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Análise: Mais baixo em um ano, colchão da dívida ainda garante travessia em quadro de incertezas
Nos últimos três meses antes do primeiro turno das eleições gerais no Brasil, o “colchão” do Tesouro Nacional para administrar a dívida pública teve uma queda contínua que totalizou R$ 190 bilhões. A “reserva de liquidez”, que existe para garantir o pagamento da dívida do país em momentos de maior dificuldade do mercado, fechou setembro em R$ 1,03 trilhão, o menor valor desde outubro do ano passado e um recuo de 15,5% ante a posição de junho.
Era de se esperar que em um ambiente pré-eleitoral e ainda com tanta incerteza sobre as políticas monetárias no Brasil e no exterior, além da continuação dos problemas decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia, o Tesouro tivesse alguma dificuldade para renovar todos seus vencimentos.
Nesse quadro, o custo que o governo paga para se financiar fica mais proibitivo e no final os resgates superam os novos papéis emitidos. Nesse período pré-eleitoral (julho, agosto e setembro), foram colocados R$ 316 bilhões em papéis do governo, enquanto os resgates totalizaram R$ 526 bilhões. Como o caixa não varia só por esses dois fatores, a queda foi um pouco menor do que os R$ 210 bilhões da diferença ali apontada.
Apesar do recuo do “colchão de dívida”, esse indicador ainda está em nível suficiente para cobrir vencimentos de títulos de 9,5 meses sem precisar fazer qualquer nova emissão. Essa conta não inclui outubro, mês que já está próximo de terminar e ainda não dispõe de números oficiais. Até o momento, porém, as emissões e vencimentos apontam para que o nível de caixa não tenha tido uma mudança significativa ante setembro.
Durante o primeiro ano da pandemia, a reserva de liquidez chegou a ficar perto de seu “limite prudencial”, equivalente a três meses de vencimentos. A situação gerou preocupação nos investidores, mas o país acabou não chegando ao limite – contou com uma ajuda contábil do Banco Central, é verdade. Com a paulatina melhora econômica, o Tesouro conseguiu ao longo de 2021 e nos primeiros meses de 2022 promover a recuperação dessa reserva, o que permitiu trafegar o período eleitoral sem novamente se aproximar da zona de perigo.
Mesmo com o recuo no último trimestre, a situação do caixa ainda pode ser vista como bastante positiva. Ela garante que o país, mesmo que o Tesouro não consiga colocar R$ 1 novo em mercado, consiga pagar seus compromissos até o meio do ano que vem, ou seja, pega a transição de governo e todo o início da próxima gestão, seja quem for o eleito.
E isso é muito importante porque há um grau elevado de incertezas para além da definição de quem será o titular do Planalto. Além dos já mencionados dramas externos, no Brasil há um horizonte fiscal nublado para 2023 em diante, com Lula ou Bolsonaro no comando.
Está claro que o teto de gastos foi completamente dinamitado pelas medidas eleitoreiras do atual governo no último ano e pelo debate eleitoral em si, carregado de promessas de aumento de gastos das duas campanhas. E ainda não se sabe o que vem no lugar dele.
Além disso, o orçamento de 2023 enviado ao Congresso claramente está descalibrado, não só porque não trouxe a previsão do Auxílio Brasil de R$ 600 continuar valendo, mas porque todo o cenário de receitas está confuso pela dificuldade de se prever crescimento econômico e pelo excesso de desonerações.
Até que fique claro qual será o novo arcabouço fiscal que surgirá nesse novo ciclo político e até que se tenha um quadro mais preciso sobre as despesas e receitas de 2023 pode haver muita confusão no mercado. Além disso, o próprio clima político, com possibilidade do chamado “terceiro turno” (caso Lula vença e Bolsonaro não reconheça a derrota), reforça o cenário de risco.
Nesse ambiente, o Tesouro pode ter que ficar no modo observação, reduzindo lotes de emissão, fazendo mais resgates líquidos ou mesmo tendo que usar a reserva recomprar papéis para conter distorções exageradas de preços. Dessa forma, mesmo com um colchão mais fino nos últimos meses, é preciso reconhecer que a gestão da dívida pública tem um saldo positivo e o país entra em boas condições para enfrentar os próximos meses, que podem trazer fortes emoções.
(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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