China em recessão: crise imobiliária e guerra tarifária com EUA agravam cenário econômico

A combinação da crise imobiliária chinesa com a guerra tarifária com os EUA aprofunda a recessão

A espiral descendente do setor imobiliário da China aprofundou-se em 2024, segundo os balanços mais recentes das incorporadoras do país, de forma que não servirá de alívio para a segunda maior economia do mundo diante da escalada das tensões comerciais com os EUA.

Mesmo após as intervenções do governo chinês para atenuar a falta de liquidez, os balanços de uma série de grandes incorporadoras chinesas mostraram aumento nos prejuízos e no endividamento de curto prazo.

Prejuízo recorde em estatal

Na segunda-feira à noite (31), a incorporada China Vanke Group, uma das mais conhecidas do setor imobiliário na China, controlada por uma operadora estatal de metrô, anunciou um prejuízo recorde de 49,5 bilhões de yuans (US$ 6,8 bilhões) em 2024, ainda pior do que o alerta sobre os resultados feito em janeiro, prevendo uma perda de 45 bilhões de yuans. É o primeiro prejuízo anual da empresa desde sua oferta pública inicial de ações em 1991.

Suas vendas contratadas, principal fonte de receita para a maioria das incorporadoras, caíram 35% na comparação anual, totalizando 246 bilhões de yuans, segundo o balanço anual da empresa, encaminhado à Bolsa de Valores de Hong Kong. Haverá um “pagamento concentrado” de dívidas em 2025, o que ameaça “intensificar ainda mais a pressão de liquidez”, destacou a empresa.

Em fevereiro, a China Vanke conseguiu um empréstimo de três anos de 4,2 bilhões de yuans do Shenzhen Metro Group, seu maior acionista, para aliviar a pressão com o pagamento das dívidas. O anúncio do dinheiro veio depois da renúncia em janeiro do executivo-chefe da empresa, Zhu Jiusheng, e do presidente do conselho de administração, Yu Liang, pelo que disseram ser motivos pessoais.

Country Garden: também endividada

Outra incorporadora muito endividada, a Country Garden, divulgou no domingo passado (30) que teve uma receita de 252,8 bilhões de yuans em 2024, 37% a menos na comparação anual.

Graças a cortes nos custos operacionais e à redução do valor contábil de contas a pagar, o prejuízo atribuível aos acionistas da empresa de Foshan caiu substancialmente, para 32,8 bilhões de yuans no último ano, em comparação à perda recorde de 178 bilhões em 2023.

Ainda assim, a pressão da dívida sobre a incorporadora não mudou muito. A dívida total somou 253,5 bilhões de yuans no fim de 2024, acima dos 249,6 bilhões de yuans de 12 meses antes.

O lucro líquido da incorporadora Longfor Group, uma das poucas grandes de capital privado da China, caiu 19,1% no ano, para 10,4 bilhões de yuans em 2024, segundo o balanço anual divulgado na semana passada. As vendas contratadas somaram 101,1 bilhões de yuans em 2024, 42% a menos do que em 2023.

Ao todo, as 100 maiores incorporadoras da China venderam unidades no valor de 4,35 trilhões de yuans em 2024, 30,6% a menos do que no ano anterior, segundo o China Academy Index, um instituto de análises do setor imobiliário.

A anemia do mercado imobiliário complica os esforços de Pequim para reanimar a demanda interna, a prioridade econômica do governo em 2025, segundo economistas, diante da elevação das tarifas sobre as exportações chinesas anunciadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

“Há muito tempo nossa opinião é que, sem uma estabilização real do setor imobiliário, não haverá uma recuperação real da economia chinesa”, escreveu Ting Lu, economista-chefe encarregado da China no banco de investimento Nomura, em nota a clientes em meados de março.

Além disso, alguns analistas ressaltam que governos e empresas apoiadas pelo Estado acabaram ganhando um maior domínio sobre o assolado setor imobiliário à custa dos concorrentes de capital privado.

A tendência pode enfraquecer a vitalidade do setor imobiliário privado e aumentar o “risco moral” representado pelo socorro a incorporadoras muito endividadas – o que poderia encorajar algumas a optar por não pagar dívidas na expectativa de um socorro público.

A incorporadora estatal Poly Property Group, ligada às Forças Armadas chinesas, anunciou um crescimento de 1% nas vendas contratadas, para 54,2 bilhões de yuans em 2024, tornando-se uma das únicas incorporadoras chinesas de capital aberto com crescimento nesse critério entre as 20 principais compiladas pela China Real Estate Information Corp.

Mesmo assim, a Poly Property teve uma queda de 87% no lucro atribuível aos acionistas, para 183 milhões de yuans, em 2024, segundo seu balanço anual, divulgado em 20 de março.

“Acreditamos que o mercado imobiliário ainda permanecerá tentando sair do fundo do poço neste ano”, disse Wan Yuqing, presidente da Poly Property, a repórteres e investidores em Hong Kong.

“Basicamente, tem sido uma nacionalização em câmera lenta do setor de desenvolvimentos imobiliários, no qual praticamente todas as grandes incorporadoras privadas desapareceram”, disse Nicholas Borst, diretor de análises sobre a China na firma de consultoria de investimentos Seafarer Capital Partners.

“O resultado é que os concorrentes privados, bons e ruins, foram varridos do mapa”, acrescentou Borst.

Setor imobiliário sofre declínio contínuo na China

Outrora um pilar do crescimento econômico, o setor imobiliário chinês vem sofrendo de um declínio contínuo desde agosto de 2020, quando as autoridades lançaram uma campanha de desalavancagem conhecida como “três linhas vermelhas” e desencadearam uma crise de liquidez na China Evergrande e em outras grandes incorporadoras muito endividadas. O volume enorme de construções inacabadas deixou compradores em potencial cautelosos, o que empurrou os preços para baixo e deixou o mercado com um excesso de residências desocupadas.

Embora as autoridades chinesas tenham promovido desde setembro uma série de medidas, como os cortes nas taxas de financiamento imobiliário, para tentar reanimar o atribulado setor, a recuperação em grande medida tem ficado limitada às megacidades.

“A não ser em várias cidades de primeira grandeza com mais sorte, o setor imobiliário ainda está em contração, o que prejudica a confiança das famílias no futuro de sua renda e patrimônio”, escreveram economistas do Nomura em relatório divulgado em 21 de março.

Os sinais de alerta continuam piscando. Em 70 cidades pesquisadas pelo órgão estatal de estatística da China, os preços das casas, as vendas e o investimento continuaram a cair em fevereiro.

Em fevereiro, os preços das casas novas nas 70 cidades caíram 0,14% em relação ao mês anterior, segundo dados do banco holandês ING. Em janeiro, a queda mensal havia sido de 0,07%.

O investimento em desenvolvimentos imobiliários caiu 9,8% nos primeiros dois meses de 2025, em comparação com mesmo bimestre do ano anterior. Em janeiro e fevereiro, o declínio na construção de novas unidades teve aceleração para 30%, após a queda de 23% no mesmo período de 2024.

“Os dados de fevereiro mostraram que seria sensato para as autoridades não tiraram o pé do acelerador em termos das políticas de apoio”, disse Lynn Song, economista-chefe para a Grande China no ING, acrescentando que considera “mais provável uma recuperação em forma de ‘L’ do que uma recuperação em forma de ‘U’ ou ‘V’”.

*Com informações do Valor Econômico

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