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O difícil cenário para reestruturação dos clubes de futebol no Brasil
Na semana passada, fui convidado a participar de um evento de uma chapa que concorre às eleições do SC Corinthians Paulista. Não vou divulgar o nome, porque não sou cabo-eleitoral e nem participo das eleições do clube. Assim, o evento ocorreu no Museu do Futebol. O objetivo era apresentar de forma isenta e com uma visão técnica a realidade financeira do clube.
A ideia não é tratar do clube especificamente. Mas relembrar situações encontradas na análise e relembrar os desafios da gestão de clubes de futebol no atual cenário.
O que está acontecendo com os clubes
Não é segredo para ninguém que o Corinthians é um dos clubes mais endividados do país. Mais de R$ 1 bilhão de dívidas no clube, que na média das últimas 4 temporadas faturou perto de R$ 600 milhões.
Isso resulta em uma alavancagem de 1,7 vezes aproximadamente. Metade dessa dívida está alongada em programas de refinanciamentos fiscais, e a outra metade concentrada no curto prazo.
Se você considerar a Selic e o spread usual que os clubes pagam (10% ao ano), temos um cenário bastante desafiador, para dizer o mínimo.
Entretanto, quando analisamos o desempenho econômico, o cenário parece menos complicado. Afinal, o clube fez algo como R$ 150/170 milhões de Ebitda nos dois últimos anos.
Digo “menos complicado”, porque na visão dos dirigentes é um bom número. Ainda que isso signifique uma relação Dívida Líquida/EBITDA de 5,9x, índice que deixaria desesperado qualquer gestor de empresa tradicional.
Realidade que também atinge outros clubes.
Dois exemplos: São Paulo e Atlético Mineiro. Este, aliás, recentemente aprovou a transição de associação para SAF, que será controlada pelos mesmos dirigentes que ajudaram a aprofundar o mar de dificuldades, com dívidas que chegam a mais de R$ 1,3 bilhão, fora as dívidas que estão associadas à Arena.
A dívida do Corinthians
Aliás, caso semelhante ao do Corinthians, que ainda deve um valor de cerca de R$ 700 milhões, número estimado por um conselheiro no evento citada anteriormente. Mas para o qual não temos informações financeiras disponíveis.
Voltando às contas, pegue a geração de caixa (Ebitda) de R$ 170 milhões.
Mesmo sem ajustes de capital de giro – para facilitar a vida do leigo – imagine que o clube investe cerca de R$ 70 milhões em atletas, outros R$ 15 milhões em outros capex.
Daí, tem que pagar uns R$ 70 milhões em despesas financeiras. Noves fora, consome R$ 155 milhões daqueles R$ 170 milhões de Ebitda.
Com isso, a sobra efetiva de caixa, de forma bem simplista e rasa, é de R$ 15 milhões, que deveriam ser utilizados para pagar dívidas. O valor representa 1,5% da dívida. Tudo mais constante, e são 66 anos para pagar apenas as dívidas do clube.
Outros clubes
Pode trocar o nome de Corinthians para São Paulo, Atlético Mineiro, Internacional, Santos, entre outros, incluindo Vasco, Botafogo, Cruzeiro – que ganhou certa folga com a recuperação judicial da associação – e a realidade é quase a mesma. Mas tem um agravante: o momento do futebol brasileiro.
Diferentemente do que ocorreu com o Flamengo e, de certa forma com o Palmeiras, o futebol brasileiro hoje vive uma realidade muito complicada em termos estruturais.
Até 2018 os valores referentes à venda dos direitos de transmissão eram fixos, usualmente pagos em 12 meses, o que permitia maior estabilidade ao fluxo de caixa e previsibilidade de pagamentos das dívidas – para quem queria fazer isso, claro.
Dessa forma, a negociação de atletas era a única receita não recorrente dos clubes.
Hoje, elas seguem assim, mas ganharam a companhia de receitas variáveis oriundas dos direitos de transmissão. É isso o que paga parte importante conforme as partidas transmitidas, a quantidade de assinantes do pay-per-view e a performance no campeonato.
Adicione a este item as receitas com competições em formato de copas, como a Copa do Brasil, Libertadores e Sulamericana, que pagam mais conforme os clubes avanças nas fases, culminando com valores bastante elevados aso campeões.
Ou seja, uma vez que os custos não mudaram seu perfil, e seguem estáveis e elevados, os clubes passaram a ter mais um desafio: gerir receitas variáveis.
Desempenho ruim, menos receitas
Dessa forma, desde 2019 não dá mais para replicar o modelo de reestruturação do Flamengo, pois antes era possível ter elenco frágil, torcer para não ser rebaixado, que o resultado financeiro ao final do ano era o mesmo.
Agora, desempenho ruim significa menos receitas, seja pela questão da performance, seja porque a bilheteria e o sócio-torcedor perdem o interesse, muitos patrocinadores fogem.
Cria-se, portanto, uma referência circular: clubes endividados que precisam de performance, mas para atingi-la têm que gastar mais em contratações e salários, que não garantem performance, pois a competitividade aumentou em função de termos mais clubes estruturados – Athletico, Fortaleza, Red Bull Bragantino – e porque dois clubes desgarraram na questão estabilidade financeira, que são Flamengo e Palmeiras.
Reorganização dos clubes
A situação é complexa, e requer mais e mais capacidade dos gestores para reorganizar os clubes. E tudo começa por alguns passos: transparência, governança, profissionalismo.
A transparência é fundamental para explicar a realidade, divulgar planejamento de ajuste, e comunicar corretamente o desenvolvimento.
A governança permite implantar modelos e regras que controlem os gestores e evitem que decisões populistas sejam tomadas. E, claro, tudo precisa ser feito por profissionais, em todas as esferas: da boa gestão esportiva, que precisa fazer mais, melhor e com menos; do marketing, que tem que encontrar soluções mais modernas; e o profissionalismo, que precisa ser real, com independência e autonomia, coordenado por um conselho consultivo que apenas orienta.
Além disso, eles têm que se desvencilhar das amarras das torcidas organizadas e das pressões da imprensa (todos cobram austeridade num minuto e contratação de reforços no minuto seguinte).
Tudo isso permite melhorar o relacionamento com torcida, parceiros, fornecedores, mercado financeiro. Desenvolve uma relação de confiança, faz com que patrocinadores queiram participar do momento de reconstrução, que torcedores participem, que se ganhe credibilidade para reestruturar passivos.
Sem mudanças profundas, que passam pela troca do “all in”, a estratégia de gastar muito para recuperar depois, pela estratégia da eficiência, será difícil encontrar soluções sustentáveis. O que faz com que a realidade das conquistas seja a do acaso, ou um pôster amarelado na parede.
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