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Análise: O desafio de uma reforma do IR em 2023
“O sistema tributário brasileiro tem iniquidade vertical (quem recebe mais paga menos) e tem iniquidade horizontal (pessoas com mesmo nível de renda sofrem incidência de tributação completamente diferentes).” A frase do especialista em contas públicas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, em seminário sobre o livro “Progressividade tributária e crescimento econômico”, realizado com um grupo de jornalistas na última segunda-feira (8), é uma boa síntese sobre a problemática estrutura da taxação da renda no Brasil, que precisa ser revista o mais brevemente possível.
O livro, publicado no Observatório Fiscal do FGV Ibre, mostra como é baixa a progressividade na taxação da renda das pessoas físicas no Brasil. Por conta da isenção de dividendos, a alíquota efetiva (o quanto de fato as pessoas recolhem de tributo em proporção do total da renda) do IRPF dos 1% mais ricos, em 2019, foi de 5,25%. Isso ocorre porque no grupo dos 0,1% mais ricos, 58% dos rendimentos são recebidos na forma de lucros e dividendos.
Outra distorção está na taxação das empresas. Apesar da alíquota de 34% de IRPJ/CSLL, uma das mais altas do mundo e que afasta muitos investidores externos, a tributação efetiva após todas as deduções está, em média, em 21,7%. Esse número é inferior à média mundial, quando se exclui da amostra países que praticam alíquotas nominais inferiores a 15% – os chamados paraísos fiscais. Mas para se chegar a essa taxação efetiva menor no Brasil, é preciso que as empresas conheçam bem o emaranhado de regras e benefícios que existem na nossa legislação.
“Nós temos uma das alíquotas nominais de IRPJ/CSLL mais altas do mundo, porém, para compensar isso, fomos incluindo uma série de mecanismos e benefícios, e aí a tributação virou uma verdadeira colcha de retalhos. E isentamos integralmente os dividendos na pessoa física”, explica um dos autores do livro organizado por Pires, o economista Rodrigo Orair.
O pesquisador, que já foi diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), acredita que o país não vai escapar de discutir o tema da tributação da renda em 2023. Orair também aponta que uma mudança nas regras de taxação de lucro das companhias, que diminua a alíquota nominal de IRPJ/CSLL de 34% ao mesmo tempo em que promove a redução de benefícios usados para diminuir a base de cálculo, e combinada com a taxação sobre os dividendos recebidos pelas pessoas físicas pode gerar uma receita extra de R$ 75 bilhões a R$ 80 bilhões ao ano. Além de arrecadar mais, esse desenho, mais alinhado com as práticas internacionais, tenderia a melhorar a competitividade local e a atração de investimentos externos para o país.
O montante de recursos extras previsto é relevante e pode ter várias possibilidades de uso. Uma delas seria permitir uma redução mais acentuada da carga tributária sobre o consumo, no âmbito de uma reforma da tributação indireta (que mais uma vez fracassou no Senado neste ano). Outra possibilidade seria financiar o aumento no gasto social e eventualmente até um reajuste na tabela do Imposto de Renda.
Nas contas de Pires apresentadas aos jornalistas, a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 (prometida pelos dois candidatos líderes nas pesquisas) e uma correção da tabela que leve a faixa de isenção para R$ 2.500 custariam R$ 84 bilhões. Ou seja, a engenharia proposta por Orair cobriria quase toda essa expansão fiscal.
Aliás, vale lembrar que, com a promessa feita por Jair Bolsonaro sobre a prorrogação do Auxílio Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também já quer colocar a taxação de dividendos como mecanismo para financiar esse gasto para 2023. A reforma do IR proposta pelo governo, porém, assim como a da tributação do consumo, está parada no Senado, diante da resistência principalmente de setores empresariais que apontavam aumento de carga tributária.
Espera-se que após o fechamento das urnas e com um Congresso renovado, o próximo governo, seja ele qual for, tenha a capacidade de trabalhar na direção de um sistema tributário mais justo e mais eficiente para estimular o crescimento de longo prazo.
Como o livro deixa claro em suas mais de 300 páginas, é possível cobrar mais daqueles com capacidade contributiva maior, mas também melhorar a competitividade das empresas aqui instaladas, gerando empregos e promovendo um ciclo virtuoso de desenvolvimento. O debate está amadurecendo no Brasil, como indica o fato de haver algum grau de convergência na visão do atual governo, de corte liberal, com o que estão propondo os autores do livro, de corte mais desenvolvimentista. Fica a torcida para que em 2023 finalmente o país consiga dar esse passo na direção de um sistema mais justo.
(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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