Investimento em bolsa de valores só compensa em longo prazo (day trade não funciona, desculpem-me pela má notícia)
Existem diversas estratégias de investimento em renda variável, mas diversas pesquisas científicas demonstram que apenas as de longo prazo funcionam de forma satisfatória e há uma boa explicação para estas evidências
Você já sonhou em largar seu emprego e trabalhar em casa, vivendo de day trade de ações? Parece simples e fácil, basta ficar na frente do computador acompanhando o mercado, sendo rápido em comprar ações na baixa e esperto o suficiente para vender na alta. Infelizmente diversas pesquisas científicas trazem fortes evidências que esse sonho quase sempre se torna um grande pesadelo.
Em pesquisa realizada pelos pesquisadores da FGV Fernando Chague e Bruno Giovannetti sobre day trade no Brasil, por exemplo, os autores ao pesquisar uma grande base de investidores nesta modalidade descobriram que 97% deles perdem dinheiro enquanto apenas 0,4% conseguem ganhos consistentes por mais de 1 ano. Em outras palavras é muito pouco provável, estatisticamente, que você consiga obter uma renda consistente com a bolsa em curto prazo.
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Só existem três formas de ganhar dinheiro no mercado
Para ilustrar o motivo de ser tão difícil ganhar dinheiro com renda variável em curto prazo, no filme “Margin Call – o dia antes do fim”, o personagem do ator Jeremy Irons faz um comentário genial sobre o mercado financeiro, dizendo que só existem três formas de ganhar dinheiro no mercado: “sendo o mais rápido, o mais esperto ou trapaceando – e eu não trapaceio”.
Deixando naturalmente a questão de trapacear para as autoridades competentes punirem, ficamos com apenas duas formas: ser rápido ou ser esperto. Em curto prazo é praticamente impossível para o investidor pessoa física ser o mais rápido ou o mais esperto.
O mercado financeiro movimenta muito dinheiro, então atrai pessoas muito inteligentes e dedicadas, com PhDs, sofisticadíssimos modelos matemáticos, computadores extremamente poderosos, gênios das finanças, computação, matemática e estatística totalmente dedicados a causa de ganhar dinheiro. É realmente muito complicado ser mais esperto que eles.
E quanto a ser mais rápido? Isto é mais difícil ainda: os bancos e gestores profissionais possuem computadores de última geração, algoritmos especializados e conexões de altíssima velocidade com os servidores da bolsa.
A disputa se dá em milissegundos, frações de um segundo dividido em mil, algo muito mais rápido que o piscar de olhos, por exemplo. O investidor em casa com seu notebook e sua conexão de internet não tem a menor chance: seria como disputar uma corrida com o seu carro de passeio contra um carro de Fórmula 1.
Em curto prazo não há como vencer, mas em longo prazo o jogo muda, como nos mostra o gráfico:
O gráfico analisa o comportamento das ações (em verde) dos bonds (em azul) e de uma carteira com 50% de ações e 50% de bonds (em cinza) nos Estados Unidos de 1950 a 2022 em diferentes horizontes de tempo.
Para investimentos de 1 ano em ações (curto prazo), por exemplo, dependendo do ano que o investidor escolheu, pode ter ganhado até 47% se entrou no ano certo, mas caso tenha optado por um ano ruim, pode ter perdido até -39%. Mesmo para bonds, que são mais seguros, com menos volatilidade (e menos ganho potencial também) no período de 1 ano pode ter ganhado 43%, mas perdido -13%.
Em curto prazo, tudo pode acontecer, a volatilidade é gigantesca.
O longo prazo pode virar o jogo
Conforme o tempo vai passando, contudo, a volatidade vai diminuindo, uma vez que há uma chance maior de se recuperar de anos ruins, caso o investidor tenha tido um momento adverso ao entrar na bolsa. É possível observar no gráfico que as barras vão ficando menores ao longo do tempo, ou seja, a volatilidade vai diminuindo.
Ao chegar em 20 anos nos EUA ocorre algo realmente espantoso: não há valores negativos, nem para ações, nem bonds e nem para a carteira 50/50.
Desde 1950, nunca um investidor que ficou 20 anos perdeu dinheiro por pior que tenha sido o seu momento de entrada!
Para o Brasil, com discutimos na coluna do mês passado, o cenário é mais complexo, porém o princípio é o mesmo, o longo prazo diminui a volatilidade e deixa os investimentos mais seguros e rentáveis.
Como o longo prazo vira o jogo?
A metáfora aqui com o jogo é na verdade com a teoria dos jogos, área de economia e finanças que estuda o comportamento dos investidores de forma dinâmica, ou seja, o seu comportamento depende dos outros investidores, que também reagem ao que você faz, assim sucessivamente.
Pense, por exemplo, no jogo de xadrez: não há uma única estratégia definitiva e imutável de como vencer o jogo, tudo vai depender de como você reage às jogadas do seu adversário e como este reage as suas jogadas, sucessivamente.
A teoria dos jogos nos ensina que existem diferentes tipos de jogos. Os investimentos em curto prazo seriam o tipo chamado “jogo de soma zero”, ou seja, um participante só pode ganhar o que o outro perder.
Então você precisa ser mais rápido ou mais esperto que os outros investidores, para que as perdas deles sejam os seus ganhos, o que, como já discutimos, é muito difícil no mercado financeiro.
Contudo, em longo prazo, a natureza do jogo muda de “soma zero” para jogo de “soma positiva”, ou seja, é possível que vários jogadores vençam ao mesmo tempo. Isto ocorre pois em longo prazo as empresas crescem, geram mais lucros que podem ser divididos para diversos investidores.
Mesmo que você não fique com a maior parte, ainda assim ficará com um valor positivo. Não é preciso ser o mais rápido e nem o mais esperto para ganhar em longo prazo e menos ainda trapacear, pois a natureza do jogo mudou. Há mais lucros potencialmente para todos dividirem.
Saber utilizar o longo prazo a seu favor como investidor, para transformar o jogo e possibilitar ganhar de forma consistente é inteligência financeira.