Turbulência nos bancos e no mercado: De volta a 2008?
Antes de tentar prever algo, acho importante entendermos o que se passa para, aí sim, decidirmos o que fazer. Aquela ideia do Pare, Olhe, Escute
Vivemos um novo 2008? Será essa uma crise sistêmica? O que está acontecendo com os bancos? O que eu posso fazer em meio a esse cenário?
As notícias, o dia a dia, a tela em vermelho. Tudo parece gritar em nossa face urgindo alguma ação – sentimento normal de proteção e sobrevivência. Como animais que somos, temos um instinto de sobrevivência que está em nós e nos cobra uma atitude sempre que estamos em perigo. Com investimentos não é diferente.
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Mas antes de tentar prever algo, acho importante entendermos o que se passa para, aí sim, decidirmos o que fazer. Aquela ideia do Pare, Olhe, Escute.
Antes de você tomar qualquer decisão de investimento sobre sua carteira, te convido a refletir sobre a frase abaixo. É uma frase de um dos gestores mais renomados, Peter Lynch. Ele ensina que: mais dinheiro foi perdido tentando encontrar ou estimar possíveis crises do que nas crises de fato.
Acredito muito nisso.
Já vimos isso outras vezes
Sim, o momento atual é único e potencialmente perigoso. No entanto, vivemos isso rotineiramente no mercado financeiro.
Diferente do Brasil, onde eventos políticos volta e meia chacoalham as coisas no mercado financeiro, aqui nos EUA e no mundo, normalmente são eventos macroeconômicos que alteram o equilíbrio das coisas. Mas isso não quer dizer que eles não ocorram.
Em muitos casos, até por diversas vezes ao longo de um ano. O gráfico abaixo, do índice de volatilidade VIX (semanal), mostra que, corriqueiramente, o mercado é impactado por algum evento, tal qual o que estamos vivendo hoje.
Ter a ciência disso é deveras importante para entender que nem sempre você precisa alterar significativamente sua carteira. Talvez seja mais efetivo você aprender a conviver com esses eventos.
Mas o que acontece com os bancos?
O sistema financeiro inteiro é pautado por dois conceitos e princípios muito importantes.
Fidúcia e Trust. Fidúcia se refere à responsabilidade que o agente financeiro (seja ele um banco, uma corretora, uma gestora, entre outros) tem na guarda dos recursos de terceiros.
O trust (confiança em inglês) nada mais é do que a confiança que você deposita nesse agente financeiro em fazer uma guarda responsável e segura dos seus recursos. O sistema financeiro e qualquer instituição financeira tem como alicerces esses dois “vetores”.
E aqui temos um ponto fundamental. Uma vez perdida essa relação de confiança, tudo mais pode vir abaixo. Os casados talvez entendam bem isso que estou escrevendo. É uma relação na qual a confiança é o alicerce básico. Qualquer brecha nessa relação de confiança pode levar uma instituição financeira à ruína. Por isso que se diz que “para quebrar um banco, basta um boato”.
Pois bem, vamos aos fatos de forma bem resumida.
No caso do Silicon Valley Bank (SVB), tivemos uma má gestão de ativos e passivos do banco. Depósitos e aplicações de curto prazo, essencialmente de startups e empresas de tecnologia, foram aplicados em títulos de elevada qualidade (essencialmente bonds do tesouro americano ou ativos garantidos por ele) mas de prazo de vencimento mais longo. Com a desaceleração econômica e dificuldade que muitas startups enfrentam, elas foram precisando desses recursos e sacando do banco.
O banco foi tendo dificuldades de liquidez e teve que se desfazer de títulos mais longos, realizando perdas elevadas e gerando um descasamento com passivos maiores que os seus ativos. Quando tentou buscar capital no mercado, trouxe à tona a desconfiança sobre a sua solvência e pronto, temos uma sucessão de fatos que levaram à intervenção do banco pelas autoridades americanas. Nesta live que fiz com o time da Inteligência Financeira eu explico o caso SVB.
