Por que o dólar sobe ou desce?

Existem dois momentos para investir na moeda: quando a economia americana cresce ou com a aversão global ao risco

- Ilustração: Renata Miwa
- Ilustração: Renata Miwa

Movimento global de aumento de juros, guerra na Ucrânia, desaceleração da economia chinesa e proximidade do período eleitoral no Brasil estão entre os motivos que têm corroborado para a forte volatilidade do câmbio na cena interna e externa

Depois de registrar a mínima do ano no início do mês passado, quando tocou R$ 4,60, o dólar voltou a mostrar força frente ao real em maio. Não a ponto de encostar na máxima anotada em janeiro, de R$ 5,71, mas forte o suficiente para rondar próximo de R$ 5. Entre os motivos que justificam a alta volatilidade do câmbio, questões políticas e econômicas internas, bem como incertezas do exterior pesam sob o sentimento dos investidores e impedem uma perspectiva mais sólida, seja para cima ou para baixo, para a moeda.

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Por que o dólar oscila tanto?

Desde o ponto mais forte até o mais fraco, Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Securities, atribui duas razões para que o dólar tenha oscilado tanto em um intervalo de apenas quatro meses. A primeira diz respeito à intensificação internacional do ativo contra as demais moedas mundiais, dado o ambiente minado de dúvidas na Europa, nos Estados Unidos e na China. “O Brasil não é uma ilha”, brinca o profissional ao dizer que o momento de valorização do dólar no exterior acaba tendo impacto negativo em cima do real.

Política interfere na cotação do dólar

O segundo ponto, por sua vez, tem a ver com a cena local: começa a entrar no radar dos investidores estrangeiros a questão política, com os olhos atentos às eleições no segundo semestre. Para Zanin, o mercado começa a atribuir preço a um horizonte bastante instável daqui para frente e o câmbio mostra sinais de que esse cenário volátil durante a corrida eleitoral deve se intensificar.

“Dado que os juros estão elevados e a bolsa está descontada, com diversos ativos sendo negociados com múltiplos muito baixos, o que mostra a falta de confiança com o Brasil, a melhor forma de notar o sentimento do investidor internacional é por meio do dólar”, pondera. “A volatilidade começa a recair sobre o câmbio”, acrescenta.

Conforme pontua o estrategista da Avenue, o Brasil estava, no início do ano, distante do resto do mundo, apresentando números incompatíveis em relação ao mercado externo. Para efeito de comparação, o DXY, índice que reflete a força do dólar frente às moedas de outras economias desenvolvidas, subiu de forma expressiva. “A moeda americana se valorizou contra diversos países, mas o mesmo não aconteceu frente ao real, e isso porque o Brasil já tinha se depreciado muito na última década”.

Por esta razão, Zanin acredita que o movimento de valorização da moeda brasileira no início do ano foi pontual, em um momento no qual havia um fluxo de capital no exterior que precisava migrar para outros países e o Brasil foi a opção “menos pior em todos os sentidos”.

Qual é a visão do investidor estrangeiro sobre o Brasil?

Agora, entretanto, o investidor internacional começa a entender que não houve uma melhora significativa no país, tanto no aspecto político quanto no sentido de crescimento econômico, o que tem levado os gringos a retirarem seus recursos de terras brasileiras. “O fluxo internacional, que entrou muito forte nos últimos meses, está saindo na mesma proporção. Agora a nossa moeda fica mais correlacionada com as demais moedas mundiais”, sugere.

Marcela Kawauti, economista da Prada Assessoria, também acredita que a alta da moeda brasileira frente ao dólar foi momentânea, mas não um movimento atípico e sim de correção. Isso porque, diz, como o diferencial de juros já estava a favor do Brasil, que iniciou o ciclo de aperto monetário mais cedo, todos os cenários indicavam um real um pouco mais valorizado.

Ainda, complementa a profissional, o rebalanceamento das carteiras dos investidores internacionais por causa da guerra ajudou a trazer muitos estrangeiros para o país. “No entanto, esse movimento parece ter ficado para trás”, admite. “É por isso que existe a frase emblemática de que Deus fez o dólar para deixar os economistas humildes”, brinca Kawauti ao comentar sobre as diversas variáveis que mexem com a moeda americana.

Em relação à recente guinada do dólar, Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, entende que, no começo do mês passado, quando o dólar comercial foi à mínima e encostou em R$ 4,60, não havia explicações muito claras que justificassem tal movimento de baixa. No entanto, de lá para cá, alguns eventos importantes no exterior contribuíram para a recuperação da moeda americana frente ao real.

