Análise: O que Rial traz para a Americanas (AMER3) pode ser exatamente o que ela precisa

A troca na linha de frente da Americanas a partir de 2023, com a saída de Miguel Gutierrez e a entrada de Sergio Rial, que deixará a função de diretor-presidente do Santander no país, é a mais importante mudança no comando da empresa em décadas. Causa surpresa não só porque não estava no radar do mercado a hipótese de Rial ir para um cargo executivo em outro segmento no Brasil, mas especialmente pela sinalização que a Americanas passa agora.
“É uma ruptura para o que se tinha antes, em termos de perfil e modelo de liderança. De todas as mudanças que se esperava no ‘management’ deles, essa foi sem dúvida a mais inesperada e a melhor porque ele traz um pacote de ‘ativos’ que a Americanas claramente precisa”, diz um gestor.
“Rial é um nome de peso, um dos CEOs mais respeitados no país, ele tem uma capacidade de se relacionar em conselho deadministração, na relação ‘top to top’ com fornecedor, e é muito habilidoso nas relações internas e externas, sem contar oprovável ‘upside’ em serviços financeiros que está no DNA dele. Foi uma escolha excelente”, afirma outro sócio de gestora. “E ele vai ter o benefício da dúvida por um tempo porque entra em outro patamar”.
A expectativa de casas de análise e gestoras com o papel ON na carteira é de que a ação abra o pregão na segunda-feira em alta — a ação caiu 23% no último mês e 60% em seis meses, quando sentiu uma piora generalizada do humor dos investidores para ações ligadas a consumo e ao digital.
Em termos de liderança, se espera que Rial dê outra “cara” à gestão atual. “A Americanas tem questões culturais a resolver. Pode ser muito bom para promover uma mudança que eles precisam aí. Rial se relaciona bem internamente e com o mercado financeiro e trabalha melhor comunicação. Miguel era razoavelmente distante do mercado, talvez refletindo uma postura geral, e que até melhorou na empresa de uns três anos para cá. Mas isso é algo que Rial sabe e gosta de fazer. É mais aberto, comunicativo, algo que não é exatamente um grande ‘ativo’ da Americanas”, diz um analista de banco.
Gutierrez está na Americanas desde 1993, quando a empresa era uma varejista de departamentos só com foco em lojas e o Brasil vivia numa economia recém-aberta e inflação nas alturas. Tornou-se diretor em 1998, e ocupa o cargo de diretor superintendente desde 2001.
“Rial pode não entender de vender chocolate ou cama, mesa e banho. E é claro que loja para eles é mega relevante, e isso é muito um negócio de detalhe e que Miguel é fera. Miguel trouxe essa ideia de empresa de dono. Mas Rial ajudará a “oxigenar” mais o debate lá dentro”, diz um ex-executivo do grupo.
Obviamente, pesa ainda o fato de que Rial poderia dar outro ritmo a Ame, o braço de conta e serviços digitais do grupo, que avançou aceleradamente com Anna Saicali à frente, mas ainda precisa destravar mais valor dentro de uma integração de negócios melhor amarrada. O braço on-line (ex-B2W) e a Lojas Americanas anunciaram sua fusão há um ano e meio.
“Eles têm lojas pelo país todo, dezenas de centros de distribuição, ecommerce com bom tráfego, a Ame digital, mas falta orquestrar isso tudo, um ‘approach’ maior de valor na percepção do consumidor. E acelerar isso tudo junto, algo que ainda não está acontecendo porque a empresa mudou muito, passou por períodos complicados, e tem que virar de uma vez o‘chip’”, diz uma fonte a par da empresa.
Na leitura do mercado, pelo comunicado oficial da empresa, com Rial a empresa olhará mais rentabilidade, mas não vai colocar crescimento em segundo plano, num momento em que o setor discute estratégias que se dividem em crescer mais ou dar maiores margens. De janeiro a junho, a margem bruta da Americanas cresceu 0,4 ponto, para 30,9%, e a empresa até vem crescendo mais que seus concorrentes diretos, mas de forma mais recente, e após alguns altos e baixos nos últimos anos.
Por trás desse movimento, outra discussão retorna em relação a empresa, envolvendo a possibilidade de a Americanas dar um passo maior com Rial no médio e longo prazos.
Quando a operação on-line foi criada (com a marca B2W), em 2006, a ideia era montar uma empresa com força digital na América Latina (o “w” é de “world”, mundo em inglês). As coisas não avançaram como se esperava, mas há executivos do setor que não acreditam que esse plano morreu. A empresa tem a opção de fazer uma listagem do negócio no mercado americano, após uma reestruturação societária no ano passado.
As expectativas sobre a empresa tendem a subir de patamar daqui para frente. “Acionistas sentiram que a Americanas tinha ficado para trás comparado a outros competidores e colocavam parte dessa conta do management. Só que tem que lembrar, para quem entra, que o desafio continua o mesmo, entregar crescimento, de uma maneira que prejudique menos o balanço. Nesse ponto, o on-line peca há anos”, diz um analista de banco estrangeiro.
A troca também surpreendeu porque a entrada de Rial num cargo executivo numa outra empresa brasileira estava fora doradar — a expectativa é que ele ocupasse um cargo em “board” global ou numa liderança em outra empresa de peso mundial. “Não era um ‘move’ que a gente esperava. Pelo que havia entendido dele, é que ele estava focado em ir para conselhos e até toparia um cargo executivo, mas em companhias mais globais”, diz uma fonte de outro banco.
Também é sabido que não é do perfil da Americanas buscar no mercado lideranças para funções mais estratégicas de seu altoescalão, o que acabou também chamando atenção pelo ineditismo. “Parece até bom demais para ser verdade”, resume uma gestora.
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