Caso Credit Suisse
No caso do Credit Suisse, a situação tem raízes mais antigas. Desde 2008, diversos bancos foram duramente atingidos e até hoje têm alguma dificuldade. Há alguns anos o banco vem tendo resultados mais fracos e de certa forma recorrente, o mercado questiona a sua saúde financeira. Pois bem, na segunda-feira (13/03) o banco reportou seus resultados consolidados de 2022, trazendo uma perda de cerca US$ 8 bilhões no ano e uma saída de recursos de mais de US$ 120 bilhões.
Mais do que isso, o banco informa ter encontrado inconsistências materiais em seus balanços nos últimos dois anos. Mais uma vez, temos a relação de confiança arranhada e justamente num momento em que o mundo está olhando o que acontece com os bancos nos EUA.
A questão toda é que o sistema financeiro é muito interligado com investimentos e carteiras dos bancos, tendo conexões entre si quase como um castelo de cartas, ou mesmo tal qual nós humanos, que precisamos de certas condições naturais de temperatura e pressão para podermos sobreviver – pense que 4 graus a mais de temperatura corporal podem te deixar de cama.
Portanto, aquilo que acontece num dado nicho ou local pode afetar o sistema como um todo.
E qual o resultado dessa crise dos bancos?
- Penso que ficou clara a intenção e agilidade das autoridades monetárias em buscar “acalmar” o mercado com uma linha adicional de crédito aos bancos no caso americano, e o resgate pelo banco suíço no caso europeu. Ou seja, as autoridades parecem dispostas a manter o sistema funcionando e efetuar resgates tão logo sejam necessários, ainda que isso gere um certo risco moral a longo prazo – ideia de que, no limite, bancos possam ser irresponsáveis em seu dever fiduciário e que a autoridade monetária irá resgatar o sistema.
- Como resultado mais prático, vimos uma forte queda das ações do setor bancário pelo mundo, decorrente dessa desconfiança em relação ao setor.
- Se o setor bancário sofre, a economia sofre e, com isso, reduz-se drasticamente as apostas e perspectivas de elevação de juros pelo mundo. Vimos há algumas semanas a maior queda na Curva de rendimento de dois anos nos EUA desde 1987 – U.S. Treasury yields: biggest drop since ’87 crash (cnbc.com).
- E por mais contraditório que possa parecer, as ações do setor de tecnologia foram as que mais se beneficiaram com o Nasdaq, apresentando melhor performance entre os índices americanos – Nasdaq em azul, Dow em vermelho e S&P em preto.
E daqui pra frente?
Penso que não estamos vivendo uma crise tal qual 2008 e que as coisas vão se acalmar, mas isso é só a minha opinião. Temos acompanhado de perto todos os eventos e é difícil dizer ou garantir algo nesse momento de incertezas. Mas se você tem receios em relação a uma grave e grande crise global, nos moldes do que vimos em 2008 e 2020, penso que é fundamental você ter uma parcela relevante do seu capital aqui nos EUA.
A falsa sensação de que o Brasil não estaria diretamente envolvido nos eventos recentes pode ser uma falácia. Veja que em outros momentos de crise a tônica foi a mesma.
O mercado brasileiro como uma economia emergente foi duramente atingido com queda da bolsa e, principalmente, com forte desvalorização da moeda, reflexo do tradicional movimento de flight to quality. Fuga para a qualidade é um termo do mercado financeiro que representa a ação de alguns investidores em transferir seu capital de investimentos mais arriscados para investimentos que podem ser considerados mais seguros. Normalmente, este movimento é motivado por algum evento que modifique o status quo da economia e gere elevada incerteza nos mercados financeiro, como o que podemos ver agora.
Não sabemos o quanto a situação pode escalar, mas por ora, sob o ponto de vista macro, a grande e importante mudança que esses eventos trouxeram foi a de uma percepção de que teremos menos juros daqui para frente.
Se isso for verdade, é possível que vejamos:
- Enfraquecimento do dólar frente a outras moedas;
- Um momentum melhor para ações;
- Efeito positivo de marcação a mercado sobre os títulos de renda fixa, mas também rendimentos menores para quem ainda não se expôs a eles.