‘É preciso avançar nessa pauta de igualdade, diversidade’, diz CEO do Nubank

Cristina Junqueira afirma que viveu em ambientes muito machistas, "mas não deixei isso me afetar"

À frente do Nubank no Brasil, Cristina Junqueira é uma das poucas mulheres no topo de uma instituição financeira na América Latina. Não bastasse, é mãe de três filhas. A mais nova nasceu há pouco mais de um mês, e, no dia do IPO do Nubank, em dezembro, a executiva exibia um barrigão no pregão da Bolsa de Nova York. Formada em engenharia, sempre trabalhou em ambientes dominados por homens e afirma que nunca teve uma liderança feminina em quem se inspirar.

Agora, tenta fazer diferente no Nubank. Do total da equipe, 45% são mulheres e, em cargos de liderança, a proporção é parecida, de 43%. “Óbvio que ainda temos muito chão para percorrer, mas também houve progressos”, diz a banqueira, que que interrompeu brevemente a licença maternidade para conceder esta entrevista ao Valor. Nela, falou sobre carreira e os rumos do banco.

Junqueira afirma não se importar com o fato de que as ações do Nubank estão perto das mínimas históricas – com queda de 33,88% desde a estreia em bolsa. Ela diz que não acompanha o movimento dos papéis e que o foco é manter o bom atendimento aos clientes. A banqueira também sinaliza que o Nubank vai continuar acelerando a carteira de crédito, mas diz que isso não significa que a fintech não seja conservadora. Para alguns analistas, o banco digital tem sido muito agressivo, nas concessões, especialmente em um cenário macroeconômico difícil.

Embora se mostre afinada com os sócios, Junqueira se diz mais cética sobre a possibilidade de o Nubank abrir lojas físicas, hipótese levantada recentemente pelo CEO geral do Nubank, David Vélez.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como se vê à frente de uma das maiores instituições financeiras da América Latina?

Tento levar as coisas de maneira leve na minha vida em geral, faço piada com tudo, faz parte de conseguir manter a sanidade mental. Então não acho que é um peso [ser CEO do Nubank]. Óbvio que a responsabilidade é muito grande, mas sinto muito isso desde o primeiro dia. Responsabilidade com nossos primeiros investidores lá atrás, com os primeiros cartões, e hoje são mais de 53 milhões. Responsabilidade com os reguladores, que queriam trazer inovação para esse setor, que precisava de mais concorrência, mas também tinham que prezar pela prudência. Responsabilidade com outras empresas que vieram depois, que viram a gente nascer e pensaram: ‘peraí, dá para fazer um negócio legal, tem espaço para inovação’.

A senhora fez engenharia e diz que sempre viveu em ambientes dominados por homens. A situação está mudando?

Tenho visto muita mudança. Fiz engenharia, mestrado, trabalhei em consultoria, em banco, e sempre era uma das únicas mulheres, não tinha chefes mulheres. Mas estou nesse mercado há mais de 20 anos, então vimos bastante avanço. Hoje muitas empresas têm CEOs, ‘country managers’ mulheres. É óbvio que ainda tem muito chão, tem uma distribuição muito pouco uniforme. Tem setores, como tecnologia, que geralmente estão na vanguarda do pensamento, que investem muito nisso, em diversidade, inclusão, políticas afirmativas, enquanto outros setores estão muito atrasados, não fizeram essa jornada ainda. É preciso saber reconhecer os ‘gaps’ que ainda existem, as lacunas, mas também os progressos.

A sra. já enfrentou machismo na sua carreira?

Já teve momentos em que me senti meio desprezada por ser mulher, humilhada. Mas depois percebi que ninguém pode te humilhar, é você que se sente humilhada. Se eu não me sentisse assim, as pessoas não teriam esse poder sobre mim. Vivi em ambientes muito machistas na minha época de banco, mas não deixei isso me afetar. Sempre tive uma visão objetiva dessas situações. Se a regra era essa, ou você fazia o que era exigido, ou ia embora. Por muito tempo eu fiz, mas depois fui embora e abri minha própria empresa. Não adianta falar que não é justo e ficar esperando virar justo. É preciso avançar nessa pauta de igualdade, diversidade.

E o que o Nubank faz para promover a igualdade de gênero?

Nossos números nunca foram ruins, sempre tivemos mais de 40% da equipe formada por mulheres, talvez até um pouco porque eu estava lá. Hoje, do total de funcionários 45% são mulheres, e 43% entre os cargos de liderança. Em algumas áreas, como no time técnico, esse porcentual é menor, em torno de 20%. Ainda assim, é bem maior que algumas companhias do Valle do Silício, que investem centenas de milhões em diversidade e têm 9%, 10% no máximo 12% de mulheres nos times técnicos. Ainda tem muito chão para chegar aos 50%, mas estamos muito melhores que a imensa maioria das empresas de tecnologia. Nós temos o programa “Yes, She Codes”, que traz muitas mulheres desenvolvedoras, programadoras.

Como é o arranjo familiar da CEO com três filhas?

Cada família tem o seu arranjo. Ter o suporte de uma rede de apoio, com avós que ajudam, funciona. Sempre defendi muito a escola. Com quatro meses, a minha filha mais velha já estava indo para a creche. Eu e meu marido sempre fizemos tudo em casa, só fomos contratar uma babá agora que a terceira filha nasceu. É preciso ter muita clareza de quais são suas prioridades. Não estar muito próxima da vida das minhas filhas não era uma opção. Eu, com os pontos da cesárea, fui levar minhas filhas mais velhas no primeiro dia de escola. Desenhei minha rotina, minha vida, em torno disso. Para algumas mulheres a família pode não ser uma prioridade. O importante é ter clareza das prioridades e ter consistência em relação a isso.

