Nova regra do vale alimentação: portabilidade é ponto de discordância entre empresas
Portabilidade vai favorecer os grandes , diz Abrasel; iFood diz que poder passa para mão do trabalhador
O presidente Jair Bolsonaro publicou no Diário Oficial da União desta segunda-feira (5) as novas regras para uso dos benefícios de alimentação e refeição, que precisam voltar ao Congresso para aprovação em segunda votação depois das mudanças feitas no texto original.
Os players do setor concordam na maior parte dos pontos alterados, mas há um que ainda causa discordância: a regra da portabilidade, criada por Bolsonaro no novo texto e que, segundo representantes dos pequenos e médios players do setor, pode favorecer as grandes empresas.
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A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) viu as novas regras como positivas porque, segundo a associação, acaba com a prática chamada de rebate, quando as operadoras de benefícios oferecem descontos às grandes empresas para conquistar folhas de benefícios.
Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel, afirma que a prática do rebate acarretava no aumento das taxas cobradas dos bares e restaurantes.
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“Nós acabamos com rebate, aquele custo onde, por exemplo, vendia-se um voucher de R$ 100 por R$ 95 para o RH de uma empresa, e aquilo virava custo para o nosso setor. Era um problema gravíssimo, histórico, só existia no Brasil e a nova lei acaba com isso”, diz o representante da entidade empresarial.
Exclusividade para alimentação
Também ficou garantido na lei o uso do vale exclusivamente para os gastos com alimentação, proibindo o emprego do recurso para pagamento de academia, streamings e outros, como vinha sendo feito por algumas empresas entrantes nesse mercado.
“Agora, há multas que variam entre R$ 5 mil e R$ 50 mil, o que dará maior poder ao governo para fiscalizar e punir aqueles que promoverem desvio de finalidade”, disse a Abrasel.
Portabilidade pode conter riscos
Duas medidas previstas na nova lei passam a valer em maio de 2023, mas ainda têm de passar por regulamentação: a interoperabilidade, que obriga o compartilhamento das redes de pagamento pelas empresas de benefícios, e o da portabilidade, que traz a possibilidade de migração do trabalhador de uma operadora de benefícios para outra.
No caso da portabilidade, a associação destacou que há risco de aumento de custos ao trabalhador.
“Estamos muito preocupados com a questão da portabilidade porque, na nossa opinião, ela ilude a sociedade e o trabalhador de que é algo bom, onde você pode optar por sair de uma empresa de vale A para uma empresa de vale B com benefícios, normalmente o cashback, mecanismo que permite o acréscimo de crédito para o usuário”, diz Paulo Solmucci.
Ele acrescentou: “por exemplo, o trabalhador tem um benefício de R$ 100 e recebe R$ 105, com 5% a mais, para trocar de empresa. Isso, no fundo, acaba virando custo para o nosso setor, que certamente vai parar no cardápio, cujos preços aumentam. O consumidor, então, não ganha com isso, tampouco os bares e restaurantes”, disse. No fim, a prática seria quase como um rebate, mas, no lugar de uma negociação com a empresa, essa negociação acontece com o cliente.
A mudança ainda será regulamentada. Por enquanto, não há um sistema para controlar essa portabilidade. Segundo a associação, caberá ao Banco Central construir uma câmara de compensação. “É um processo que vamos acompanhar de perto para ver se a regulação sairá da maneira adequada”, disse Solmucci.
Cashback como prática anticompetitiva
Karen Fletcher, líder do Jurídico da Caju, empresa de tecnologia que opera benefícios corporativos, concorda que as novas regras para o vale-alimentação ou vale-refeição vão coibir práticas anticompetitivas no mercado, mas ela também pondera sobre a questão da portabilidade e sobre como empresas de grande porte podem se beneficiar disso em detrimento dos players menores.
“Empresa com grande poder econômico consegue oferecer cashback. Tem ainda a regulamentação a ser feita de como a portabilidade vai ser operacionalizada. A gente entende que isso (abertura para o cashback) pode ser prejudicial”, afirma a representante jurídica da empresa.
IFood: escolha deve ser do trabalhador
O iFood viu a mudança como uma vitória dos trabalhadores ao trazê-los ao centro da política pública e elogiou a questão da portabilidade porque, segundo a empresa, abre a possibilidade de o trabalhador escolher a gestora que administrará o seu benefício, retirando essa decisão da mão do empregador.
“A legislação aprovada abraça a tecnologia, incentiva a inovação e estimula a competição, o que beneficia diretamente os trabalhadores que passam a ter o controle do que é seu por direito”, defendeu o iFood em nota.
Segundo a empresa, com um ambiente mais competitivo e inovador, os restaurantes também ganham porque “vão contar com taxas mais baixas e conquistar os clientes com uma alimentação mais barata”, diz a empresa.