Desastre em SP expõe necessidade de readaptar cidades para eventos climáticos extremos, dizem especialistas

Infraestrutura das cidades não estão preparadas para lidar com eventos naturais extremos, diz especialista

São Sebastião decreta calamidade pública — Foto: Divulgação/Defesa Civil de São Sebastião
São Sebastião decreta calamidade pública — Foto: Divulgação/Defesa Civil de São Sebastião

As chuvas torrenciais que castigaram o litoral norte expuseram um novo problema complexo de resolver. As inundações que atingiram inclusive condomínios de alta renda apontam que a infraestrutura das cidades não estão preparadas para lidar com eventos naturais extremos, que estão ficando cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas.

“Logicamente que não é a primeira vez que uma chuva concentrada aconteceu na região, mas o que aponta a relação com o aquecimento global é que é um evento que está se tornando muito mais frequente. Se não tivesse nada a ver com o aquecimento global, estaria acontecendo com uma certa frequência, que seria menor do que a atual”, explica o climatologista e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Nobre.

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A cidade de Bertioga recebeu 682 milímetros de chuva em apenas 24 horas, marcando o maior volume já registrado no país. O recorde anterior havia sido identificado no ano passado em Petrópolis, quando a cidade fluminense foi castigada por 530 milímetros de chuva em 24 horas. Em Sebastião, cidade mais castigada na chuva do último fim de semana no litoral de São Paulo, o volume chegou a 626 milímetros em 24 horas.

“Se comparar com meados do século passado, nós já temos 50% a mais de eventos de chuva extrema. Veja, isso não significa que as chuvas aumentaram, inclusive temos visto período de estiagem mais longos, mas a incidência de chuvas pontuais muito fortes aumentou muito. Uma coisa que acontecia a cada 10 anos, hoje está acontecendo a cada dois anos ou todo ano”, acrescenta Nobre.

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O cenário expõe a fragilidade das cidades, sejam litorâneas ou não, no enfrentamento desses eventos mesmo fora das áreas de risco. Imagens de condomínios alagados e carros de luxo submersos também marcaram a cobertura da chuva no litoral Norte de São Paulo.

“Estamos vendo claramente que não são apenas as ocupações em áreas de risco que estão sendo atingidas por esse tipo de evento climático extremo”, comenta Marcela Alonso Ferreira, pesquisadora do Instituto Urbem, focado em urbanismo e soluções para cidades.

“Não estamos fazendo o trabalho necessário para adaptar o espaço urbano com o objetivo de suportar esses eventos”, complementa Ferreira, que também é doutoranda no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po). “Mesmo seguindo as normas urbanísticas, não se tinha antes essa visão de longo prazo sobre as mudanças climáticas. Hoje a gente fala muito nesse tema de adaptação justamente porque a crise climática vai atingir a todos e é preciso planejar o que fazer para se adequar a um novo contexto”.

Para a pesquisadora do Urbem, mais do que procurar culpados, agora é hora de discutir quais soluções precisam ser implementadas em cada ponto para adaptar as cidades ao cenário. “Quando acontece um desastre desse, todo mundo vai procurar um culpado. Uns culpam os moradores que se assentam em áreas de risco. Os prefeitos que vão falar que choveu muito num período muito curto de tempo pra evitar a culpa. Mas a verdade é que o que precisa é discutir o que se vai fazer daqui pra frente”, sugere Ferreira.

O coordenador da câmara especializada de engenharia civil do CREA-SP, Roberto Racanicchi, explica que, embora os projetos em condomínios e prédios tenham dimensionado infraestruturas capazes de suportar chuvas superiores aos padrões de anos atrás, os eventos climáticos cada vez mais severos indicam a necessidade de uma readaptação.

“Esse efeito do clima precisa ser constantemente estudado. Tem uma base estatística para isso, só que às vezes tem um condomínio mais antigo que não previa uma chuva como essa”, comenta Racanicchi. “O padrão na hora de projetar é fazer estimativas de chuvas com base em eventos históricos e ampliar a segurança aumentando a capacidade para a estrutura aguentar três, quatro vezes mais. Mas, por exemplo, se no mês de fevereiro, na cidade de Bertioga o normal é chover 60 milímetros em um período determinado de tempo, trabalha-se em cima disso. Porém, choveu 600 milímetros em 24 horas lá. Todo o sistema que foi projetado para 60 milímetros não vai funcionar”, explica.

De acordo com o engenheiro, o problema é complexo, pois a engenharia moderna tem solução para quase tudo. Porém, quanto mais difícil a execução, mais caro fica para intervir e atualizar a capacidade dessas cidades de lidar com chuvas mais fortes.

“Quando se fala em água, em escoamento e drenagem, são grandes sistemas. Imagina ter que redimensionar o sistema de uma rodovia. Tem que tirar todo o pavimento asfáltico e refazer projetando uma nova demanda de água para suportar mais do que o atual. A intervenção é muito grande”, diz, em referência à Mogi-Bertioga, onde uma tubulação estourou e o asfalto cedeu. “Mas tem que fazer, senão a tendência é que os incidentes aumentem”, conclui Racanicchi.

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