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Em ano difícil para ações, alguns gestores colhem bons resultados
Num ano em que o vaivém da bolsa tem sido o nome do jogo, salvam-se no azul poucas carteiras recomendadas pelas áreas de pesquisa de bancos e corretoras. Em meio à alta da Selic para 13,75% ao ano e dúvidas sobre como será o equacionamento fiscal no novo governo em 2023, o mote da renda fixa prevalece. Mas é justamente num momento em que os preços das ações estão no chão que é possível compor retornos expressivos à frente.
Com uma projeção de 130 mil pontos para o Ibovespa em 2023, a bolsa brasileira negocia com um preço/lucro (P/L, que dá uma ideia do prazo de retorno do investimentos) de oito vezes, com um desconto de 20% em relação à média dos últimos cinco anos, calcula Cauê Pinheiro, estrategista de ações do Safra. Até o dia 16, a instituição liderava com larga vantagem o desempenho das corretoras que participam da Carteira Valor, com ganhos de quase 28% no ano para os cinco papéis selecionados, enquanto o índice perdia 5,4%.
“Há uma valorização potencial interessante, a bolsa está muito barata, já desconta o cenário de juros altos que tem pela frente. A inflação ainda está alta, mas com tendência de melhora”, afirma. “O preço baixo está dando oportunidade para o investidor que tem foco no médio e longo prazo.”
Ao longo de 2022, o bom desempenho veio principalmente de empresas ligadas à cadeia de commodities e de casos de valor, que negociavam a múltiplos mais baixos, privilegiando as de melhor liquidez. “Foi uma postura mais defensiva num cenário de aumento de juros. Nesses momentos, empresas de crescimento potencial mais alto acabam sendo mais afetadas”, diz Pinheiro. “A opção foi ficar mais defensivo e tem funcionado.”
Essa mentalidade prevalece nessa virada para 2023. Ele diz que é cedo para fazer uma inversão em direção a empresas de crescimento e é melhor priorizar aquelas que entregam resultados. O especialista considera, contudo, que haverá espaço para o Banco Central (BC) virar a mão da política monetária em algum momento do ano que vem. Quando as taxas futuras embicarem para baixo, será a senha para apimentar as carteiras.
Por enquanto, o time de pesquisa do Safra usa como parâmetro para o cálculo de preço justo das ações uma taxa de desconto de 13,5%. Significa que se o juro básico da economia cair 0,5 ponto percentual, as projeções para o conjunto de ações do Ibovespa aumenta.
O setor financeiro é uma das preferências do time de pesquisa do Safra, com Itaú Unibanco como principal representante, pela avaliação de que tem resultados melhores que a média do setor e uma carteira de crédito de perfil mais defensivo. Pinheiro diz gostar também da Porto Seguro, que está próxima de uma virada de resultados porque tem conseguido repassar a alta de preços às apólices de seguros vendidas.
Em saúde, uma das escolha é Hypera, companhia que o estrategista vê boas perspectivas de crescimento no médio e longo prazo por conta do envelhecimento da população, com o fim do bônus demográfico. “No curto prazo é uma marca forte, resiliente, com boa capacidade de balanço para aumentar investimentos”, analisa o estrategista.
Pinheiro conta que a corretora chegou a indicar estatais, com Banco do Brasil e Petrobras, mas saiu desse risco antes das eleições. Em commodities, o papel que está na carteira agora é PetroRio, um “player” independente de exploração de petróleo, cujo foco está em maximizar o retorno dos campos que detém. A companhia se beneficia dos preços altos do petróleo e contabiliza um bom histórico de aquisições, descreve Pinheiro. Na carteira de recomendações “Top 10” que distribui aos clientes, o Safra ainda traz Vale, Rumo, CPFL, Iguatemi, Hypera e Assaí.
O conservadorismo também pautou as indicações da Guide Investimentos para a Carteira Valor ao longo de 2022, com ganhos de quase 7% no ano, até o dia 16. Banco do Brasil foi um dos papéis que renderam bons resultados, mas a decisão foi sair quando a temperatura política aumentou, diz Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da corretora. A escolha foi ficar em ações mais defensivas, descartando posições em companhias endividadas, com margem baixa, que tendem a sofrer mais num ambiente de alta de juros. Entre os nomes considerados de melhor qualidade estiveram Weg, Ambev, Hypermarcas e Assaí.
Apesar do ruído com a transição de governo, Siqueira considera que 2023 tende a ser um bom ano para a bolsa porque o ciclo de aumento de juros no Brasil parece ter terminado e nos Estados Unidos o Federal Reserve está mais próximo disso. “Só de parar [de subir as taxas] já daria um refresco. A gente viveu, no Brasil e no mundo, nos últimos 12 meses um ambiente de inflação e juros reduzindo o ritmo de crescimento, e 2023 tende a ser o começo de uma fase mais positiva do ciclo”, diz Siqueira. “Há uma chance de aceleração no fim do ano [lá fora] e aqui vai ser mais adiantado.”
