Guerra de chips: China domina mercado com preços baixos e desafia gigantes do setor

A agressiva expansão chinesa no setor de semicondutores está causando um “choque chinês”, reduzindo drasticamente os preços e ameaçando gigantes globais como a Wolfspeed. A China já detém expressiva fatia do mercado de chips maduros e avança em semicondutores de alta tecnologia.

Um “choque chinês” se aproxima para a indústria de chips, uma vez que a expansão agressiva do país no segmento de semicondutores mais antigos e de substratos de nicho está reduzindo os preços a níveis antes impensáveis.

Marco, um diretor de vendas de uma fabricante alemã de equipamentos para a produção de chips na Ásia, já vivenciou esse choque quando viu o preço cobrado por fornecedores chineses de pastilhas de carboneto de silício (SiC).

“Há apenas dois anos, uma pastilha de SiC de 6 polegadas da líder global Wolfspeed custava US$ 1,5 mil, mas os preços dos fornecedores chineses agora podem chegar a US$ 500 ou menos,” disse Marco, que pediu para não usar seu nome real em razão da natureza sensível do assunto.

“Era difícil imaginar como isso poderia funcionar.”

Os substratos de SiC são críticos para fabricação de semicondutores de alta voltagem usados no setor aeroespacial, em veículos elétricos, turbinas e data centers.

Além da rapidez, preço baixo surpreende

Além do preço, Marco disse que também está surpreso com a rapidez com que esses fornecedores chineses surgiram e com a agressividade deles para obter participação no mercado de tecnologia.

A rápida ascensão é resultado da intensificação dos esforços da China para construir uma cadeia de abastecimento interna em áreas ainda não atingidas pelas restrições às exportações impostas pelos EUA.

Especialmente semicondutores compostos como o SiC e chips menos avançados ainda indispensáveis, usados em uma série de aplicações.

A Guangzhou Summit Crystal Semiconductor vende substratos de SiC de 6 polegadas por apenas US$ 500, enquanto a TankeBlue, uma importante fornecedora da Infineon Technologies, vende o produto por cerca de US$ 800 a unidade, segundo vários executivos do setor.

E essas são apenas duas das dezenas de pequenas empresas chinesas que agora competem nesse segmento.

Concorrência sofre com ‘invasão chinesa’

A Wolfspeed era a líder indiscutível do mercado de pastilhas de SiC há três anos, quando começou a sentir a intensificação da concorrência chinesa.

Em fevereiro, as ações da Wolfspeed eram negociadas a menos de US$ 6, uma queda de mais de 96% em relação ao pico atingido em 2021, quando o mundo enfrentou uma escassez sem precedentes de chips.

O CEO Greg Lowe, que liderou a companhia por sete anos, saiu no ano passado em meio à deterioração do desempenho financeiro da empresa.

Outras fabricantes de pastilhas de SiC, como a Rohm do Japão, relatam grandes perdas desde a metade de 2024.

Subsídio estatal para alavancar ganhos de mercado

As pastilhas de carboneto de silício são um excelente exemplo de como a China aproveita subsídios estatais para capturar rapidamente participação de mercado e desafiar os líderes do setor em componentes eletrônicos essenciais.

Como a maioria dos equipamentos de produção desses semicondutores estão fora do alcance dos controles às exportações, a China tem avançado rápido, com compromissos de financiamento para chips de 688 bilhões de yuans (US$ 95 bilhões) desde 2014.

“Há uma guerra de preços implacável para o SiC. A China não só tem SiCs mais do que suficientes, como também criou um ecossistema completo e autossuficiente para equipamentos e materiais”, diz um executivo de uma fabricante taiwanesa de equipamentos para chips compostos.

“Eles não precisam de empresas como a Applied Material para ajudá-los a fabricar semicondutores.”

Expansão em semicondutores ‘maduros’

Outra preocupação para o setor é a expansão da China nos semicondutores “maduros” — tecnologias de 28 nanômetros ou mais antigas — usados em tudo, desde telefones e eletrodomésticos até carros e equipamentos de defesa.

A capacidade de produção de chips maduros da China deverá representar cerca de 28% do mercado mundial até o fim deste ano, segundo estimativas da IDC.

A associação setorial Semi diz que a participação chinesa poderá aumentar para 39% até 2027.

