Consignado do Auxílio Brasil tem taxas a partir de 2,89%, mais barato que na Caixa
Apesar do alto volume de pedidos divulgados pela Caixa, o banco público não é a instituição que possui os melhores juros para os clientes
Controverso por cobrar juros altos de uma parcela já financeiramente vulnerável da população, o consignado do Auxílio Brasil tem taxas a partir de 2,89% ao mês. A Caixa Econômica, banco público, oferece uma das taxas mais caras, em comparação com outras instituições concorrentes, 3,45% ao mês.
A instituição federal informou que mais de 700 mil pessoas já pediram o empréstimo, gerando um volume de R$ 1,8 bilhão liberado para os beneficiários. Por regra, o teto de juros da linha de crédito tem de ser de no máximo 3,50% ao mês, bem próximo aos juros cobrados pela Caixa. A maior parte das pessoas não sabe que é possível encontrar taxas mais baixas na concorrência.
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O banco público deverá ser o grande operador desta modalidade de crédito, o que significa que os mais vulneráveis deverão pagar taxas ainda mais altas do que está disponível no mercado. Apesar de 12 bancos terem autorização para operar a nova linha de crédito, somente alguns estão, de fato, oferecendo o produto.
O Valor Investe procurou as instituições que foram autorizadas a ofertar o consignado do Auxílio Brasil. Mas muitas ainda não têm um posicionamento sobre quando devem oferecer o empréstimo. As duas instituições que divulgaram suas taxas praticam juros melhores que os da Caixa:
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- Pincred (Pintos S/A Créditos): 2,89% ao mês;
- Meu tudo/QI: 3,39% ao mês;
- Caixa: 3,45% ao mês;
- Banco Safra: Não está operando no momento;
- Zema Crédito: Não está operando no momento;
- Agibank: Ainda em análise, sem prazo para começar a ofertar o produto;
- Banco Pan: em operação, mas não divulgou as taxas;
- Crefisa: Ainda sem resposta;
- Capital Consig Sociedade de Crédito Direto S/A: Ainda sem reposta;
- Facta Financeira S/A Crédito, Financiamento e Investimento: Ainda sem reposta;
- Valor Sociedade de Crédito Direto S/A: Ainda sem resposta;
Por que tão caro?
Os juros do Auxílio Brasil estão entre os mais caros entre as linhas de crédito que têm algum tipo de garantia. Por exemplo, nas linhas de consignado para aposentados do INSS, os juros mais altos são de 2,18% ao mês, de acordo com os dados do Banco Central, coletados de setembro a outubro deste ano.
Para consignados de funcionários públicos, há juros que começam a partir de 1,12% ao mês. Assim como o produto do Auxílio Brasil, essas parcelas são descontadas diretamente do pagamento dos beneficiários/servidores. Ou seja, a fonte pagadora é o governo.
Portanto, fica difícil entender porque a taxa do consignado do Auxílio da Caixa é tão cara, ainda mais por ser um produto destinado para a população mais pobre e que provavelmente não tem acesso a outras linhas de crédito.
De modo geral, a regra no mercado financeiro é que os juros devem ser mais altos quanto maior o risco de calote. No entanto, o risco é mínimo quando é a própria Caixa quem fornece os pagamentos dos programas sociais. No caso, se o banco interpretar que o Auxílio não será pago antes do fim do prazo do empréstimo, que vai até o máximo de 24 meses.
A Caixa não respondeu ao Valor Investe sobre o motivo de cobrar por essa linha de empréstimo próximo ao máximo permitido. Uma das possibilidades é que o Auxílio Brasil sequer está previsto no Orçamento de 2023. O governo federal vem dizendo e repetindo que vai dar continuidade ao programa, mas ainda não detalhou de onde virão os recursos.
Até mesmo para linhas de crédito pessoal, que é uma modalidade sem garantia de desconto em folha, é possível encontrar taxas mais baixas que as do consignado do Auxílio Brasil, a partir de 0,72% ao mês.
