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A dinâmica do valuation de clubes de futebol
Nos últimos dias, um tema que circula no mundo do futebol é a criação da SAF do Atlético Mineiro, e sua futura venda para um grupo de torcedores capitaneado pelos atuais mantenedores.
Não vou entrar no mérito da SAF em si. Mas sim em um assunto relacionado a ela e que todas as vezes que ocorre a venda de uma SAF volta à tona: o valuation de um clube de futebol.
Já falei sobre isso outras vezes, mas é sempre bom retomar o assunto à medida em que temos uma nova e bilionária negociação no futebol. Afinal, todos querem ter a SAF mais valiosa, como se isso fosse relevante.
Múltiplos de receita para avaliar o valuation
Primeiramente, valuation de clube de futebol é mais arte que ciência, frase dita por Tim Bridge, head de esportes da Deloitte. Modelos de fluxo de caixa descontado, através do qual definimos um intervalo de valor a partir da projeção de resultados de um clube, é algo pouco aplicável ao futebol. Uma vez que a atividade é instável. Ainda assim, é uma metodologia que pode fazer parte do processo de avaliação.
O mais comum é usarmos múltiplos de receita. Trabalhando com a ideia de que a competitividade de um clube está diretamente associada a suas receitas e aos custos que ela permite. Logo, clubes com maiores receitas deveriam valer mais que clubes de menores receitas.
O múltiplo pode variar de acordo com o mercado, a liga e a demanda. Mas fique tranquilo, pois em outro artigo falarei um pouco sobre o modelo de múltiplos que criei para o Brasil.
Está tudo nas receitas dos clubes
No final, o valuation trata do valor, mas tem uma barreira: o preço. Valor e preço são visões diferentes sobre o mesmo tema. Minha Brasília 78 traz memórias que me fazem pedir por ela R$ 100 mil. Mesmo que o valor seja da ordem de R$ 30 mil (segundo tabela Fipe que encontrei na internet).
Portanto, um dono de clube pode pedir o que quiser, baseado em uma série de fatores: tradição, história, tamanho de torcida, escassez de ativos no mercado. Só o mercado vai dizer se haverá comprador e a que preço final: mais próximo do comprador ou do vendedor.
Falando em carro e clube de futebol, muito se comenta sobre os acessórios de um clube, e quanto valem na venda. A maior parte deles está quantificada nas receitas. Se temos torcida, ela está representada na bilheteria, no Sócio Torcedor, na audiência que gera receitas com direitos de transmissão.
Se falamos de centros de treinamento, eles estão na atividade, e sem eles não existiria time em campo. O estádio está representado na bilheteria e nas receitas diretas. Mas pode ser ajustado pelo método de reposição de custo, que é verificar quanto custaria para fazer uma instalação semelhante. O elenco é mensurado pelo valor de negociação dos atletas ao longo do tempo. Ou seja, está tudo nas receitas.
Haverá sempre quem diz que o seu é o “estado-da-arte”
Mas isso é igual banco de couro e rodas de alumínio: ajuda a vender, mas nem sempre aumenta o valor de forma relevante.
E, também há quem diga que os 800 milhões de torcedores deveriam gerar mais receitas e o comprador tem que pagar por isso. Ledo engano. Afinal, isso é parte do upside do comprador e fragilidade do vendedor. Afinal, não conseguiu extrair esse valor todo, o que mostra certa incompetência. Ou que a torcida não gera tanto valor assim.
Ótimo, mas quando falamos de SAF é quase inócuo. A associação que está vendendo a SAF não pode distribuir valores pela venda. Exceto se utilizar os recursos para reformar piscinas e investir na equipe de basquete, o dinheiro ficaria no caixa e sem uso. Portanto, o que importa nos projetos de SAF que estamos vendo é avaliar as condições de entrada dos novos donos.
Qual o projeto? Quanto será aportado para pagar dívidas, para investir em infraestrutura, reforçar a equipe, valorizar a marca? Onde o clube está hoje e onde pretende estar daqui 10 anos? Parte dos recursos é para pagar dívidas, que não necessariamente refletirão em mais receitas. Mas apenas aliviarão o fluxo de caixa.
A parte investida em atletas pode não trazer resultados. Então, se transformaria num gasto e não num investimento. E a única coisa que ajuda a melhorar o processo é o investimento em infraestrutura, mas que ainda assim pode ter resultados financeiros questionáveis.
Tudo isso ainda precisa ser gerido por profissionais capacitados. E o único que pode se aproveitar é o novo dono, quando for vender o clube futuramente. Nesse momento o valuation impacta zero para o torcedor, porque o dinheiro vai para o bolso do acionista, como acontece na Europa.
Torcedor de valuation é demais até para mim
Portanto, cabe ao torcedor cobrar gestões eficientes de seus clubes, e que processos de transformação e SAF sejam construídos de forma organizada, sem pressa, de forma a maximizar o dinheiro que entrará, e garantir sustentabilidade ao clube.
O Galo, por exemplo, foi vendido pelo valor da dívida, porque não vai entrar dinheiro na associação. Se houver investimento, ele virá apenas após a reorganização da estrutura. O resto é retórica.
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