Ameaça de Trump de tarifar chips desestabiliza cadeia global do setor

- Ameaça de tarifas de Trump sobre chips desestabiliza a cadeia global de suprimentos.
- Investigação americana pode levar à imposição de tarifas em semicondutores e equipamentos.
- Produção de chips envolve rede complexa global, com etapas em EUA, Japão, Taiwan, Coreia do Sul e China.
- Empresas asiáticas como TSMC e Samsung serão afetadas; transferência de produção para os EUA é complexa.
- Nvidia anuncia produção de chips de IA nos EUA, buscando aliviar pressão regulatória.
- Planos para novas fábricas de semicondutores aumentam, impulsionados por preocupações geopolíticas.
- Demanda por chips pode cair com desaceleração econômica, aumentando risco de excesso de oferta.
As medidas do governo Trump para estender suas tarifas à indústria de chips ameaçam virar de ponta-cabeça uma complexa rede internacional de suprimentos, uma vez que os EUA e outros países passaram a se empenhar em trazer todos os elos da produção para dentro de suas fronteiras, o que poderia levar a um excesso de oferta.
Na segunda-feira, os EUA iniciaram uma investigação sobre as importações de chips que pode abrir caminho para a imposição de tarifas sobre aparelhos semicondutores e equipamentos de fabricação de chips.
A produção de semicondutores envolve uma rede complicada de tecnologias e processos espalhados pelo mundo.
Como é a cadeia de produção?
O silício é exportado dos EUA e da Noruega para ser transformado em lâminas em países como o Japão, onde a Shin-Etsu Chemical e a Sumco, somadas, controlam cerca de metade do mercado mundial.
O processo inicial da fabricação dos circuitos eletrônicos sobre essas “bolachas” de silício é realizado principalmente em Taiwan, Coreia do Sul e China.
As fábricas responsáveis pelos procedimentos finais – localizadas em regiões com custos de mão de obra relativamente baixos, como o Sudeste Asiático, Taiwan e China – cortam as bolachas em chips individuais e os montam em componentes.
Depois, estes são colocados em placas de circuito na China e em outros países para serem entregues aos clientes.
A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e a Samsung Electronics estão entre as principais empresas da etapa inicial, valendo-se de equipamentos de fabricação de chips que costumam vir dos EUA, Japão e Holanda.
Quem deve sofrer mais com as tarifas?
Empresas asiáticas como a TSMC e a Samsung deverão ser muito atingidas pelas tarifas. Ambas vêm investindo na execução do processo inicial nos EUA, mas outras etapas, como a montagem, ainda são realizadas na Ásia. Transferir tudo para os EUA seria complicado.
Os EUA são um grande consumidor de semicondutores. O país representa cerca de 30% do faturamento mundial do setor em 2024, segundo a World Semiconductor Trade Statistics, uma associação setorial de fabricantes de chips especializada, mas os EUA abrigam apenas cerca de 10% da capacidade de produção mundial.
O governo do presidente Donald Trump vem pressionando as fabricantes de chips a transferir grande parte da cadeia para os EUA. Trump ameaçou a TSMC com tarifas de até 100% caso não construísse fábricas no país.
Anunciar investimentos em semicondutores fora dos EUA é arriscado neste momento, segundo um executivo de uma fabricante americana de chips com instalações no Japão.
Qual é a situação das empresas?
Na segunda-feira, a Nvidia anunciou que passará a fabricar chips de inteligência artificial (IA) da linha Blackwell e supercomputadores de IA nos EUA – até agora algo inédito para a empresa americana -, com o plano de produzir equipamentos estimados em US$ 500 bilhões nos próximos quatro anos, cerca do quádruplo de sua receita em 2024.
A atitude atípica da Nvidia de divulgar esse tipo de detalhe visa aliviar a pressão regulatória do governo Trump. Além das tarifas, a empresa enfrenta restrições à exportação de chips de IA para a China.
A Nvidia é uma empresa de design de chips que não tem fábricas. Terceiriza a atividade de produção para a TSMC e tem seus chips de IA fabricados principalmente em Taiwan. A empresa informou na segunda-feira que a TSMC começou a fabricar os chips Blackwell no Arizona.
Já os supercomputadores serão produzidos por fabricantes taiwanesas como Hon Hai Precision Industry (Foxconn) e Wistron – ambas incrementarão a produção em massa no Texas dentro de 12 a 15 meses.
Ainda não está claro se tais medidas tornarão a indústria de semicondutores dos EUA mais competitiva.
Produzir chips avançados nos EUA custa menos de 10% a mais do que em Taiwan, segundo estimativas anteriores da TechInsights.
As fabricantes de chips dependem de equipamentos da empresa holandesa ASML Holding para a etapa mais importante na produção de semicondutores de IA, e tarifas sobre esse maquinário elevarão ainda mais os custos.
Essas despesas adicionais podem não ajudar muito a recuperar a situação da Intel, cuja produção, em grande parte, está nos EUA.
Como estão os planos da indústria?
Há planos para construir 108 novas fábricas de semicondutores em todo o mundo entre 2025 e 2027, segundo outra associação setorial da indústria de chips, a SEMI – cerca de 30% a mais do que nos três anos até 2023.
Muitas estão em países europeus e asiáticos empenhados em atrair produção local de chips, diante das preocupações com as tensões entre EUA e China e com qualquer possível contingência em Taiwan.
A política “EUA em Primeiro Lugar” tem incentivado outros países a trazer a produção de dispositivos semicondutores para dentro de suas fronteiras.
A diversificação da cadeia de suprimentos está se acelerando em razão do risco político e geopolítico, disse Ajit Manocha, presidente e executivo-chefe da SEMI, acrescentando que indústria está entrando em um período de imprevisibilidade.
Essa tendência representa um desafio para a Rapidus, uma fabricante de chips japonesa apoiada pelo governo local.
Como tem dificuldades para encontrar clientes no Japão, havia direcionado suas atenções para o EUA. Agora, a tendência mundial de favorecer a produção local tornará ainda mais difícil conquistar clientes.
Por outro lado, para as fabricantes japonesas de equipamentos, que detêm cerca de 30% do mercado mundial, o aumento do número de fábricas de semicondutores pelo mundo representa um impulso no curto prazo.
Qual é o papel da China?
Por região, a participação da China nas vendas da Tokyo Electron aproximadamente dobrou em cinco anos, chegando a 44% no período de abril a dezembro de 2024.
O governo chinês intensificou a construção de fábricas de semicondutores, em resposta às restrições de exportação dos EUA.
As produções de chips para uso geral e transistores aumentou em muitas áreas em 2024. A fabricante de veículos elétricos (VEs) BYD também construiu instalações para impulsionar a produção local.
Por sua vez, as vendas de telefones celulares, computadores e VEs – que exigem grandes quantidades por chips – estão em queda, afetadas pela desaceleração econômica mundial.
A demanda pode cair ainda mais se as tarifas de Trump levarem a economia mundial a desacelerar ainda mais, aumentando as preocupações com um possível excesso repentino de oferta e uma recessão no mercado.
*Com informações do Valor Econômico
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