Cresce participação do câmbio na inflação

Na “tempestade perfeita” que levou a inflação ao maior nível em seis anos em 2021, o câmbio elevou a sua influência no resultado, após a depreciação de 7% do real no ano passado em relação ao dólar. A combinação de aumento de preços administrados, como gasolina e energia elétrica, e de bens se conjugou ao choque cambial para levar o IPCA a ficar em torno de 10%.
O repasse cambial corresponde à variação percentual na alta dos preços gerada por uma oscilação na taxa de câmbio nominal. No Relatório de Inflação (RI) do Banco Central divulgado em dezembro, a autoridade monetária observou que o “passthrough” do câmbio para a inflação havia se elevado em relação às estimativas de 2020, apontando que uma depreciação do real da ordem de 10% adicionava até cerca de 1,1 ponto ao IPCA, no acumulado de quatro trimestres contados a partir do choque inicial no câmbio. No RI de setembro de 2020, o BC revelou que uma depreciação de 10% da moeda adicionava cerca de 0,6 ponto ao IPCA, também no acumulado de quatro trimestres.
A alta do repasse foi explicada em boa medida pelo aumento do peso dos derivados de petróleo no IPCA, sobretudo da gasolina, disse o BC. “A mudança da política de preços da Petrobras tornou o ‘passthrough’ agregado da economia bastante mais rápido do que era antes”, explica o sócio e economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico.
Ele diz que tinha maior concordância com a estimativa de coeficiente de repasse anterior pelo BC, de cerca de 0,8 ponto. De todo modo, Velecico nota uma “responsabilidade muito grande” no papel do dólar na inflação. “Ninguém conseguiu entender isso muito bem até agora, mas o dólar, em vez de amortecer, amplificou o impacto das commodities”, afirma, sobre a depreciação do câmbio que se deu simultaneamente à apreciação de preço de matérias-primas – rompendo a correlação positiva do pré-pandemia. Em 2021, as commodities subiram mais de 50% em reais, mostra o Índice de Commodities – Brasil (IC-Br) do BC.
“Olhando para trás, o primeiro grande choque nos preços na economia foi nos índices gerais lá em meados de 2020, com a escalada de itens dolarizados como commodities agrícolas, metálicas, além do petróleo. Esse choque está altamente relacionado à desvalorização do câmbio”, afirma Pedro Lutz Ramos, economista-chefe do Sicredi. Segundo ele, a percepção de risco fiscal teve um peso importante na depreciação do real.
A cooperativa de crédito integrou o grupo Top 5 de médio prazo do Boletim Focus do BC para projeções de inflação em novembro. No modelo de Ramos, o repasse derivado de uma depreciação de 10% do câmbio alcança 0,73 ponto percentual (pp) no acumulado de seis trimestres, em uma hipótese sem reação do BC. Já no caso de reação da autoridade monetária, o coeficiente do repasse chega a 0,65 pp em quatro trimestres.
Além do grau de depreciação do câmbio, a alta volatilidade do real também contribuiu com o aumento do repasse, avalia Marco Maciel, economista-chefe da Kairós Capital. Desde outubro, a volatilidade implícita de um e três meses das opções sobre o real recuou de cerca de 19,5% desde outubro para 16% no momento. Mesmo assim, ainda é alta, afirma.
Maciel avalia que as projeções de “passthrough” do BC parecem superestimadas, diante do maior peso dos preços internacionais na inflação doméstica. “O efeito do câmbio per se tem que ser decomposto em diversos fatores, como a interrupção da cadeia industrial global de oferta, a alta das commodities e dos insumos agrícolas. Houve muitas forças que se interseccionaram e provocaram uma inflação associada a preços internacionais mais alta”, diz ele.
Assim, a interrupção na cadeia encareceu bens industriais independentemente do câmbio, o que pode ter levado o BC a superestimar o coeficiente de repasse. Ao decompor a inflação, Maciel calcula um repasse de 0,3 ponto para cada 10% de depreciação do câmbio, abaixo dos números do BC e de outros economistas. “O hiato do produto bastante aberto e a fraca recuperação deste ano não justificam um coeficiente tão alto.”
No último RI, o BC estimou que o hiato do produto (medida de ociosidade da economia) havia se tornado “mais aberto” no quarto trimestre em relação ao terceiro, recuando de -1,7% para -1,8%.
Os analistas reconhecem que o dólar terá pequena relevância na desaceleração da inflação. Nas previsões de Velecico, o IPCA deve recuar a 4,8% em 2022. A Genoa projeta contração de 0,5% do PIB neste ano, com Selic terminal de 12,25%. “O juro nesse nível também é relevante para vermos o dólar em cerca de R$ 5,60 no fim do ano”, diz.
Ramos também projeta dólar a R$ 5,60 no fim de 2022, o que tenderia a reduzir a participação de vetores externos na inflação. Ele prevê IPCA de 4,8% no ano. “Boa parte dos choques na inflação não deve existir mais”, diz, porque não deve haver desvalorização cambial muito forte nem valorização excessiva do petróleo e outras commodities.
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