O que está em jogo na disputa da marca iPhone entre Apple e Gradiente no STF
Primeiro voto foi favorável à empresa brasileira. Para especialistas, decisão será marco judicial capaz de gerar indenização bilionária
A disputa em torno do registro da marca iPhone entre a gigantesca Apple (AAPL34) e a brasileira Gradiente (IGBR3) pode se tornar um marco na discussão acerca da propriedade intelectual no país. Além disso, pode gerar indenizações bilionárias no futuro.
Especialistas afirmam que, caso a Gradiente saia vencedora do embate em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), a companhia poderia buscar um valor indenizatório da empresa norte-americana na Justiça no futuro. Isto é, em um novo processo.
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STF julga exclusividade da marca
O STF julga o recurso extraordinário com agravo (ARE) 1.266.095, que discute se há exclusividade sobre marcas.
Isso acontece quando há demora na concessão de registro pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). E, assim, uma concorrente consagrou o uso globalmente.
Registro da Gradiente
A Gradiente depositou o registro da marca “G Gradiente iphone” no INPI no ano 2000. Mas apenas em janeiro de 2008 o órgão concedeu o registro, um ano após o lançamento do iPhone pela Apple nos Estados Unidos.
O aparelho da Apple chegou ao Brasil em novembro de 2008. A empresa paulista, então, defende que, no país, a marca pertence a ela.
O caso chegou à Justiça porque a Apple não conseguia registrar o produto. Até agora, ela venceu em todas as instâncias, ao alegar que o termo “iPhone” é descritivo e, por isso, não poderia ter sido registrado pelo INPI.
Na semana passada, porém, o ministro Dias Toffoli, relator do caso no STF, votou a favor da Gradiente. “Privilegiar uma empresa estrangeira, que ostenta grande poderio econômico, flexibilizando as regras de registro de marca no Brasil em detrimento daquele que primeiro ocupou esse espaço de boa-fé não atende aos referidos enunciados constitucionais”, concluiu.
Toffoli ressaltou, contudo, que o voto trata apenas do pedido de nulidade de registro da marca feito pela Apple contra a Gradiente.
“Não envolvendo questões sobre o eventual uso indevido da referida marca, de indenizações dela decorrentes, bem como do reconhecimento da caducidade do referido registro, as quais devem ser dirimidas pelo juízo competente, na via processual adequada, não se podendo extrair deste julgamento conclusões automáticas sobre essas matérias”, afirmou.
Indenização bilionária
Como o caso no STF se refere apenas à nulidade do registro no INPI, conforme afirmou Toffoli, neste momento não caberá a nenhuma das companhias indenizações para além do pagamento de custas e honorários advocatícios neste processo.
Porém, caso a Gradiente saia vencedora, especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a empresa brasileira, que saiu da recuperação judicial no início deste ano e deixou de produzir produtos eletrônicos, poderá buscar uma indenização bilionária da Apple.
“A Gradiente, como titular da marca, poderia, em tese, buscar indenizações pelo uso da marca iPhone pela Apple no território nacional. Isso porque, como titular da marca, a Gradiente tem o direito legal de ceder o registro, licenciar seu uso e zelar pela integridade material e reputacional da marca”, afirma Carla Guttilla, especialista em Direito Societário e Propriedade Intelectual.
Danos da Apple à Gradiente
Pedro Marcos Nunes Barbosa, sócio de Denis Borges Barbosa e professor do Departamento de Direito da PUC-Rio concorda.
“Se a marca for da Gradiente, cabe uma compensação desde o registro até a data em que a Apple deixar de usar. Esses danos são calculados baseado em um artigo 210 da Lei 9.279, que permite ao credor escolher qual critério utilizar para calcular o dano”, disse
“Se falarmos de 15 anos de violação de marca, de algo de alto custo como um celular da Apple, com milhões de Iphones vendidos no Brasil, estamos falando de uma compensação de bilhões”, completa.
Nunes Barbosa, contudo, alerta que a tramitação por qualquer tipo de indenização por uso indevido da marca iPhone por parte da Gradiente poderá demorar anos.
“Há muito ‘se’ nessa história. Se a Gradiente vencer, se chegar a um cálculo. Certamente, tal embate não se resolve de uma hora para outra, a não ser que a Gradiente vença no STF e faça um acordo com a Apple. Se a Apple tiver a vitória revertida no STF, acho que ela deverá sentar e negociar uma saída, assim como fez com a Ericsson”, disse.
Em dezembro do ano passado, Ericsson e Apple chegaram a um acordo de licenciamento global de patentes. Portanto, encerraram uma batalha judicial em diversos países, inclusive no Brasil.
Caso o STF, no entanto, mantiver a decisão das cortes inferiores, todas favoráveis à Apple, não será atribuída a ela a posse da marca iPhone… Mas apenas encerrará a propriedade da Gradiente sobre o nome.
Marco para o país
Para Fernando Brandariz, mestrando em direito pela Escola Paulista de Direito, a decisão do STF poderá ser um marco para o país. “Ela trará um norte, principalmente na questão da demora do INPI em registrar marca”, disse
Já Pedro Marcos Nunes Barbosa destaca a importância de o STF olhar com maior atenção para casos de propriedade intelectual no país como ponto de política pública.
“Nos EUA, a Suprema Corte julga cerca de 80 processos por ano e, todo ano, nos últimos 40 anos, um era de propriedade industrial. Isso é uma diferença muito grande, dado que nos EUA propriedade intelectual e industrial é da maior importância, enquanto aqui tratamos como um detalhe pequeno. No Brasil, temos o registro de dois julgamentos a cada 35 anos”, avalia.
O julgamento do caso entre Apple e Gradiente está sendo realizado em plenário virtual. Foi iniciado na sexta-feira (2), com o voto de Dias Toffoli, e segue até segunda (12).
Até lá, qualquer ministro pode pedir vista para estudar melhor o caso, ou destaque, o que faria o julgamento ser reiniciado no plenário físico. Até o momento, apenas Toffoli se manifestou sobre a questão.