A política monetária restritiva no país começa pesar sobre as despesas financeiras das companhias. Esse fator, somado à expectativa de redução do crescimento econômico e de recessão em economias desenvolvidas, deve reduzir as margens das empresas de capital aberto nos próximos trimestres, após uma recuperação aos níveis pré-pandemia. É o que mostra estudo produzido pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe).
“Os motivos que levaram ao aumento das margens das empresas nos últimos trimestres estão deixando de acontecer”, afirma Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe. “A taxa de câmbio praticamente nivelou [estabilizou-se após forte volatilidade na pandemia], as taxas de aumento dos preços dos importados cresceram menos e as condições de oferta estão se regularizando.”
Também é esperado que os custos financeiros aumentem, considerando que as companhias precisarão fazer a rolagem das dívidas em um cenário de juros mais elevados. “A última expectativa do mercado é que a taxa Selic se mantenha no patamar de 13,75% pelo menos no primeiro trimestre de 2023”, destaca Rocca. “Com isso, as empresas deverão pagar mais nas dívidas.”
O estudo avaliou a situação financeira das companhias no período de um ano encerrado em junho. Na amostra, foram desconsiderados os dados de Petrobras, Eletrobras e Vale por causa do tamanho dessas empresas, que distorce o conjunto analisado. Nesse intervalo, os indicadores ficaram até melhores que os apresentados antes da crise provocada pela pandemia de covid-19, segundo Rocca.
Dois conjuntos de fatores explicam o bom desempenho. De um lado, a relação entre geração de caixa e vendas cresceu devido ao aumento dos preços de venda dos produtos, que superou o custo unitário do trabalho. Do outro, as empresas conseguiram acumular caixa, captando um volume maior de recursos por meio de emissões de ações e aproveitando o cenário de juros baixos no auge da pandemia.
Para Gabriela Joubert, analista-chefe do Inter Research, o fato de as companhias terem gerado caixa e trocado dívidas mais caras por dívidas mais baratas pode ajudar a compensar o impacto do aumento dos juros nos resultados. Isso, no entanto, não deve ser a realidade de todas as empresas.
“No caso de companhias naturalmente mais alavancadas, que necessitam de aportes maiores por conta de grandes desembolsos de caixa, o lucro líquido deve ser mais pressionado por conta destas despesas financeiras mais elevadas”, afirma Joubert. Ela cita como exemplo as do setor elétrico e de concessões.
O estudo mostra que a margem bruta – calculada a partir da relação entre o lucro bruto e a receita – cresceu ao longo da pandemia, atingindo o máximo de 27,7% em 2021. Já nos dois primeiros trimestres deste ano, caiu até atingir 27%.
Até o segundo trimestre, o endividamento aumentou, mas a situação ainda se mostrava favorável, afirma Rocca. “Se elas têm fluxo de caixa, o endividamento não é problema. O problema é quando há uma desconexão.”
Conforme o estudo, ante dezembro de 2021, a dívida líquida das companhias aumentou 12%, ou R$ 120,8 bilhões, refletindo o avanço da dívida bruta, de R$ 66 bilhões, e a redução de R$ 54,2 bilhões no disponível.
A relação entre dívida líquida e lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) ficou em 1,64 vez no segundo trimestre, acima do 1,45 registrado no trimestre anterior, mas ainda em um dos menores níveis desde 2010.
Considerando as expectativas de analistas de banco, que acompanham de perto esses números, os resultados vieram até melhores que o esperado no segundo trimestre, segundo Jennie Li, estrategista de ações da XP.
No próximos trimestres, porém, o cenário deve ser um pouco mais difícil. Uma das preocupações é se, assim como ocorreu no período de abril a junho, as companhias conseguirão repassar o aumento dos custos dos produtos aos clientes. Fora isso, também ronda o fantasma da recessão. “Esse risco aumentou muito do segundo trimestre do ano até agora”, diz Li.