A indústria de semicondutores precisa se preparar para o mesmo tipo de “choque chinês” experimentado pelo setor de energia solar, segundo Charles Shi, analista de chips da gestora Needham.

“Já estamos vendo alguns sinais iniciais do choque da China”, diz Shi.

“Conforme a China coloca novas fábricas em operação nos próximos anos, isso se tornará mais visível e criará um maior senso de urgência para as autoridades dos EUA, Europa e Japão, as três regiões que têm uma força histórica em semicondutores analógicos automotivos e industriais, que dependem de nós maduros.”

Galen Zeng, analista de semicondutores da IDC, alerta para um excesso de oferta.

“Já há um excesso de oferta em vários tipos de chips maduros e a economia da China ainda não se recuperou totalmente”, diz ele.

“A expansão da capacidade da China está apenas desacelerando um pouco e acreditamos que as companhias chinesas aumentarão a produção de forma mais agressiva do que seus concorrentes globais nos próximos anos, impulsionadas pela pressão para produção local.”

SMIC: um caso exemplar da ‘invasão chinesa’

A Semiconductor Manufacturing International Corp (SMIC) é emblemática da crescente competitividade da China nos chips maduros.

A receita da companhia atingiu o recorde de mais de US$ 8 bilhões em 2024, graças a uma rápida mudança para a produção local de chips, segundo o CEO adjunto, Zhao Haijun.

Isso é mais que o dobro do número de 2018, antes do começo da guerra dos chips entre EUA e China.

A SMIC é hoje a terceira maior fabricante de chips sob contrato do mundo, só atrás da Taiwan Semiconductor Manufacturing Co (TSMC) e da Samsung Electronics.

E seu valor de mercado já supera várias empresas europeias, americanas e taiwanesas.

Seus investimentos anuais saltaram para mais de US$ 7 bilhões nos últimos dois anos, ante US$ 1,8 bilhão em 2018, além de construir novas fábricas em Xangai, Pequim e Shenzhen.

Zhao diz que sua empresa passou da fase de “validação” para a de “produção em volume” de semicondutores de grau automotivo, que exigem uma maior durabilidade do que os chips eletrônicos de produtos de consumo.

“Em termos de alguns chips maduros para sensores, microcontroladores e chips controladores de displays, a SMIC da China tem preços e serviços muito competitivos”, diz um executivo de uma desenvolvedora de chips que é cliente da TSMC e também da SMIC.

“Na TSMC, todas as melhores equipes estão voltadas para apoiar os clientes de chips de ponta, mas na SMIC você pode contar com as melhores equipes apoiando seus produtos de chips maduros.”

A SMIC não está se beneficiando apenas da demanda de clientes chineses por produção local, segundo Scott Huang, presidente da provedora de soluções de teste para chips CHPT.

“Agora é possível ver que até alguns fabricantes estrangeiros de chips que atendem ao mercado chinês estão recorrendo aos fabricantes de chips chineses, porque é mais barato do que fazê-los internamente.”

Excesso de capacidade de produção já preocupa

Mas nem mesmo a SMIC está imune à grande preocupação do setor: o excesso de capacidade de produção.

Para agravar a situação, há uma onda de empresas chinesas de eletrônicos e automóveis entrando no mercado de fabricação de chips.

Gree Electric Appliances, Guangzhou Automobile Group, China FAW Group, Oppo, Meituan e ZTE estão adquirindo participações em novas fabricantes nacionais de chips apoiadas por governos locais, incluindo os de Chongqing, Xangai, Shenzhen, Guangzhou, Qingdao e Ningbo.

Esses governos são fortes apoiadores de fabricantes de chips pouco conhecidos como XLMEC, Shanghai Dingtai Jiangxin Technology, Runpeng Semiconductor Shenzhen e WY Semi, que estão trabalhando em chips maduros para dispositivos inteligentes.

A montadora BYD está construindo suas próprias unidades de produção de chips usados em veículos e produtos eletrônicos de consumo, além de ter assumido fábricas de empresas que quebraram.

A Huawei, com forte apoio do governo local de Shenzhen e outros, está por trás de fabricantes de chips como PengXinWei, Swaysure Technology e SiEn (Qingdao) Integrated Circuits.

