Depois de tanto tempo, o Ocidente ainda não aprendeu a lidar com Putin

Putin aposta que, como na Geórgia, na Crimeia e nos conflitos no leste da Ucrânia antes da invasão, não há muito o que Estados Unidos, UE, Reino Unido e outras nações possam fazer na prática, para além de sanções econômicas e comerciais duras

O presidente russo Vladimir Putin em Moscou (Foto: Sputnik/Alexey Nikolsky/Kremlin via REUTERS)
O presidente russo Vladimir Putin em Moscou (Foto: Sputnik/Alexey Nikolsky/Kremlin via REUTERS)

Quem não sabe quem é Vladimir Putin? Há mais de duas décadas no poder, sobreviveu a cinco presidentes americanos, cinco brasileiros e tantos outros. Está nas fotos de família das principais reuniões de cúpula internacionais desde então, lado a lado com líderes que vêm e vão.

Ele continua lá. Já era tempo de o Ocidente ter aprendido a lidar com seu inimigo favorito. Suas táticas não são novas. Por paradoxal que pareça, não há surpresa na sua imprevisibilidade. Tampouco na forma como costuma conduzir os interesses do seu país.

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Não por acaso, desde que a tensão se intensificou nas fronteiras do leste da Ucrânia, em novembro passado, especialistas em política internacional na região se recusavam a fazer previsões categóricas sobre os desdobramentos da crise. Quem conhece a Rússia sabe que tudo pode acontecer o tempo todo. O conflito que teve início na manhã de quinta-feira era uma entre tantas opções.

A “operação militar especial”, expressão usada por Putin para se referir à invasão que está promovendo em território ucraniano, talvez pudesse ter sido evitada, assim como suas aventuras bélicas anteriores. É hipocrisia colocar o custo de um conflito, que pode ser o mais grave na Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial, unicamente na conta da Rússia, ou atribuí-lo exclusivamente à agressividade do Kremlin. Todos têm culpa no cartório.

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Putin, sobretudo. Não resta dúvida. Ao invadir a Ucrânia, o líder russo perde a credibilidade para argumentar, por mais razoáveis que pudessem parecer suas demandas e reclamações sobre a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) até o seu quintal. A questão, no entanto, é que, mais uma vez, as potências ocidentais fracassaram. Repetiram a estratégia comprovadamente equivocada de tentar acuar Moscou.

Já deveriam ter entendido a psicologia política de Putin e da Rússia: não se pode simplesmente proibi-lo de fazer algo. Existe uma expressão em russo: “Брать на слабо”, o que seria obrigar alguém a se mostrar fraco, recuar. E isso ele não aceitará.

Putin se diz especialista nas relações humanas. Ele gosta de fazer política à moda antiga, “olho no olho” e não gosta de ser subestimado. Enquanto se negociava uma saída pacífica para a questão ucraniana, o Ocidente, leia-se Estados Unidos, não cedeu um milímetro na lista de demandas do Kremlin, o que significa que, se Putin recuasse, demonstraria fraqueza para os russos, o que eles detestam.

Peculiaridades de Putin

Há certas peculiaridades de Putin e da Rússia que não devem passar despercebidas, porque mostram a relevância do homem no contexto histórico do país. “O que analistas tendem a não levar em conta é o revanchismo de Putin e seu poderoso sentido de renovação do orgulho e do lugar da Rússia no mundo, e o forte apelo social, emocional e psicológico que isso tem para os russos”, escreveu em texto publicado na revista “The Cipher Brief” Kenneth Dekleva, professor e diretor de Psiquiatria do UT Southwestern Medical Center, em Dallas.

É exatamente isso que explica a sempre alta popularidade do presidente, que chegou a bater os 89%, e hoje oscila na casa dos 70%. Ninguém tem tamanho capital político na Rússia. Para Dekleva, Putin mostrou, nos últimos anos, “flexibilidade magistral, com mudança de curso e de prioridades, sem se desviar das preocupações estratégicas e do interesse nacional da Rússia”, diz.

Uma maneira melhor de entendê-lo, segundo o professor, é a partir do engajamento em um tipo de “diplomacia altamente pessoal, à moda antiga, com ênfase no respeito mútuo, na força e na valorização do profundo sentido de história da Rússia e entendimento compartilhado baseado no interesse nacional mútuo”. Para o professor, entender o ex-espião da KGB, de 69 anos, é “aceitar suas qualidades russas por excelência, lidar com ele de uma maneira mais diplomática e em nível pessoal como ‘um russo no Kremlin’”.

Nem mesmo a ação na Ucrânia deveria surpreender o Ocidente. Os novos ataques pela terra, céu e mar ao país vizinho até agora seguem a coreografia de um roteiro conhecido de todos. Foi exatamente assim que Moscou entrou na Geórgia em 2008, quando avançou sobre o ex-satélite soviético se engraçava com a Otan e flertava com a União Europeia (UE).

Neutralizou bases militares e destruiu armamentos. À época, o Exército russo chegou a enviar tanques de guerra para a capital Tbilisi, mas acabou mudando de ideia quando estavam a poucos quilômetros da cidade. Destruída a capacidade militar do país, os russos deixaram a Geórgia e reconheceram a Ossétia do Sul e Abcázia como regiões independentes.

Putin aposta que, como na Geórgia, na Crimeia e nos conflitos no leste da Ucrânia antes da invasão, não há muito o que Estados Unidos, UE, Reino Unido e outras nações possam fazer na prática, para além de sanções econômicas e comerciais duras.

Não vão mandar soldados para a linha de frente, como lembrou o especialista James Nixey, diretor do programa de Rússia-Eurásia e Europa de Chatham House, um dos mais prestigiados think thanks do Reino Unido. Afinal, todos reconhecem os riscos de se lidar com um governo sentado sobre um considerável arsenal nuclear.

Katharina Wolczuk, especialista da Universidade de Birmingham, afirmou que o líder russo costuma fazer seus cálculos por medidas de força.

E isso, na cabeça de um imperialista do século XX que opera com táticas dos séculos XIX, para se firmar como um czar do século XXI, diz muito. Wolczuk lembrou uma frase conhecida do ex-líder soviético Joseph Stálin: “O Papa é forte? Quantas divisões militares ele tem?”.

Putin diz que não pretende ocupar a Ucrânia, que a estratégia é desmilitarizá-la e “desnazificá-la”. Impossível saber quais serão seus próximos passos. Mas deixar que a situação chegasse a esse ponto só complica a posição dos países do Ocidente.

Isso porque ficará cada vez mais improvável levar-se algum tipo de normalidade à fronteira entre Rússia e Ucrânia e Putin para uma mesa de negociações. Já da perspectiva do líder russo, este é o momento mais delicado da sua política externa e um caminho que, segundo a maioria dos especialistas, não teria volta.

Com Valor Pro, serviço de informação em tempo real do Valor Econômico.

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