Análise: Bancos privados pisam no freio, enquanto governo quer acelerar crédito

A temporada de divulgação de resultados do quarto trimestre de 2024 mostrou os grandes bancos privados cautelosos com o crédito. Já se esperava um esfriamento em relação ao ano passado, mas o que se viu nas projeções de Itaú Unibanco, Bradesco e Santander é um desempenho ainda mais modesto.

A indicação feita pelo Bradesco na sexta-feira é a de que sua carteira de crédito aumentará entre 4% e 8% neste ano. No Itaú, a expectativa é parecida: alta de 4,5% a 8,5%. O Santander não abre projeções, mas o CEO do banco, Mario Leão, afirmou ser bastante improvável que a carteira avance em 2025 mais do que no ano passado, quando cresceu 6,4%.

Todas as estimativas são inferiores à projeção feita pela própria Febraban no começo deste ano, que aponta um crescimento de 9% no estoque de crédito brasileiro em 2025. O Banco Central (BC) tem uma visão ainda mais otimista, com expectativa de alta de 9,6%.

Nos dois casos, os números eram inferiores ao crescimento de 10,9% no estoque de crédito brasileiro registrado em 2024 e já refletiam um ambiente com taxas de juros mais elevadas e crescimento econômico mais fracos.

O que os dados dos bancos privados mostram agora é uma preocupação maior diante de um cenário ainda mais difícil, dado que as expectativas de inflação pioraram desde o fim do ano e ganhou força a expectativa de que a taxa Selic tenha de subir mais do que se previa — chegando a pelo menos 15% ao ano.

“Já no quarto trimestre, quando vimos desvalorização do real e perspectiva diferente para taxa de juros, demos uma reduzida no apetite ao risco”, afirmou o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, a jornalistas na sexta-feira, quando o banco divulgou o balanço de 2024. O executivo disse estar trabalhando com “muito pé no chão”. Declarações dos presidentes do Itaú, Milton Maluhy Filho, e do Santander, Mario Leão, foram na mesma linha.

No geral, os executivos dos bancos disseram não esperar uma grande piora da inadimplência por enquanto, mas as instituições financeiras estão preferindo as linhas de menor risco, embora não sejam as de spread mais elevado. O tom é de cautela e preocupação com o cenário macro.

Se os bancos estão com o pé no freio, o governo vem sinalizando que pretende usar o crédito para estimular o crescimento econômico — e melhorar a popularidade da gestão Lula.

Num primeiro sinal disso, governo e bancos vêm atuando para criar uma plataforma para facilitar a contratação de crédito com desconto em folha de pagamento de trabalhadores do setor privado — uma medida que as instituições financeiras apoiam, desde que não se imponha um teto às taxas de juros da modalidade.

Em paralelo, na semana passada, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, anunciou o aumento do prazo máximo do consignado para beneficiários do INSS de 84 para 96 meses, com o objetivo de reduzir o valor das parcelas pagas pelos tomadores.

É possível que venham mais coisas por aí. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu “surpresa” e disse que anunciará alguns programas a partir da próxima semana — o principal dele é o consignado privado. “Sabe por quê? Porque eu quero crédito para o povo”, disse ele na sexta-feira.

Durante a semana, Lula já havia falado de crédito — disse que as operações estão aumentando e que o governo anunciará medidas sobre o tema. Na quarta-feira, ele se reuniu com presidentes de bancos públicos.

“Nunca houve tanto investimento do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do BNB e do Basa. Portanto, o crédito está crescendo e vai ter mais medidas anunciadas nos próximos dias, porque não parou por aí”, afirmou Lula em entrevista às rádios Metrópole e Sociedade, da Bahia.

Fontes ligadas a instituições financeiras privadas dizem não ter tratado com o governo de outras medidas além do consignado privado. A leitura é a de que os bancos estatais serão instados a ser muito competitivos nessa linha, mas os privados também pretendem ser, pois gostam do produto.

Também há uma visão de que a governança dos bancos públicos melhorou e, hoje, deixa pouca margem para adotarem taxas artificialmente baixas — como aconteceu no governo Dilma, com impacto na base de capital e na credibilidade dessas instituições. Além disso, a percepção é a de que a equipe econômica, agora, é uma barreira a esse tipo de medida, ciente do estrago que pode fazer o mercado.

No entanto, a lembrança daquele período ainda ecoa e deixa uma preocupação no ar. O governo tenta empurrar um crédito num momento em que o Banco Central tenta esfriar a economia para conter a inflação — um com o pé no acelerador e outro, no freio. O risco é que o custo da política monetária se torne ainda mais alto.

*Com informações do Valor Econômico

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