BNP Paribas prevê ações pró-crescimento de Trump, apesar de desaceleração econômica

Estrategista da BNP Paribas avalia cenário econômico americano e suas implicações para mercados emergentes, com foco no impacto das políticas de Trump e realocação de capital.

Os sinais de desaceleração apresentados pela economia americana nos indicadores recentes não necessariamente refletem as medidas já adotadas e as futuras iniciativas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mas são parte de um movimento de “pouso suave”.

Ou seja, de desaceleração gradual, que já era esperado antes mesmo do resultado da eleição. Essa é a avaliação do estrategista-chefe para mercados da BNP Paribas Asset Management, Daniel Harris.

“A hipótese antes das eleições era de que haveria um pouso suave da economia, com o crescimento desacelerando e a inflação caindo em linha com o esperado pelo Federal Reserve [Fed], certo? Digamos, então, que parte do que estamos vendo teria acontecido de qualquer maneira, mesmo que não houvesse tarifas, por causa da própria tendência da economia”, disse Harris.

Ele concedeu entrevista ao Valor na última semana, em visita ao Brasil. Ele projeta, ainda, que a inflação causada pelas tarifas deve ser temporária e espera que o governo Trump tenha iniciativas pró-crescimento.

“Ele acabou de ser eleito… Parece que está aí faz tempo, mas [o governo] acabou de começar”, diz.

Quaisquer políticas que você espere de Trump, para ser honesto, não é para ter efeito hoje. Serão necessários três ou seis meses para terem efeito, especialmente quando falamos de investimentos, desregulamentação da economia, fusões e aquisições… Isso só veremos no futuro”, afirma.

Como o sr. avalia o cenário para mercados emergentes com a perspectiva de enfraquecimento da economia americana?

A meu ver, sempre há um ganho de um lado e uma perda de outro. Certamente, para mercados emergentes que têm mais desafios próprios, como déficits em conta corrente e déficits fiscais, a questão global pode acabar em segundo plano.

Diferentemente dos mercados emergentes que não têm essas questões, o crescimento econômico dos EUA pode ter mais importância. De forma geral, acredito que o ambiente para o mercado emergente é encorajador, mas ao mesmo tempo não acredito que os países desse grupo, com exceção da China, possam ter um desempenho muito diferente do que vimos recentemente.

Mas, ainda assim, deve permanecer bem.

Como deve ser o fluxo e a alocação de capital com uma perda de força da economia americana?

Antes das eleições nos EUA, havia uma preferência por alocação de recursos em ativos americanos, ocorrendo um posicionamento mais forte por lá. Honestamente, esse foi um passo certo a ser feito naquele momento, porque fazia sentido, mas tivemos uma surpresa neste ano. Essa postura não deu certo.

Parte da diferença do que era esperado para o que de fato ocorreu se deu por conta de uma expectativa de crescimento menor na economia americana e uma perspectiva de maior crescimento na China e na Europa.

O que estamos vendo agora é mais um equilíbrio, o que acho ser algo positivo. Acredito, então, que Europa e China devem ser os maiores beneficiários da realocação de fluxo global. Para outros emergentes, não vejo um fluxo tão claro.

E a América Latina?

Se pensarmos na América Latina, o desempenho dos mercados está diretamente ligado aos preços de commodities, em especial do petróleo, e não temos uma visão de alta para os preços do petróleo, e imagino que isso seja uma perspectiva geral.

Em termos gerais, teremos mais ofertas [da commodity], sabemos [da política de Trump sobre mais exploração de petróleo], “drill, baby, drill”. Ou seja, mais produção ao mesmo tempo em que a demanda se tornará mais fraca.

Há espaço para cortes de juros do Fed neste ano?

A hipótese antes das eleições era de que haveria um pouso suave da economia, com o crescimento desacelerando e a inflação caindo em linha com o esperado pelo Fed, certo? Naquela época, o mercado acreditava que o nível dos Fed funds no fim deste ano seria de 3,5%.

Mas Trump venceu e, em vez de um pouso suave, assumimos que teríamos um crescimento forte e contínuo. Foi quando passamos a falar sobre o “excepcionalismo” da economia dos EUA, porque teríamos políticas pró-crescimento com o novo governo, o que fez com que o nível das expectativas sobre os Fed funds subissem bastante.

Desde então, como vimos neste ano, a percepção passou a ser de que a economia americana irá perder força. Com isso, a precificação do mercado voltou para mais ou menos onde estava antes das eleições, o que pode significar em parte a ideia de que talvez tenhamos um pouso suave.

Então os EUA podem não desacelerar de forma brusca?

Parte do que estamos vendo teria acontecido de qualquer maneira, mesmo que não houvesse medidas de Trump. Até porque, quaisquer políticas que você espere de Trump agora, para ser honesto, não é para ter efeito hoje ou amanhã.

Serão necessários três ou seis meses para terem efeito, especialmente quando falamos de investimentos, desregulamentação da economia, fusões e aquisições… Isso só veremos no futuro.

Ele acabou de ser eleito. Parece que está aí faz tempo, mas [o governo] acabou de começar. Ainda esperamos políticas pró-crescimento de Trump. Teoricamente, perto do fim do ano, talvez as coisas tenham melhorado.

Em relação às empresas americanas, as big techs devem se manter dominantes?

Acho que já vimos um pouco disso neste ano [perda de dominância]. Agora devemos ver uma atenção mais ampla, em diferentes segmentos. Quando falávamos de inteligência artificial, pensávamos primeiro em tecnologia de informação e produtores de semicondutores, mas também gostamos de considerar o setor de energia, porque vamos precisar deles para ver os data centers funcionando.

Para além da criação da inteligência artificial, tem de se pensar no uso dessa inteligência. Então, com o tempo, você verá o aumento do uso de IA em partes não tecnológicas.

Teria algum segmento a se beneficiar mais agora?

O que ouvi de um de nossos economistas recentemente é que, em muitos lugares, os mercados de trabalho estão apertados, em parte como consequência da covid ou de outros motivos. Em geral, as taxas de desemprego estão baixas e a demanda por mão de obra ainda é alta.

Com isso, os bancos centrais estão preocupados com a demanda excessiva por mão de obra, aumentando os salários e a inflação. Vamos supor que você é [responsável pelo] McDonald’s e precisa contratar alguém para vender hambúrgueres. Imaginemos que agora você pode não querer pagar US$ 20 por hora com algo que provavelmente era metade disso antes da pandemia.

Então, para empresas em que a mão de obra representa uma parte alta de todos os custos, acho que você verá um uso inicial da IA, particularmente para tentar substituir esse trabalho. Já vimos isso de alguma forma…

Antes, quando você ia comprar um café, era atendido por alguém e, hoje, já consegue fazer isso em um painel. Se o McDonald’s adotar isso em todas as suas lojas, o quanto não podem economizar em mão de obra?

Com informações do Valor Econômico

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