Sua ideia é aproveitar alguns papéis que caíram demais com o movimento generalizado de vendas recente. Ele cita setores como educação e locação de veículos, mantendo, contudo, a ênfase em empresas de qualidade. “Como o preço de tudo ficou muito baixo, dá para esperar um retorno elevado se o mercado se normalizar, com companhias com margem alta e dívida baixa”, afirma.
Itaú, Multiplan, Weg, Localiza e Arezzo são algumas posições que o estrategista da Guide considera promissoras. “Tem tanto potencial de alta em nomes bons que não precisa correr grandes riscos neste começo de 2023”, diz Siqueira. “À medida que o governo assumir e se concretizar alguma responsabilidade fiscal, o BC vai ter espaço para reduzir juros no meio do ano.”
Para o Ibovespa, a casa ainda mantém o alvo de 150 mil pontos que tinha antes das eleições, num cenário de “Lula paz e amor”, mas decidiu não mudar no calor da transição.
Fora da Carteira Valor, o BTG Pactual exibia um retorno de 20,5% para o seu portfólio “top 10” que distribui aos seus clientes, até novembro, perdendo um pouco dessa gordura (-7%) em dezembro, até o dia 16. Num período de menor visibilidade com a política econômica do novo governo, faz sentido diversificar mais o portfólio, diz Carlos Sequeira, chefe da divisão de pesquisa da instituição. “Temos buscado temas que não têm correlação direta com a performance da economia brasileira”, afirma.
A reabertura da China, com políticas menos restritivas de circulação da população por causa da covid-19, é uma das frentes que pretende explorar, descreve o executivo. Vale é uma das representantes dessa estratégia por causa da demanda por materiais básicos e que de quebra adiciona a expectativa de um dólar um pouco mais forte em relação ao real. PetroRio passou a integrar o portfólio em dezembro também pela volta do consumo chinês e pela avaliação de que os Estados Unidos podem diminuir ou até parar de usar as suas reservas estratégicas.
Sequeira também espera um ciclo positivo para a carne brasileira e a escolha foi o frigorífico Minerva, que surfa tando na demanda interna quanto no exterior, com menor correlação com a economia doméstica.
Com a leitura de que os juros podem permanecer altos por mais tempo, o time de pesquisa do BTG aumentou a exposição a serviços financeiros. Já tinha Itaú e adicionou BB Seguridade, pela natureza do negócio de coletar prêmios e aplicar as reservas em produtos ligados ao CDI, diz Sequeira. No varejo, a escolha é “aquele do dia a dia”, menos discricionário, com Assaí no ramo de alimentos e Raia Drogasil no comércio de medicamentos.
Uma tese que considera frutífera para 2023 é a da construção voltada para a baixa renda, com a construtora Cury na carteira de “small caps”, como uma das potenciais beneficiárias da remodelação do programa de moradia popular pelo governo Lula.
Dentre as concessionárias de serviços públicos, o BTG já tinha indicação para Eletrobrás antes mesmo da privatização e agora incluiu Equatorial Energia.
Durante o ano, Sequeira diz que mudou muito a direção da carteira. Abriu 2022 muito exposto a commodities, depois capturou retornos com as estatais Petrobras e Banco do Brasil, que funcionaram bem até a véspera da eleição. O setor doméstico passou a ter mais representatividade no meio do ano, sob a avaliação de que a atividade econômica reagiria, com nomes sensíveis a juros no portfólio.
Em seus exercícios de cenários, considerando dados macroeconômicos como inflação, juro real e crescimento, a seguir a toada atual, o Ibovespa poderia até cair abaixo da casa dos 102 mil pontos que fechou na sexta-feira – ontem o índice marcou 104.739 pontos. Num ambiente de relativa melhora dos indicadores, o índice poderia ficar em 112 mil pontos e, na melhor das hipóteses, em 130 mil pontos.
Sequeira avalia que o capital externo “quer gostar de Brasil”, porque a economia local é considerada relativamente boa, longe de problemas geopolíticos e com “valuations” muito baratos na B3, “mais de dois desvios padrão abaixo da média histórica”. Quando se retira Petrobras e Vale da amostra, o preço é comparável ao de 2009, e com a inclusão das companhias volta a níveis de 2005. “Isso chama a atenção do investidor estrangeiro. A bolsa só não está recebendo mais fluxo porque tem muita incerteza, todo mundo está esperando o novo governo começar.”
Por Adriana Cotias
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