Perigo para saúde financeira
O empréstimo do Auxílio Brasil vem sendo duramente criticado por instituições de defesa do consumidor, profissionais de educação financeira e economistas. O consignado vem sendo tão mal visto que até os grandes bancos decidiram ficar de fora desta linha de crédito. Nem mesmo o Banco do Brasil, outro banco público, solicitou participação na modalidade.
A maioria dos contratos estão sendo negociados pelo teto, que é de até 40% do valor do auxílio por mês. Isso compromete boa parte da renda de quem já tem tão pouco. De acordo com a educadora e assessora financeira Luciana Ikedo, para que as finanças de alguém sejam saudáveis o endividamento deve ser de no máximo 30% da renda mensal.
“Esse público recebe esse valor pra suprir as necessidades básicas, de alimentação, saúde e moradia. Há um grande receio disso gerar um endividamento que não possa ser quitado. Com o desconto do pagamento direto na fonte [o Auxílio em si], a pessoa tende a buscar outras formas de crédito (mais caro) para garantir o essencial”, afirma.
A profissional explica ainda que a falta de educação financeira que atinge boa parte da população, até mesmo entre os com mais renda, também é um vilão na hora de oferecer um produto como o consignado. Isso porque o beneficiário do programa social vai se deparar com uma grande quantia que pode usar para coisas não essenciais, para consumir desejos reprimidos e depois poderá faltar para o básico.
“O grande risco é a pessoa não entender que é um empréstimo que precisa ter devolução a juros e ela não conseguir projetar na renda dela o custo da dívida, os descontos”, diz.
Quanto você paga ao fim do empréstimo?
As parcelas do empréstimo precisam respeitar o teto de até 40% da renda do tomador de crédito. O valor mínimo que as famílias recebem por mês é de R$ 400 – os R$ 600 pagos de agosto a dezembro são temporários. Dessa forma, o beneficiário poderá descontar até R$ 160 mensais de seu pagamento com o empréstimo e poderá pagar num prazo máximo de 24 meses.
Para facilitar, fizemos uma simulação considerando que o beneficiário do Auxílio Brasil vá pedir emprestado tudo que pode com a maior taxa de juros possível (3,5% ao mês) e que vai usar 24 meses para quitar a dívida. Neste cenário, o beneficiário poderá ter descontado até R$ 160 mensais de seu pagamento só com o empréstimo e poderá pagar num prazo máximo de 24 meses. No total, ele vai desembolsar R$ 3.840 em 24 parcelas de R$ 160.
Nesse tipo de operação de crédito, é proibida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC), e quaisquer outras taxas administrativas. Além disso, é vedado o estabelecimento de prazo de carência para o início do pagamento das parcelas.
Muitas reclamações
Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), já foram registradas ao menos 2 mil queixas, que vão de venda casada com seguro a ligações ao consumidor para ofertar o consignado — o que foi proibido nas normas definidas para esse tipo de crédito.
“A liberação dos recursos está sendo anunciada com prazo de 48 horas, porém a maioria dos interessados que tem buscado ajuda nas redes sociais adverte que os bancos não dão informações sobre o andamento dos processos. Em muitos casos, esgotado o prazo máximo estimado, a informação enviada é que a proposta não foi aceita e o crédito foi negado sem justificativa, apenas advertindo que se trata de política de crédito”, explica a coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec, Ione Amorim.
De acordo com o Idec, há relatos de operações em casas lotéricas em que o usuário não foi consultado e a operação finalizada com seguro. O Instituo conclui que as instituições bancárias ou não estão prestando um serviço adequado ao cidadão ou o formulário de educação financeira obrigatório não tem surtido o efeito desejado pelo governo.
“A maioria das operações, quando são confirmadas, são pelo valor máximo. Não há relatos que trazem alertas sobre o risco de endividamento ou informações que indiquem que não é preciso usar todo o recurso de uma só vez. Enfim, um desrespeito com a população mais vulnerável”, conclui a coordenadora.
Por Cris Almeida e Isabel Filgueiras, com informações de Gabriela da Cunha e Daniel Cristóvão