com a saída do conselheiro Caio Cesar Nader Quintella e a entrada do conselheiro Gustavo Fonseca.
Em 5 de dezembro de 2019, ao analisar o processo 10840.722571/2011-21, por exemplo, a maioria dos conselheiros da Câmara Superior entendeu que “a geração de ágio decorrente de operações societárias realizadas entre empresas de um mesmo grupo econômico (ágio interno) é reveladora da intenção do sujeito passivo em artificialmente reduzir ou evitar a incidência do IRPJ e da CSLL”.
Já em 4 de fevereiro de 2020 o colegiado considerou que “deve ser mantida a glosa da despesa de amortização de ágio que foi gerado internamente ao grupo econômico, sem qualquer dispêndio, e transferido à pessoa jurídica que foi incorporada”. A decisão consta no processo 10830.016637/2009-45.
O procurador da Fazenda Nacional Moisés de Sousa Carvalho Pereira salienta a influência do desempate pró-contribuinte e da alteração na composição na posição tomada pela Câmara Superior no dia 14. “Em nossa visão, a mudança se deve exclusivamente ao art. 19-E da Lei 10.522/02 [que trata do desempate pró-contribuinte no Carf]. Não houve modificação de entendimento dos conselheiros, mas mudança do resultado devido à composição atual da Câmara Superior de Recursos Fiscais”, diz.