Discussão sobre conflito de interesses volta à CVM
Visão que passou a prevalecer em voto de acionista não é consenso
As discussões sobre conflito de interesses voltaram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nas últimas semanas. Recentemente, o presidente da autarquia, João Pedro Nascimento, buscou avançar no tema. Ele defende que, em uma situação de potencial conflito, o voto do acionista em uma assembleia deve ser fundamentado e capaz de demonstrar que foi exercido no melhor interesse da companhia. No ano passado, Nascimento sinalizou a intenção de produzir um parecer de orientação sobre o assunto, mas não há unanimidade sobre o tema entre os membros do colegiado.
Desde o ano passado, passou a prevalecer no alto escalão da autarquia o entendimento pelo chamado conflito material (ou substancial). Sob essa visão, não há impedimento de voto em assembleia, desde que o acionista, seja controlador ou minoritário, aja de boa-fé e na certeza de que a operação não privilegia quem votou. Já na abordagem chamada de formal, em caso de potencial conflito de interesse, a priori o investidor está impedido de votar. As duas vertentes são interpretações do artigo 115 da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404).
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Nascimento voltou a se manifestar sobre o assunto em recente julgamento da CVM. A autarquia analisou, entre outros temas, a conduta de um acionista da Recrusul em uma assembleia. Sob análise do conflito material, o executivo foi condenado. O relator do caso foi o diretor Alexandre Rangel. Na ocasião, Nascimento apresentou manifestação de voto em que reitera a defesa pela vertente material – assim como o restante do colegiado, com exceção da diretora Flávia Perlingeiro.
Sob essa ótica, para o presidente da autarquia, deve-se verificar se o acionista em aparente conflito de interesses votou de forma “conciliável e compatível” com o interesse social da companhia, como determina a lei. Nas palavras de Nascimento, o processo decisório deve ser “razoável e bem-informado”, e mais tarde, se for o caso, o investidor deve ter a capacidade de demonstrar que agiu dessa forma.
“É esperado, nesse sentido, que os acionistas obtenham todas as informações relevantes para deliberar sobre a matéria (…). A depender da complexidade da matéria, é recomendável, também, que sejam contratados estudos ou pareceres de especialistas no tema, contribuindo para o enriquecimento das decisões”, afirma o presidente da autarquia.
Trocando em miúdos, Nascimento defende que o investidor reúna documentos e informações que comprovem como a decisão foi fundamentada, afirma um advogado próximo à CVM. “Se for algo construído e bem informado, provavelmente não estaria violando o interesse social da companhia. Quando o regulador se posiciona dessa maneira, está em linha com padrões internacionais”, diz.
O duelo entre os conflitos formal e substancial ocorre há décadas e, de tempos em tempos, o entendimento do regulador sobre o tema oscila. Quando o colegiado consolidou o entendimento pelo conflito material em dois julgamentos no ano passado, o presidente da CVM manifestou sua intenção de elaborar um parecer de orientação sobre o assunto, mas ainda não há definição no colegiado.
Entre os participantes do mercado, não há consenso de que um parecer poderia resolver a questão, uma vez que uma eventual nova orientação estaria sujeita a mudanças no colegiado da autarquia. “Assim como cai um precedente, um parecer também pode cair”, diz um advogado. Há quem também avalie que um parecer na linha defendida por Nascimento pode extrapolar a competência da CVM.
Houve uma tentativa de mudança na própria lei, em 2019, quando foi editada a Lei da Liberdade Econômica. Como na época não houve debate público, a tentativa recebeu muitas críticas e o projeto para a alteração, que adotaria o conflito material, não avançou.
O advogado Pablo Renteria é um dos que defendem uma mudança no artigo 115. Para o ex-diretor da CVM, a redação deveria ser mais clara, para evitar as discussões que perduram há mais de 20 anos. “Proibir o voto não é necessariamente a melhor solução. Uma lei que permita ao acionista votar, desde que exposto a um ônus de que votou de maneira adequada, é uma proteção que funciona”, diz.
Por Juliana Schincariol, do Valor Econômico