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Análise: Indicadores das reservas internacionais pioram, mas situação ainda é confortável
Com US$ 346,4 bilhões em caixa, reservas internacionais brasileiras cobriam em maio, dado mais recente disponível pelo Banco Central, 106,4% da dívida externa do país. Ou seja, com o colchão de dólares que está sob administração do Banco Central o país poderia quitar toda a sua dívida em moeda estrangeira e ainda sobrariam mais de US$ 20 bilhões. Esse indicador de capacidade de honrar compromissos externos está no seu nível mais baixo desde 2014.
Também está em seu menor patamar, mas neste caso, dos últimos três anos, o nível de reservas em relação à dívida de curto prazo. Mesmo assim, elas cobrem mais de três vezes os vencimentos de 12 meses à frente.
Outro indicador que diminuiu sensivelmente é o de reservas internacionais líquidas, que desconta do caixa em dólar o estoque de operações de swap cambial (aquelas que equivalem a uma venda de moeda estrangeira no futuro). Em setembro, esse dado estava em US$ 223 bilhões, nível mais baixo desde 2008.
Todos esses números mostram que nos últimos anos – em parte pela pandemia, em parte pela venda de dólares para reduzir dívida pública no primeiro ano do atual governo – houve uma redução do seguro contra crises externas. Mesmo assim, os dados ainda se mostram bastante confortáveis para que o Brasil não volte a viver aquelas trágicas crises cambiais vividas nos anos 1980 e 1990.
Esses indicadores ligados às reservas ajudam na discussão que o governo resolveu provocar sobre o “nível ótimo” desse colchão em dólar. O Ipea até contratou um pesquisador bolsista para se aprofundar no tema e subsidiar com mais profundidade os estudos para um sistema de metas para as reservas internacionais. A ideia, noticiada pelo jornal O Globo na última terça-feira (13), é ter um sistema de bandas na qual o governo venderia os dólares se o colchão superasse um determinado valor e, na direção contrária, compraria divisas caso o piso fosse rompido.
A ideia ainda não está avançada, mas a discussão é real. Na base da proposta está exatamente a tese de que se deve buscar um “nível ótimo” para esse seguro em dólar, de forma a evitar que o país pague um custo fiscal excessivo (a contrapartida de reservas altas é dívida bruta mais alta) e também reduzir a volatilidade da taxa de câmbio.
Embora nas conversas internas o ministro Paulo Guedes tenha falado que a ideia é de um objetivo que seja público, o arranjo pode acabar sendo diferente, para dar maior margem de manobra para o BC alcançar o objetivo sem ser castigado pelo mercado. E mesmo o alvo a ser definido, à semelhança do regime de metas de inflação, pode variar conforme o tempo – até porque o tal “nível ótimo” de reservas depende de uma série de variáveis macroeconômicas que mudam ao longo dos meses e anos.
A proposta, ainda não detalhada publicamente, já nasce, porém, polêmica. Diversos economistas, abertamente ou em conversas reservadas, criticam a ideia, apontando principalmente que ela será um chamariz para que investidores e especuladores apostem, e ganhem, contra o Banco Central. E dessa forma poderia até piorar a volatilidade cambial.
O professor da Unicamp e especialista no tema cambial, Pedro Rossi, destaca que o debate sobre nível ótimo de reservas é extremamente controverso. Ele diz que nenhum lugar do mundo deu “esse passo de propor metas de intervenção com bandas para variação para as reservas”. “Sua implementação aumentaria a volatilidade e tornaria o Banco Central alvo da especulação cambial. Além de ser mais uma iniciativa para engessar a política macroeconômica”, disse Rossi.
Ex-diretor do departamento de mercado aberto do BC, o economista Sergio Goldenstein disse em sua conta no Twitter que o efeito da iniciativa seria o contrário de dar previsibilidade ao câmbio. “O BC teria menos munição para atuar mitigando a volatilidade. Como se sabe, não há como controlar quantidade e preço simultaneamente”, afirmou o analista.
Ele acrescentou que o outro possível objetivo, de reduzir a dívida pública, pode ser atingido de forma mais simples. “Se a avaliação é que o nível de reservas está acima do desejável, nada impede que o BC venda reservas de forma gradativa (para não distorcer a taxa de câmbio), sem necessidade de meta”, comentou, lembrando que as reservas não afetam a dívida líquida, apenas a dívida bruta. “Mas os custos em termos de dívida pública decorrem principalmente de uma taxa básica de juros muito alta e acima de outros mercados emergentes e não da existência de reservas, que, por sinal, contribuem para reduzir o prêmio de risco do país”, completou.
Fica claro que o tema, que surge às vésperas da eleição e com o dólar ainda bem alto no Brasil, já nasce sob o signo da controvérsia. E nesse sentido, os dados atuais das reservas mostram que a situação desse seguro já é razoavelmente diferente do que quando começou este governo. É bom que a equipe econômica conduza o tema com cautela para não correr o risco de o Brasil voltar a ter vulnerabilidade externa.
(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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