Quanto maior a inflação, maiores são os juros nos EUA

Um deles foi a decisão do Banco Central americano (Fed) de aumentar os juros pela segunda vez seguida, na maior alta em 22 anos, em 0,5%, para o intervalo entre 0,75% e 1%, no início deste mês. Somado a isso, o tom adotado pela autoridade monetária endureceu e os integrantes passaram a mostrar uma preocupação maior com a inflação, que registrou a sua taxa mais alta em 41 anos em abril, de 8,5%. “Esse cenário acaba levando a uma percepção de que os juros americanos podem subir mais se o risco aumentar, o que fortalece o dólar e enfraquece o real”, diz o profissional.

Dólar depende da situação na China

Ainda olhando para a cena internacional, e no que diz respeito às forças que empurraram o real para baixo, Lima destaca a política da China de “covid zero” para conter o avanço do número de novos casos na região. Conforme ele explica, a sensação de que a economia chinesa pode desacelerar ainda mais rápido do que se esperava por causa das restrições afeta diretamente algumas commodities, principalmente as metálicas.

Neste sentido, as moedas mais ligadas a essas matérias-primas, como é o caso do real, tendem a sofrer com a medida adotada pelo governo chinês. “No fim das contas, o efeito das restrições na China e o efeito Banco Central americano podendo ser mais agressivo tendem a recair sobre o real”, resume.

Mesmo com a intensa oscilação do câmbio no ambiente interno, e a despeito da valorização do dólar em abril, a moeda brasileira ainda mostra força no acumulado do ano. Se traçarmos um paralelo, a moeda americana está se desvalorizando contra diversas regiões do mundo, como mostra o índice DXY, composto pelo euro, iene, libra esterlina, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço, que acumula alta de 7,73% no ano até o dia 20 de maio, enquanto a moeda americana cai 12,5% no mesmo período.

América Latina à margem do mercado internacional

Zanin, da Avenue, pondera, que existe uma discrepância entre o real e as demais moedas do mundo que levou à forte oscilação do dólar no intervalo entre a máxima e a mínima. “O ponto relevante é que a América Latina esteve, nos últimos anos, às margens do mercado internacional, inclusive, a moeda brasileira foi uma das que mais se desvalorizou na última década”, explica o estrategista da Avenue.

Com o mercado emergente fora da zona de conflito da guerra entre Rússia e Ucrânia, acrescenta, o Brasil tinha uma economia em recuperação, com bons setores e boas empresas para o investidor estrangeiro aproveitar o boom das commodities junto de uma moeda bastante depreciada. “Houve essa migração de fluxo para cá porque estávamos bem distantes dos demais países em termos de valor das empresas, enquanto a economia real mostrava uma retomada com a antecipação do aumento de juros”, analisa.

Em relação ao movimento de início de aperto monetário, o Brasil foi um predecessor neste sentido, dado o costume da economia com o ambiente inflacionário. “O Banco Central decidiu atuar de forma diferente dos mercados internacionais, que só começaram a elevar a taxa de juros posteriormente”, acrescenta.

Brasil foi pioneiro ao subir os juros

Para Zanin, esses motivos foram cruciais para a entrada de fluxo financeiro no país, uma vez que o investidor gringo não tinha muitas opções para poder aplicar no exterior. E não é à toa, dado que o mundo se encontra em meio a uma tempestade perfeita, com a Europa inserida em um conflito de guerra, a Ásia em lockdowns devido ao aumento de casos de covid-19 e os Estados Unidos diante de uma necessidade de elevação de juros.

“Enquanto isso, a América Latina de forma geral estava jogada às traças no início do ano, então foi um momento de recuperação para o mercado emergente, principalmente para o Brasil, o que fez com que a nossa moeda tivesse essa discrepância frente ao mundo”, reforça o profissional.

Ainda que seja difícil traçar uma direção única para o desempenho do câmbio no mercado interno, dadas as variáveis locais e externas que implicam na alta volatilidade da moeda americana, os especialistas pontuam os fatores que podem influenciar, daqui para frente, o desempenho do real frente ao dólar, seja para baixo ou para cima.

Real apreciado e dólar desvalorizado

Ao refletir sobre as forças que podem impulsionar a moeda brasileira frente ao dólar na cena doméstica, o estrategista da Avenue destaca os juros elevados no Brasil, uma vez que o país remunera melhor o investidor internacional em relação aos outros mercados que ainda não avançaram no processo de aperto monetário. Somado a isso, acrescenta Zanin, uma melhoria nos resultados das empresas no primeiro trimestre deste ano também ajudam na valorização do real, uma vez que os investidores se sentem mais confiantes e isso tende a atrair capital para o Brasil. “Esses são os dois catalisadores que beneficiam a apreciação da moeda brasileira neste momento”, avalia.

