Alta no preço do café ainda não foi repassada completamente ao consumidor

O café moído registrou alta de 11,63% no IPCA-15 de fevereiro, a prévia da inflação oficial do mês corrente. A elevação reflete a combinação de fatores estruturais e conjunturais, como quebra de safra, restrições na oferta e atraso no repasse dos preços ao varejo. Pra piorar, o efeito prático para quem frequenta o supermercado é que o produto pode pesar ainda mais no bolso.
O que explica a disparada dos preços?
Segundo Matheus Dias, economista do FGV IBRE, a alta do café tem raízes em choques climáticos e na desvalorização cambial. “Nos últimos anos, tivemos invernos rigorosos e secas que impactaram a produção no Brasil e em outros grandes exportadores, como Vietnã e Colômbia”, explica.
Já a desvalorização do real ao longo de 2024, de acordo com o especialista, impactou tanto os custos de produção quanto a competitividade do produto no mercado externo. “Com a desvalorização cambial que tivemos no ano passado, as exportações ficaram mais competitivas. Os compradores externos enxergaram um produto de qualidade a preços atrativos, o que impulsionou as exportações e pressionou ainda mais os preços internamentes”, explica.
Ao mesmo tempo, a perda de valor do real encareceu insumos importados, que são essenciais para a produção. “Isso gerou um efeito em cadeia: primeiro, o câmbio mais alto elevou os custos para os produtores; depois, esses aumentos foram repassados às torrefações, aos supermercados e, por fim, ao consumidor final, que agora sente essa alta nos preços dos supermercados”, completa Dias.
Impacto ainda não foi repassado completamente ao consumidor
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção nacional do café pode cair, em média, 4,4% na safra de 2025. Isso reduz a oferta de um produto cuja demanda global permanece aquecida. “O Brasil é um grande exportador de café e essa dinâmica continua mesmo com a quebra de safra, o que força os preços para cima tanto para o produtor quanto para o consumidor final”, acrescenta Dias.
Vicente Zotti, sócio diretos da Pine Agronegócios, reforça que o impacto ainda não foi completamente repassado ao consumidor. “O aumento do custo da mercadoria para as torrefações já gerou reajustes nos supermercados entre novembro e janeiro, mas esses repasses acontecem em ondas, à medida que os estoques giram”.
Assim, muitos supermercados ainda estão vendendo cafés comprados antes dessas altas. Quando precisarem repor o estoque com preços mais elevados, de acordo com Zotti, veremos novas pressões sobre a inflação.
“Hoje, o quilo do café para o supermercado está custando cerca de R$ 60. Com a margem aplicada pelo varejo, o preço ao consumidor final deve chegar a R$ 38 por 500g. E ainda há repasse adicional de 20% a 25% a caminho”, estima.
A pressão inflacionária deve continuar?
A expectativa é que a alta do café continue influenciando os índices inflacionários nos próximos meses. Zotti destaca que o setor enfrenta um problema de estoques. “Os supermercados que compraram café mais barato ainda seguram um pouco os preços, mas isso não se sustenta por muito tempo. Como a oferta de café para 2025 já é menor e os estoques globais estão baixos, a pressão sobre os preços deve persistir.”
Outro fator que pode manter os preços elevados é a dificuldade de formação de estoques pelo varejo. “O comprador está em uma situação financeira delicada. Se ele formar estoque agora, com preços altos, e depois houver um alívio na safra, ele fica travado e sem margem para reduzir os preços. Isso cria um ambiente de inércia inflacionária para os próximos meses”, analisa Zotti.
O que isso significa para o investidor?
O cenário de alta do café tem implicações diretas para investidores expostos ao setor. Matheus Dias explica que algumas empresas são mais sensíveis ao aumento dos custos, especialmente aquelas com margens mais apertadas. “O investidor precisa avaliar quais setores conseguem repassar os aumentos e quais sofrem com a compressão de margem. O varejo pode ter alguma flexibilidade, mas segmentos como o de torrefação enfrentam riscos maiores.”
Para Zotti, a torrefação é mesmo o elo mais frágil da cadeia neste momento. “Se o consumo desacelerar e o preço do produtor se estabilizar em patamares elevados, a torrefação fica sem margem para absorver esse custo. O supermercado pode segurar um pouco mais os preços, mas a torrefação tem menos flexibilidade financeira para lidar com esse choque”, alerta.
O investidor, portanto, deve ficar atento à dinâmica do setor nos próximos meses. Empresas expostas ao café podem enfrentar desafios, mas, ao mesmo tempo, setores que se beneficiam da inflação — como exportadores e produtores — podem montar oportunidades estratégicas dentro de um portfólio.
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