Análise: Congresso tende a dificultar agenda desenvolvimentista de Lula, mas pode impor mais gastos sob Bolsonaro

Câmara e Senado mais para o centrão e direitistas colocam diferentes desafios a cada eventual presidente, diz Fabio Graner, do JOTA

Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Pedro França/Agência Senado
Congresso Nacional, em Brasília. Foto: Pedro França/Agência Senado

O resultado do primeiro turno das eleições de 2022 produziu uma onda de euforia nos mercados locais, também favorecidos por um certo alívio externo hoje. Parte desse movimento (alta de mais de 5% da bolsa e queda semelhante da taxa de câmbio) se deve à percepção de que um Congresso com maioria do centrão e da direita representa um freio em ímpetos mais desenvolvimentistas de uma eventual administração petista e, caso o governo atual se reeleja, favorece a continuidade de uma agenda econômica mais reformista/liberal.

Essas leituras fazem todo sentido, mas é importante também que se olhe as nuances do que pode vir de 2023 em diante para além das matemáticas de bancadas e definições ideológicas.

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Ainda favorito para a segunda rodada, já que terminou ontem com seis milhões de votos à frente do presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se eleito, de fato não deve ter vida fácil no Congresso. Sobretudo, em seu início. E com isso, uma agenda econômica mais à esquerda tende a ser de fato contida pelo Congresso.

Mas ainda parece cedo para saber se ele vai acionar o botão “Palocci”, no sentido de uma solução que aponte para a ortodoxia econômica, seja antes do segundo turno seja depois da eleição. Há negociações a serem feitas com os candidatos derrotados e esse caminho mais ao centro. Especialmente em se tratando de Simone Tebet, cuja pauta econômica era bem cara à “Faria Lima”, um Lula abertamente mais ao centro pode ser parte do cardápio de negociação.

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Ao mesmo tempo, porém, há o desafio de se manter a militância petista mobilizada e esforço para não perder os votos do primeiro turno, quando Lula manteve um discurso mais à esquerda.

Também é preciso considerar que, se o desenho do Congresso claramente dificulta pautas mais ambiciosas à esquerda (pela dificuldade de se constituir maioria de 3/5, o que seria necessário por exemplo para revogar o teto de gastos), por outro não torna o país necessariamente ingovernável para o representante desse espectro político.

Fontes ligadas ao ex-presidente comentam, por exemplo, que metade do PL, de Valdemar Costa Neto e que elegeu a maior bancada (99 deputados), tenderia a embarcar no governo, se Lula ganhar. O PSD provavelmente faria movimento semelhante.

Com MDB e PSDB, Lula teria condições de sentar para conversar, assim como com o PP, do titular da Câmara, Arthur Lira. Dessas negociações, derivariam outras discussões sobre custos e formatos de acordos políticos com esses parlamentares, mas esse é outro debate.

Mesmo no atual governo, interlocutores alertam para a volatilidade do apoio político do Congresso, que pode mudar bastante com o tempo, independentemente das juras ideológicas do centrão/direita — como já o fez Lira em sua entrevista dessa tarde à GloboNews falando de Congresso liberal e reformista. Em outras palavras, o tal “freio” à agenda desenvolvimentista pode se esvair com o tempo, na visão de gente do atual governo.

Também é bom lembrar que em alguns aspectos o PT pode acenar com uma política econômica mais desenvolvimentista sem precisar do Congresso. Por exemplo, para colocar bancos públicos e Petrobras com papel mais ativo em termos de políticas públicas. Já o fez no passado e tem dito que o fará. Pode ser levado a usar uma dosagem maior do que pretendia — ainda que tenha que cuidar de como lidar com os órgãos de controle e sua postura mais conservadora desde 2015. Também pode trabalhar regras para política de estímulo ao crédito via Conselho Monetário Nacional (CMN), entre outras medidas que quem está no Executivo sempre descobre como fazer.

Lula sempre foi e continua sendo um pragmático, como provam as atitudes de colocar Geraldo Alckmin de vice e Guilherme Boulos e Meirelles na mesma foto. Mas também é fato que ele está mais à esquerda hoje do que quando governou entre 2003 e 2010.

Pelo seu estilo, tende a se adaptar às circunstâncias parlamentares e negociar ao extremo, se ganhar, e pode até caminhar para a solução estilo “chama o Meirelles”. Mas é difícil acreditar que não tentará fazer, ainda que em doses menores, aquilo que vem prometendo na campanha. E para essa agenda, o mercado financeiro majoritariamente não tem simpatia, mesmo em versões moderadas.

No caso de o presidente Jair Bolsonaro conseguir tirar a vantagem de Lula e virar o jogo, a configuração do Congresso tende a favorecer a atual agenda econômica — com sua direção de longo prazo de um estado menor, privatizações e reformas de caráter microeconômico. O que é música para os ouvidos daqueles que movimentam grandes capitais.

Um risco para o time de Paulo Guedes, porém, é o Congresso querer, a partir de uma discussão de revisão na regra de teto de gastos que o governo caminha para propor, capturar ainda mais espaço no orçamento. Nesse caso, o tamanho da flexibilização do limite de despesas pode ficar maior do que o planejado e vislumbrado hoje quando se analisam as propostas técnicas que estão na mesa. De qualquer forma, difícil imaginar um cenário de aumento desenfreado de gastos, ainda que a qualidade desses possa cair ainda mais.

A ver os próximos capítulos, que envolvem uma série de variáveis que não foram possíveis de se explorar aqui.

(Por Fabio Graner, analista de economia do JOTA em Brasília)
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