Ainda tratando de Brasil, para Marcela, da Prada Assessoria, uma campanha eleitoral mais centrada nas propostas de governo dos candidatos à Presidência ao invés da promoção de um confronto político pode diminuir as incertezas em relação ao país e, dessa forma, valorizar o real. “Não dá para colocar a recente apreciação da nossa moeda na conta como algo de longo prazo porque, com o cenário institucional abalado, o investidor estrangeiro, por exemplo, entra no Brasil já sabendo onde fica a porta de saída, dado que ele sabe que a situação pode se agravar a qualquer momento”, diz a economista.

Ela pondera, porém, que o mercado ainda não está totalmente no preço do que pode acontecer em um evento Lula e Bolsonaro. Sob o aspecto político, avalia Marcela, o que mais tem influenciado no movimento do dólar tem sido as declarações do presidente. “Quando ele fala que não vai respeitar o resultado da eleição, por exemplo, isso mostra que as instituições brasileiras podem ser desafiadas de forma relevante no fim do ano”, pondera. “A incerteza política ainda está mais concentrada nas falas de Bolsonaro do que na eleição em outubro”, complementa.

Reabertura da economia chinesa pode favorecer o real

Lá fora, a reabertura da economia chinesa após o período da política de “covid zero” deve favorecer o real por causa da ligação da moeda com as commodities. Ainda, no que tange os Estados Unidos, Lima, da Western Asset, lembra que o início do processo de aumento de juros por parte do Banco Central americano já pode ser sentido na inflação, que desacelerou em abril (0,3%) frente a março (1,2%). “O juro americano não vai ficar alto por muito tempo, o que pode beneficiar o real”, ressalta.

Cenário 2: dólar forte e real enfraquecido

Entre os fatores que tendem a puxar o dólar para cima, porém, está uma possível escalada da guerra na Ucrânia, que causaria um movimento mais intenso de aversão ao cenário internacional. “Outros países já estão querendo se juntar à Otan e isso está sendo mal visto pela Rússia”, ressalta Zanin, da Avenue. Somado ao risco do conflito, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos reduz os benefícios do Brasil como um bom país para se investir em renda fixa, dado que o diferencial de juros diminui.

Em relação à China, Marcela destaca que o fim da política de “covid zero” ajudaria a moeda americana, já que colocaria menos incertezas sobre o crescimento econômico chinês e, por consequência, mundial. “A China era o país que mais crescia há uns anos, principalmente entre 2000 e 2010, mas agora está em um movimento de desaceleração muito rápido. E, como o país asiático é um player importante para todo o globo, acaba impactando outras economias e puxando o mundo para uma desaceleração generalizada”, explica. “A política ‘covid zero’ é recessiva”, resume.

Olhando para a cena local, o estrategista mostra preocupação com a corrida eleitoral, que durante o segundo semestre deve ganhar mais força e aumentar a volatilidade no câmbio. “Além da oscilação, as eleições podem gerar forte perda de valor para o real, a depender da trajetória dos discursos dos candidatos”, enfatiza.

Dólar é um porto seguro?

Apesar da alta volatilidade do câmbio neste ano até aqui, Zanin lembra que “dólar bom é dólar no bolso”. Isso porque, explica, a moeda americana é considerada o porto seguro do mercado, dada a proteção institucional e jurídica que os Estados Unidos oferecem aos investidores internacionais, além de ser o principal meio de troca mundial.

“Existem dois momentos para investir em dólar: quando a economia americana está em crescimento, como aconteceu nos últimos anos, ou no extremo oposto, ou seja, em um contexto de aversão global ao risco”, afirma. “Nesses momentos de aversão, o dólar é o porto seguro para os investidores que buscam ter estabilidade e manter o poder de compra”, conclui.

Na mesma linha, Marcela diz que não existe nenhum outro país que seja um bom candidato para ter a sua própria moeda como referência no mundo. “O euro é forte, mas representa diversos países ao mesmo tempo, então estamos falando de uma moeda que ainda é uma união de fragmentos, não virou uma coisa uníssona. A moeda chinesa até tem poderio grande, mas estamos falando de uma economia planificada, na qual a decisão do governo pode mudar de uma hora para a outra e as regras do jogo nem sempre estão muito claras. Além disso, não é uma moeda estável e nem democrática”, explica. “Os Estados Unidos têm perdido poder ao longo dos anos, mas ainda não há outra opção além do dólar para o mundo usar como moeda de reserva”.

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