Zhao, CEO adjunto da SMIC, diz esperar uma concorrência mais forte a partir do segundo semestre deste ano, à medida que novos concorrentes começam a aumentar a capacidade de produção, apesar das perspectivas incertas.

“A tendência dos preços não está clara para o segundo semestre, mas eles não vão subir”, afirma Zhao.

Setor passa por uma encruzilhada que também é política

Os chips maduros também se tornaram uma questão política.

Nos últimos dias do governo de Joe Biden, os EUA pela primeira vez iniciaram uma investigação sobre os chips menos avançados e os semicondutores compostos da China.

Washington reconheceu que tem poucas informações sobre o fluxo desses chips e quantos dispositivos vendidos nos EUA usam chips maduros chineses.

O objetivo é eliminar gradualmente o uso de qualquer semicondutor chinês de projetos do governo até 2027.

Embora os controles às exportações impostos pelos EUA tenham restringido os avanços da China em chips de ponta, eles aceleraram o desenvolvimento do país em componentes e chips menos avançados, mas ainda assim vitais.

‘O Grande Fundo’

A China lançou a terceira etapa de seu Fundo de Investimento na Indústria de Circuitos Integrados da China — conhecido como “o Grande Fundo” — em 2024 para estimular ainda mais sua indústria de chips.

Incluindo os segmentos de materiais e equipamentos, diante das crescentes restrições comerciais dos EUA.

Incluindo as duas primeiras etapas, de 2014 e 2019, o valor total do fundo soma cerca de 688 bilhões de yuans.

O 14 plano quinquenal do país, anunciado em 2021, além de promover o SiC e o nitreto de gálio (GaN), inclui medidas para aprimorar as tecnologias de chips maduros e memória da China, gerando preocupações de excesso global de oferta nesses segmentos.

O apoio à produção de chips de 28 nanômetros e seu ecossistema relacionado aumentou principalmente depois que a SMIC foi colocada em uma lista proibida dos EUA no fim de 2020.

As medidas incluem uma isenção de dez anos no imposto de renda para os fabricantes de chips qualificados, e deduções fiscais em despesas com pesquisa e desenvolvimento.

Pequim também delineou planos para construir laboratórios nacionais, projetos científicos e programas educacionais nos campos de inteligência artificial (IA), computação quântica, semicondutores e componentes críticos.

“Quando os governos começam a se envolver, os critérios de sucesso também mudam”, diz Andy Tsay, professor de negócios da Universidade de Santa Clara.

“O dinheiro que está sendo investido é mais do que apenas um gasto empresarial, e a China também está fazendo isso. Eles estão tentando fortalecer sua indústria nacional.”

Esforço chinês dá resultado, mas o desejo é de mais rapidez

Os esforços estão dando resultado, embora não tão rapidamente quanto Pequim espera.

A participação da China em chips produzidos localmente aumentou de cerca de 15% antes da pandemia de covid-19 para mais de 20% em 2024, segundo dados da TechInsights, deixando o país longe da autossuficiência.

Mesmo com a taxa anual de crescimento da produção projetada de 12,3% entre 2023 e 2028, os chips de fabricação local responderão por apenas 26% do mercado total.

“É basicamente impossível para a China dar passos significativos para se tornar autossuficiente em suas necessidades de circuitos integrados — tanto de memória quanto de não memória — nos próximos cinco anos e provavelmente nem mesmo nos próximos dez anos”, diz Brian Matas, analista de mercado da TechInsights.

Impacto provocado pela ação chinesa já se faz sentir

Mas o mercado já está sendo impactado pela iniciativa da China de produzir localmente.

Doris Hsu, presidente do conselho de administração da GlobalWafers, a terceira maior fornecedora mundial de materiais básicos para a produção de chips de computador, diz que a desaceleração da demanda por veículos elétricos e o aumento da competição chinesa tornou o mercado de SiC muito desafiador.

“A concorrência interna na China é muito intensa. Há muitas empresas chinesas expandindo rapidamente suas capacidades… e como resultado, é possível comprar carboneto de silício facilmente em qualquer lugar”, disse Hsu.

Com a queda dos preços, o aumento da oferta e a demanda fraca, “no fim, fica muito difícil para todos terem uma lucratividade adequada”, acrescentou ela. (Tradução de Mario Zamarian)

*Com informações do Valor Econômico

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