Como educa suas filhas para que contribuam para um mundo em que haja mais igualdade de gênero?

Essa é uma preocupação muito grande que tenho, mais que o Nubank, como educá-las, como elas vão crescer. Tem duas coisas essenciais. A primeira é inteligência emocional. O resto você aprende, mas ter autoconhecimento, consciência do contexto onde você está inserido, como lidar com o que o mundo te apresenta, é muito importante para qualquer área. E isso é muito pouco ensinado pelas escolas e mesmo pelas famílias. A segunda coisa é o exemplo. Não adianta nada ensinar tudo isso se em casa elas veem o pai e a mãe agirem de maneira desconexa.

O Nubank divulgou um resultado considerado positivo pelos analistas, mas as ações continuaram caindo. Isso te incomoda?

Outro dia alguém me mandou mensagem dizendo que a ação tinha atingido a máxima histórica, e eu nem sabia. Não vejo quando sobe, não vejo quando cai. Estamos focados no longo prazo. As coisas são muito voláteis no curto prazo, tem toda essa mudança estrutural acontecendo no mundo, curva de juros, correções – justificadas -, guerra, inflação. Então vai ter um monte de coisa que vai acontecer e vai impactar a ação, mas a gente nem olha. Estou com a cabeça focada no cliente, no que tenho de fazer no negócio. O resultado do trimestre foi muito forte, estamos muito felizes com esse resultado. O preço da ação vai ser o que for, só vou olhar para isso no longo prazo, daqui a cinco anos, porque aí pode ser um indício de estamos no caminho certo.

Alguns analistas dizem que o Nubank tem uma estratégia agressiva de crescimento no crédito, para rentabilizar sua base de clientes, mas que essa estratégia pode ser arriscada em um ambiente macroeconômico difícil…

Nosso jogo nunca foi o de crescimento do país. O cenário macro pode crescer ou encolher. O Nubank foi fundado durante o governo Dilma, no meio da pior recessão. Nosso jogo é de market share. Não preciso necessariamente que o país cresça. As pessoas sempre vão precisar pagar conta, receber salário. Óbvio que o macro tem impacto, um desemprego elevado pode afetar a inadimplência. Mas o Nubank só viu isso na vida. Só viu o Brasil ferrado. É muito diferente das startups nos EUA, que pegaram todo o boom de dez anos, e agora os investidores ficam coçando a cabeça, imaginando o que vai acontecer quando o cenário virar. Aqui a gente imagina o que vai virar quando o vento ajudar, porque até agora só tivemos vento contra. Muita gente não parece entender a superioridade da nossa metodologia, dos nossos algoritmos de análise de crédito. A nossa curva de inadimplência é 30% menor que a média do mercado, isso com a carteira crescendo fortemente. Vamos continuar crescendo com responsabilidade. Sempre fomos muito abertos, , detalhistas, aos explicar para os investidores os controles, as camadas de segurança, os buffers [colchões de capital] que temos. Nós podemos aturar o dobro de deterioração da inadimplência e continuamos sendo rentáveis. Apesar de o crescimento da carteira ser muito expressivo, somos conservadores do ponto de vista de crédito, temos muita margem de segurança. Temos controles muito bons para continuar crescendo de maneira responsável e, se acontecer o apocalipse, temos freios muito bons. Fizemos isso no início da pandemia, pisamos no freio, fomos muito rápidos e, à medida que fomos vendo os dados, fomos soltando onde fazia sentido.

Vélez disse recentemente que o Nubank, um dia, pode abrir agências físicas. Como seria isso?

O que ele quis dizer é que, o que o cliente precisar, e valorizar, nós vamos fazer. A Amazon abriu lojas físicas, mas agora começou a fechar…. Nós podemos testar, se tiver evidências de que realmente precisa. Mas sou um pouco mais cética do que o Vélez sobre esse ponto. Um argumento que sempre se usa nessas discussões é sobre clientes mais idosos, mas já ouvi de muitos clientes nossos que apresentaram o Nubank para suas mães, avós, e elas perguntaram se o aplicativo tinha sido feito para a terceira idade, de tão fácil, simples de usar. Outro argumento é ter agência para atender segmentos premium. Mas o que as pessoas querem é não ter dor de cabeça. Elas só vão na agência quando estão com um problema e querem esganar o gerente. Não estou no business de gerar problemas. Quem quer sair de casa para ir em agência?

O Nubank comprou a Easynvest no fim de 2020 para fechar a lacuna de investimentos. Ainda existem outras grandes áreas a preencher?

Investimentos são superimportante, são uma vertical de que os clientes sentiam falta. A gente sabe que é muito conveniente para o cliente vir para o Nubank e trazer todo o relacionamento financeiro para cá. É chato ter de lidar com mais de uma conta. Por isso a vertical de investimentos é muito importante, não só para geração de valor, mas para a experiência do cliente. No fim do ano passado, 55% dos nossos clientes diziam que a conta do Nubank era a principal deles. Investimentos eram a grande lacuna. A partir de agora vamos continuar trabalhando para complementar o portfólio, ter um ecossistema mais completo. Temos a parceria com a Creditas, para as linhas de crédito que a gente não trabalha, temos o marketplace. Nós vamos olhando a demanda dos clientes e priorizando.

O Nubank pode fazer novas aquisições do mesmo porte da Easynvest?

Estamos sempre olhando, mas há dificuldade de achar boas empresas, realmente do ponto de vista de cultura, tecnologia. Se for para comprar uma plataforma ruim, que maltrata o cliente, que vai dar um trabalhão para integrar porque não está no mesmo nível de tecnologia que a gente, não adianta.

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