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Economia brasileira aquecida?
A economia brasileira deve ter crescido cerca de 3% em 2022, acima da média de 2,2% observada no século XXI, após crescimento de 5% em 2021, quando o PIB superou o patamar pré-pandemia. Esse crescimento relativamente acelerado suscita um debate: estaria a economia brasileira aquecida?
Para avaliar essa hipótese, vamos considerar inicialmente indicadores mensais que são comumente utilizados para inferir o grau de ociosidade ou aquecimento da economia ao longo do tempo, pois tentam capturar a utilização dos fatores de produção, capital e trabalho.
Houve um momento de baixa ociosidade mas, sob os efeitos do aperto monetário doméstico, está ficando para trás.
O primeiro refere-se à taxa de utilização da capacidade na indústria. A série de utilização da capacidade, com ajuste sazonal, da FGV começa em janeiro de 2001. O valor médio da série é de 79,3%. O ponto máximo da série, 85,5%, foi observado em março de 2008.
O ponto mínimo foi 57,3%, em abril de 2020, mês que marcou o impacto mais intenso da pandemia de covid-19 sobre nossa economia. Após o colapso inicial, a atividade industrial logo começou a se recuperar, e em outubro de 2020 já se encontrava em linha com a média histórica. A série então flutuou um pouco abaixo de 80% for vários meses, até agosto de 2021, quando (considerando a média móvel de três meses) passou a oscilar um pouco acima de 80%. O momento de maior aquecimento parece ter ocorrido no terceiro trimestre de 2022.
Ocorre que os patamares observados pela taxa de utilização da capacidade são consistentes, do ponto de vista estatístico, com as flutuações normais da série, não sendo suficientemente expressivos para caracterizar um aquecimento significativo da atividade econômica – desde que a média não tenha sofrido alteração desde o início da amostra. Em suma, olhando pelo prisma da utilização da capacidade na indústria, a economia não teria terminado 2022 em um patamar particularmente aquecido – o auge teria sido no terceiro trimestre.
O mercado de trabalho mostra uma perspectiva um pouco distinta. Existem várias estimativas para a economia brasileira de qual seria a taxa de desemprego abaixo da qual os salários passariam a crescer além da produtividade do trabalho, elevando os custos, que poderia ser descrita como uma taxa neutra, do ponto de vista da dinâmica de salários e preços. Essa variável depende das instituições e legislação trabalhista, além de outros fatores, como a mobilidade da mão de obra entre setores e localidades.
A média da série da taxa de desemprego calculada pelo IBGE, com ajuste sazonal, que poderia ser uma primeira aproximação da taxa neutra, é de cerca de 10%. Estimativas mais recentes mostram que a taxa neutra de desemprego estaria no intervalo entre 8% e 10%. Objetivamente, observa-se que, habitualmente, quando a taxa de desemprego cai abaixo de 9%, os salários passam a subir mais rapidamente.
No início da pandemia, a taxa de desemprego estava em 11,9%, acima do intervalo usual para as estimativas de taxa neutra, sinalizando que não havia aquecimento no mercado de trabalho. Com o impacto da covid-19, a taxa de desemprego subiu ainda mais, para o maior valor da série, 15%, observado em novembro de 2020. A taxa passou a recuar desde então, caindo abaixo de 10% em maio de 2022, e abaixo de 9% em julho passado.
Desde então, a taxa de desemprego tem se aproximado de 8%, o patamar mais baixo das estimativas de taxa neutra. E os salários, monitorados por meio do IDAT-salários, um indicador proprietário do Itaú Unibanco, por sua vez, mostraram uma aceleração, de uma alta interanual média de 7,6% no último trimestre de 2021, para 8,6% no primeiro trimestre de 2022, 10,5% no segundo trimestre, recuando para 9,5% no terceiro trimestre (e 8,9% em novembro, o último dado disponível).
Em resumo, há sinais de aquecimento no mercado de trabalho, mas esses, a julgar pela dinâmica salarial, têm arrefecido, depois de um auge que parece ter ocorrido em meados de 2022 – já a taxa de desemprego seguiu em queda até outubro passado.
Além dos indicadores acima, cabe observar que, em uma economia aberta, o aquecimento pode se manifestar, também, pela deterioração do déficit em conta corrente. Note-se que fatores relevantes para a determinação do déficit em conta corrente, como a razão entre preços de exportação e importação (termos de troca) e a taxa de câmbio real, encontram-se em patamares superiores às respectivas médias históricas, ao passo que o déficit em conta corrente se deslocou de um nível abaixo da média histórica (1,8% ante 2,4% do PIB) ao final de 2020, para o equivalente a 2,2% do PIB em meados de 2021, 2,8% ao final daquele ano, e 3,2% no terceiro trimestre de 2022, recuando na margem para 2,8% (novembro passado).
Também no que se refere ao setor externo, o momento de maior amplitude do déficit em conta corrente, possível sinal de aquecimento da economia doméstica, foi no terceiro trimestre do ano passado.
O resumo dos indicadores sugere que o ciclo pós pandemia teria atingido um auge em meados de 2022, ainda que sua datação precisa dependa de análise mais rigorosa e profunda – a palavra final caberá ao Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV. Indicadores de alta frequência mais recentes, bem como a dinâmica apresentada na coluna, apontam que houve um momento de baixa ociosidade na economia, mas que o mesmo, sob os efeitos combinados do aperto monetário doméstico e da desaceleração global, estaria ficando para trás.
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