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Colegiado da CVM muda entendimento sobre conflito de interesses
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) começou a julgar dois processos que analisam conflitos de interesses de controladores e, apesar de ainda não terem resultado, o atual colegiado mudou seu entendimento sobre o assunto. Foram dois casos relatados pelo diretor Alexandre Rangel — um ligado à Saraiva e outro à Springer, que não possuem relação entre si. A diretora Flávia Perlingeiro pediu vista e os julgamentos foram suspensos, mas formou-se maioria sobre o assunto.
O conflito de interesses está previsto no artigo 115 da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404). Até então, a interpretação do artigo que prevalecia na CVM, reforçada por parecer de orientação do regulador, era a de que, em situações de potencial conflito de interesse, o acionista de companhia aberta está previamente impedido de votar na assembleia que tratar do assunto, quadro conhecido como “conflito formal”. Já sob a interpretação do “conflito material” (ou substancial), o controlador ou qualquer outro acionista poderá votar, desde que de boa fé e na certeza de que a operação não o privilegia. O voto será anulável se for comprovado favorecimento.
Nos dois casos, o voto de Rangel foi acompanhado pelo diretor Otto Lobo e pelo presidente da CVM, João Pedro Nascimento. O diretor João Accioly preferiu fazer sua manifestação na retomada do julgamento, o que depende da análise de Perlingeiro.
Na Saraiva, a análise envolveu se houve abuso de direito de voto de Jorge Eduardo Saraiva na aprovação da capitalização do adiantamento para futuro aumento de capital que o executivo detinha contra a companhia. Como acionista controlador, foi acusado de violação ao artigo por ter votado pela aprovação do tema, em assembleia de 2019. E como conselheiro da empresa, foi responsabilizado pela acusação de violação ao artigo 156 da lei, ao votar em reunião do conselho de administração, que aprovou tema em que possuía interesse conflitante com o da companhia.
Sob a tese do conflito material, o voto do diretor afirma que conflitos de interesses podem ser esperados entre o acionista e a companhia. “Proibir o exercício do direito de voto sem analisar a essência dos interesses envolvidos e da extensão do conflito existente conduziria à inusitada situação de que nenhum voto poderia ser proferido”, defendeu. Ainda segundo o relator, tanto em caso de perdas quanto de resultados positivos alcançados pelas empresas, o controlador será o principal afetado.
“Ninguém se encontra em melhor posição e mais comprometido com a companhia do que o próprio detentor da maioria das ações para avaliar e deliberar sobre assuntos de interesse da companhia”, afirmou. No caso da Saraiva, o entendimento do diretor foi de que votos foram de acordo com o interesse da companhia, para cumprir o plano de recuperação judicial. O voto foi pela absolvição.
O presidente da CVM, João Pedro Nascimento, disse que o caso é paradigmático e que a controvérsia entre os conflitos “material” e “formal” é antiga, com algumas alterações do entendimento da autarquia ao longo dos anos. Ele mesmo defende o conflito substancial desde 2004, em trabalhos acadêmicos. De toda forma, ressalvou que é necessária uma análise cuidadosa dos atos de conflito de interesse. Nascimento também afirmou que há hipóteses em que é recomendada a abstenção de voto de controladores ou acionistas. No caso da Saraiva, uma eventual abstenção, por exemplo, teria evitado uma acusação. Mesmo sem o voto do controlador, as matérias teriam sido aprovadas na assembleia. Segundo o presidente da autoridade do mercado de capitais, quando o julgamento for concluído, a CVM vai trabalhar em um posicionamento institucional sobre o assunto.
Já na Springer, o entendimento do relator foi diferente, mas a análise se manteve sob a ótica do conflito material. Acusado por conflito de interesses ao votar em assembleia sobre a venda de uma empresa, o voto de Rangel apontou uma inabilitação temporária de 69 meses ao executivo. Já para a Afam, acionista da Springer, o diretor sugeriu uma multa de R$ 9,2 milhões.
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