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Carta de acionistas da Americanas aumenta irritação de bancos
Na nota em que afirmaram desconhecer o rombo de R$ 20 bilhões na Americanas, os acionistas de referência da varejista — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira — alegaram que a auditoria PwC checava as informações contábeis com os credores, mas ninguém jamais denunciou irregularidades. O argumento aumentou a irritação dos bancos com o trio, e alguns veem “desespero” na estratégia.
O que incomodou os bancos, segundo fontes do setor ouvidas pelo Valor, é que ficou parecendo na nota que as instituições financeiras são corresponsáveis pela elaboração das demonstrações financeiras da Americanas e/ou poderiam ter descoberto as inconsistências que vieram à tona agora.
“Contávamos com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC. Ela, por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade”, afirma a nota dos acionistas.
O que são as cartas de circularização?
As cartas de circularização são um instrumento por meio do qual a auditoria faz contato com terceiros, que são fontes de informações externas à companhia auditada, para que confirmem ou não a ocorrência de fatos contábeis. Como os bancos têm relação financeira com quase todas empresas, eles são os principais destinatários dessas cartas, mas não os únicos.
O uso das cartas de circularização é muito comum, ocorre rotineiramente, e não é nenhum indício de que a auditoria vê algum sinal de problema com uma empresa ou operação específica. Se há alguma divergência entre o informado pela empresa e o respondido por um destinatário dessas cartas, as auditorias podem solicitar mais informação e tentar entender a discrepância.
A questão é que a cartas de circularização não são a fonte original da informação e sim uma validação de um dado informado pela empresa.
Na visão dos credores, o argumento do trio é fraco juridicamente e, do ponto de vista contábil, não faz sentido. “Essas cartas são um procedimento confirmatório. A companhia não precisa da carta de circularização para saber a quem ela deve”, comenta o executivo de um banco.
Risco sacado
A origem do problema relatado pela Americanas está na forma como a varejista contabiliza o chamado risco sacado. Quando ele é feito diretamente entre os fornecedores e o banco, sem alteração das condições como prazo e juros, a empresa meramente notifica o banco. Entretanto, quando ele é feito diretamente pela empresa, renegociando alguns termos, é considerado dívida financeira. No primeiro caso, por exemplo, se na carta de circularização a auditoria perguntasse ao banco quais são as dívidas da empresa com ele, a resposta não incluiria esse risco sacado feito com os fornecedores.
Outro executivo do setor também considera fraco o argumento das cartas de circularização. Ele aponta, porém, que nos dados do Banco Central que consideram os riscos bancários totais de uma companhia, os volumes de risco sacado aparecem, sejam com fornecedores ou diretamente com a empresa. “Alguém poderia ter olhado o endividamento bancário da Americanas, ainda que só apareça o número total, sem detalhamento, e visto que ele não bate com o que está registrado no balanço da companhia”, diz.
Bancos credores
A maioria dos bancos credores não respondeu aos pedidos de comentário até o momento de publicação desta nota. O Itaú enviou um posicionamento afirmando que a elaboração e aprovação das demonstrações financeiras que espelhem a realidade da companhia são responsabilidade única e exclusiva da administração da empresa, incluindo sua diretoria e seu conselho, e sem nenhuma influência dos bancos ou outros credores.
“As cartas de circularização são apenas um instrumento, dentre muitos, que apoiam a auditoria no trabalho de verificação das informações fornecidas pela administração, e foram respondidas conforme as melhores práticas de mercado”, afirmou o banco.
O Itaú disse ainda que os saldos das operações também sempre foram reportados no Sistema Central de Risco, mantido pelo Banco Central. “Dessa forma, é leviana a tentativa de atribuir aos bancos qualquer responsabilidade sobre as práticas contábeis irregulares da empresa.”
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