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Carta do Banco Central e IPCA de 2022 mostram cenário complexo para a inflação
Um olhar mais detalhado sobre o IPCA do fechamento de 2022 e a leitura da carta do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para o ministro da Fazenda justificando porque não cumpriu a meta de inflação pelo segundo ano seguido mostram o tamanho da dificuldade em que se encontra o país neste ano.
O IPCA de 2022 fechou em 5,8%, mas esse número esconde um cenário mais sombrio para os preços. O índice “cheio” foi bastante impactado por medidas tributárias, parte delas temporárias, que provocaram deflação nos chamados preços administrados, como combustíveis e energia.
Enquanto isso, os preços livres, aqueles que refletem oferta e procura na economia mais claramente, fecharam o ano com alta de 9,4%.
As chamadas medidas de “núcleo de inflação”, que excluem ou mitigam variações exacerbadas de preços (para cima ou para baixo), também rodaram bem acima da inflação oficial, com taxas entre 8,5% e 10%. Isso explica porque a sensação das pessoas nos supermercados e outros varejistas é de que a escalada de preços segue sem dar um refresco.
A carta do BC, divulgada nesta terça, admite que há risco de que neste ano o alvo definido pelo Conselho Monetário Nacional mais uma vez não seja alcançado. A projeção da própria autoridade está em 5%, para um limite superior de 4,75% fixado para 2023.
Desafio para o BC e para a Fazenda
Esse ambiente de inflação ainda pressionada, mesmo com sinais de arrefecimento, é um desafio não só para o BC de Campos Neto, que caminha para repetir um feito negativo de exatos 20 anos atrás (o “hat trick” do descumprimento da meta ocorreu também entre 2001 e 2003), mas também para o Ministério da Fazenda de Fernando Haddad.
O chefe da Fazenda trabalha em um conjunto de medidas para tentar reduzir o rombo fiscal. Mas opera em um ambiente politicamente tensionado e inflacionariamente carregado e no qual há enorme atenção dos mercados sobre os rumos, até o momento desconhecidos, da economia.
Recado de Campos Neto a Haddad
Nesse sentido, Campos Neto advertiu seu colega da Esplanada, em sua carta, sobre a necessidade de se reduzir a incerteza fiscal, que aumentou após a aprovação da PEC da Transição, com sua expansão de gastos de R$ 168 bilhões e comando para que uma nova regra fiscal seja feita por lei complementar.
“O Comitê reiterou os diferentes canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação não só por meio dos efeitos diretos na demanda agregada, como também via preços de ativos, grau de incerteza na economia, expectativas de inflação e taxa de juros neutra”, diz o documento.
O Comitê avaliou que mudanças em políticas parafiscais ou a reversão de reformas estruturais que levem a uma alocação menos eficiente de recursos podem reduzir a potência da política monetária”, acrescenta a autoridade monetária.
Alertas que incomodam
Esse tipo de alerta fiscal tem sido a tônica do BC há muitos anos. Chegou inclusive a irritar a equipe do ex-ministro Paulo Guedes, que questionava a “barbeiragem” da redução dos juros para 2% em 2020 e do malfadado “forward guidance” adotado pela autoridade monetária naquele ano pandêmico.
Ao repetir o alerta na carta, Campos Neto acaba por, na prática, tentar minimizar sua derrota nos últimos dois anos e, no mínimo, dividir a culpa por mais um ano de perda do objetivo. Ainda que inflação seja uma tarefa do BC, especialmente em um ambiente no qual ele ganhou independência formal, é bem-vinda a ajuda dos demais atores da política econômica.
Por isso, ainda que não se deva esperar algum ajuste draconiano nas medidas que devem ser anunciadas em breve, todo cuidado para sinalizar como o governo vai estabilizar a situação fiscal e a dívida pública é pouco nesse momento. Se o mercado azedar e o dólar disparar, o processo de desinflação pode ir para o espaço. Será o primeiro teste efetivo de Haddad e que poderá já mostrar se ele está à altura do desafio proposto a ele por Lula.
Por Fabio Graner, do Jota
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