Bolhas imobiliária e de ativos dos EUA podem estourar este ano, diz ex-executivo do FMI

Em entrevista, Desmond Lachman falou de suas expectativas para a reunião de março do Fed

Foto: Pexels
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Com a inflação avançando, o Federal Reserve dos Estados Unidos (Fed, o banco central americano) deve aumentar as taxas de juros em sua reunião de política monetária de março. Quais são os riscos de tais movimentos?

O “Nikkei Asia” perguntou a Desmond Lachman, membro sênior do American Enterprise Institute e ex-vice-diretor do Departamento de Desenvolvimento e Revisão de Políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

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Nikkei Asia: Quais são suas expectativas para a reunião de março do Fed?

Desmond Lachman: Eles estão começando com taxas de juros de zero por cento. Isso significa que eles têm muitos aumentos nas taxas de juros para fazer durante o ciclo, apenas para que as taxas de juros voltem a níveis positivos em termos reais. Mesmo que aumentem as taxas de juros em uma, duas, três vezes durante o restante do ano, a política monetária permaneceria muito frouxa, em um momento em que a inflação está muito alta.

Nikkei Asia: O presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou que o banco central será “humilde e ágil” na luta contra a inflação. Você acha que o Fed está atrás da curva?

Lachman: Com certeza. O Fed está totalmente atrasado, e uma das razões pelas quais o presidente Powell está dizendo que precisa ser “humilde e ágil” é que o Fed errou muito no ano passado. O Fed estava dizendo que a inflação seria de apenas 1,8% durante todo o ano, e mesmo por sua própria medida a inflação acabou sendo algo como 5%. Foi três vezes o valor que o Fed esperava. Eles entenderam os problemas da cadeia de suprimentos de forma totalmente errada. Eles achavam que as coisas se esclareceriam muito rapidamente. Eles mantiveram a política monetária muito frouxa por muito tempo.

Nikkei Asia: Quais são os riscos com o próximo aperto? Há temores de que o Fed se apresse para matar a inflação e acabe exagerando na dose sobre a economia?

Lachman: O Fed tem um problema muito grande que criou para si mesmo, pois não apenas temos inflação de preços, mas também temos inflação de preços de ativos. O que aconteceu no ano passado é que, porque eles estavam comprando grandes quantidades de títulos, isso criou uma bolha no preço das ações, então temos avaliações de ações agora em níveis que só vimos uma vez nos últimos cem anos.

Há condições de bolha no mercado de ações, e a mesma coisa com o mercado imobiliário nos Estados Unidos, que os preços das casas, hoje, mesmo se você ajustar pela inflação, estão mais altos do que eram em 2006, antes da última crise da habitação ocorrer. Essas bolhas nos mercados de ações e imóveis foram baseadas na suposição de que as taxas de juros permaneceriam baixas para sempre. Então, assim que o Fed começar a aumentar as taxas de juros de forma agressiva, existe o risco real de que ele estoure as bolhas dos preços dos ativos e isso possa nos levar a uma recessão. Já se vê isso com as áreas tecnológicas.

Nikkei Asia: Parece que o mercado está perdendo a confiança no Fed.

Lachman: Se os mercados perceberem que o Fed está atrás da curva, você terá uma grande liquidação no mercado de títulos. Já tivemos isso antes. Até agora, o que o mercado fez foi dar ao Fed o benefício da dúvida, dizendo: ‘Compramos sua visão dos problemas do lado da oferta de que a inflação é apenas um fator temporário, que as questões do lado da oferta vão diminuir e a inflação vai descer.’ Mas, se virmos os números da inflação, se virmos a inflação dos preços ao consumidor continuando a 7% mês após mês, os mercados perderão credibilidade, aumentarão os rendimentos dos títulos, venderão os títulos, e isso estará pressionando o mercado de ações. Minha expectativa é que você terá muita volatilidade no próximo ano, e temo que o que podemos ver é o estouro das bolhas do mercado imobiliário e dos ativos no fim deste ano.

Nikkei Asia: Qual será o efeito cascata de um aumento da taxa de juros dos Estados Unidos no mundo, especialmente nos mercados emergentes?

Lachman: Não há dúvida de que o que acontece nos Estados Unidos terá impacto no resto do mundo. À medida que o Fed adota uma política monetária mais rígida, o dinheiro voltará para os Estados Unidos, em parte porque haverá taxas de juros mais altas nos Estados Unidos, em parte porque o dólar provavelmente se fortalecerá à medida que as taxas de juros dos Estados Unidos subirem. Então, isso poderia colocar muita pressão sobre as economias de mercado emergentes. O que me preocupa também é que, à medida que o Fed está apertando a política, a economia chinesa está desacelerando rapidamente, e a China parece ter problemas reais em seu setor imobiliário. Em 2022, a economia dos Estados Unidos terá uma política monetária mais apertada e um crescimento econômico mais lento, mas a China estará desacelerando ao mesmo tempo. Essa é uma combinação muito ruim para as economias de mercado emergentes, porque a China é o maior consumidor mundial de commodities negociadas internacionalmente. Pudemos ver os preços das commodities caindo. Isso provavelmente será difícil para as economias de mercado emergentes no próximo ano.

Nikkei Asia: Enquanto isso, o déficit fiscal está se expandindo nos Estados Unidos.

Lachman: Não há dúvida de que as perspectivas de longo prazo para o dólar não são boas, que o que temos são níveis recordes de dívida pública, temos déficits orçamentários recordes, que esses déficits não serão reduzidos a qualquer momento em breve. O que pode ser bom para o dólar no longo prazo é que ele não tem concorrentes sérios. Se a China estiver com problemas, significa que o yuan não pode ser um concorrente sério do dólar, e também podemos ter uma nova crise da dívida da zona do euro porque países como Itália, Portugal e Espanha têm níveis de dívida pública muito altos e assim que o BCE parar de fornecer apoio por meio de seus programas de compra de títulos, poderemos obter uma renovação das tensões na zona do euro. O dólar poderia ser “poupado” por essa razão – não porque ele seja bom, mas porque é melhor do que as moedas dos outros países. Mas os Estados Unidos realmente precisam consertar seus caminhos, porque não há como você continuar incorrendo em déficits orçamentários como este, continuar aumentando a dívida pública, sem ter problemas, e depois pedir a estrangeiros que comprem seus títulos. O que é preocupante é que não há nenhum consenso sério sobre como colocar o orçamento em ordem. Não temos nenhum eleitorado, seja no Partido Democrata ou no Partido Republicano, para medidas orçamentárias sérias, para reduzir o déficit de maneira razoável. Não há um plano real de longo prazo para lidar com o déficit orçamentário. Não estou dizendo que você não precisa de gastos públicos adicionais ou que não precisamos de gastos com infraestrutura. Se você precisa deles, o que você também precisa fazer é ter os impostos que os financiem.

Com Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor Econômico

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